quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Para entender a atual situação do Sistema Elétrico Brasileiro

Joaquim Francisco de Carvalho *


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É escusado insistir em que eletricidade é um insumo vital para a indústria, comércio, transportes, universidades, residências, escolas, laboratórios, hospitais, enfim, para tudo. Energia é vida.

E, como todas pagam tarifas, o setor elétrico é uma espécie de “coletor automático” de uma boa parte da renda nacional. Coletor, aliás, muito mais eficiente do que o fisco, porque as contas de eletricidade são pagas implacavelmente, sob pena de corte do fornecimento, enquanto os impostos podem ser parcialmente (quando não totalmente) sonegados, graças à manigância de contadores ardilosos.

Talvez mal avisado por seus conselheiros, ao assumir a presidência da república, o honrado Fernando Henrique Cardoso anunciou que adotaria o “modelo britânico” na privatização do sistema elétrico, ignorando que tal modelo não é aplicável no Brasil.
De fato, o parque gerador britânico é termoelétrico, enquanto o brasileiro é preponderantemente hidroelétrico.

E reservatórios hidroelétricos pressupõem usos múltiplos, que requerem pesados investimentos em programas de regularização de bacias hidrográficas, controle de enchentes, preservação da fauna ictiológica, proteção dos solos e da flora ribeirinha, irrigação de terras agrícolas, construção de hidrovias e outros, quase todos deficitários para o empresário privado, embora sejam indispensáveis para o equilíbrio ambiental, para desenvolvimento econômico e para o bem-estar da sociedade, como um todo.

Por isso as empresas elétricas públicas reservavam fatias importantes de seus orçamentos para investimentos em programas dessa natureza. Era assim que faziam a CESP, a CPFL e a Eletropaulo, quando eram estatais paulistas.
Privatizadas, elas agora extraem máximos lucros para remeter a seus acionistas (quase sempre no exterior), deixando com o Estado a responsabilidade de investir nos programas ambientais, o que, evidentemente, compromete recursos que deveriam ir para a expansão e modernização do próprio sistema e para a área social (educação, saúde, habitação popular, segurança pública, etc.).

A importância do controle público sobre as bacias hidrográficas é tal que até nos Estados Unidos, onde quase tudo é privado, as principais hidroelétricas são controladas por empresas públicas regionais ou federais e até pelo Exército.

O governo FHC alegava que, sem privatizar as empresas de eletricidade, o Estado não teria recursos para investir os 8,5 bilhões de reais (da época) previstos para atender à expansão da demanda de eletricidade até 2004.

Mas os fatos mostraram que isso não era verdade. O sistema elétrico regrediu com as privatizações: os controladores privados das antigas estatais, ávidos por lucros, não fizeram os investimentos previstos para a expansão da capacidade, comprometendo seriamente a confiabilidade do sistema (o risco de deficit saltou dos 5% com que trabalhava o sistema público, para mais de 15%), enquanto as tarifas - que eram acessíveis até para a população mais pobre - estão hoje entre as mais caras do mundo.

A situação geral do país também se agravou, embora o governo afirmasse que, com a receita das privatizações, a dívida pública seria reduzida e que, sem o ônus de administrar empresas estatais, o governo poderia concentrar recurso nos chamados programas sociais. O resultado foi o oposto do prometido: sob a administração FHC a dívida interna saltou de R$ 58 bilhões para mais de R$ 550 bilhões, o endividamento externo passou de US$ 112 bilhões a US$ 380 bilhões, a saúde pública, o ensino básico e a pesquisa científica ficaram à míngua, aumentou o desemprego, o valor aquisitivo dos salários é ridículo e a violência é o que se vê.

Entretanto as remessas de lucros, que eram de US$ 750 milhões, chegaram perto de US$ 8 bilhões, por ano.

Dourar a pílula das privatizações com uma ilusória “pulverização de ações” não mudou nada: no Brasil, o mercado de ações é fraco e desmoralizado.

Para terminar, assinalo que - com as atuais tarifas - o faturamento do sistema elétrico brasileiro está à volta de R$ 200 bilhões, por ano. Esse faturamento deverá subir muito, pois a ANEEL não tem poder, nem competência, muito menos vontade política para controlar nada.

Por outro lado, como o sistema é preponderantemente hidroelétrico (funciona com a potência da água que corre em nossos rios, sem consumir combustíveis) e as usinas estão quase todas contabilmente amortizadas, os custos de geração são baixíssimos e o lucro líquido do sistema verticalizado (geração, transmissão e distribuição), pode chegar a 50% do faturamento. Com as elevações de tarifas previstas para o futuro próximo, tais lucros poderão superar R$ 100 bilhões, por ano.

As empresas do sistema foram construídas com dinheiro público e funcionavam muito bem. Não houve razão plausível para entregar seu lucro (que de justiça deveria ser reinvestido na área social e no aperfeiçoamento e expansão do próprio sistema) a especuladores, corretores e banqueiros, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

E tudo isso piorou muito nas administrações do PT, porque aí entrou a corrupção em escala nunca vista, nem mesmo por aqui.
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Joaquim F. de Carvalho, engenheiro nuclear, licenciado em física e doutor em energia, foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento, diretor da NUCLEN (atual Eletronuclear) e engenheiro da CESP.


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