O perfil era forte. Dominado por nariz levemente
adunco, o magro rosto transmitia força e tênue beleza, que nem a morte lhe
roubara. A janela, por atrás, dava-lhe luminosidade e contraste.
Dona Isadora morrera ha dois dias. Vivera boa e longa
vida, sem ver filho morrer. Só o marido lhe antecipara. Mas o esticar dos anos tornou-a
solitária, filhos e netos dispersos por interesses diversos. Não mais se
apegava à pálida rotina da sobrevivência.
Era temente a Deus, pois antecedia de muito a era da
contestação. Nascera Católica por convenção, mas abraçou o seu Deus por
convicção. Acreditava Nêle. É verdade que também temia as labaredas do inferno,
a peçonhenta face de Satanás, as sombras dos condenados. Porém, nem mesmo o
turbilhão da adolescência a fez duvidar, desdenhar. Sim, foram muitas as
tentações, pois fora moça bonita. Cedeu, sim, cedeu a algumas, pecou com parcimônia,
mas sem que perdesse o respeito próprio. Compreendia que ser humano é ser
fraco, é pecar, mas sem dobrar-se à fraqueza, sem nela buscar o pretexto.
Encontrou na compreensão, no entender o outro, o caminho da bondade e da concórdia.
Reclinada em belo ataúde, sobre macia almofada e
estreito leito, recebia as despedidas de tantos queridos. Após a benção do
Padre, fez-se o silêncio. Se olhos tivesse, sua alma não entenderia o que lá
fazia. Como não estar perto dos amores que antes se foram? Estenderia a mão em
busca fútil?
Tal qual surdo zumbido de besouro, a maquina alerta
para sua presença e implacável determinação. Em vez de mãos, o féretro é levado
por mecânica esteira. Põe-se em lento movimento. É curto caminho. Leva, devagarzinho,
Dona Isadora para as labaredas.
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