sábado, 31 de maio de 2014

O custo da liderança



Cada vez mais, debate-se se o mundo esta perdendo seu líder, os Estados Unidos. O debate ainda não tratou das vantagens ou desvantagens de não ter o planeta um líder. Eventualmente, chegaremos lá.

De fato, não são disprezíveis os fatores que levam a tal indagação. Deve-se realçar que os cidadãos norte-americanos entendem que o conteúdo armado é fundamental para o  exercício da liderança. Portanto, fatores econômicos e militares e, ainda, culturais,  se juntam para questionar seu eficaz exercício. Mas quais os obstáculos?

No campo econômico, o substancial déficit fiscal que ainda pesa, impulsionando a divida publica para alem do PIB, age como desestimulante para o uso da carta militar. O  orçamento da “defesa”, perto de 650 bilhões de dólares, representando mais de 4% do PIB, e ainda ampliado em 200 a 400 bilhões de dólares anuais quando em guerra anti-terror, revela a enorme dificuldade de compatibilizar o controle orçamentário com a política de intervenção militar. Tais empecilhos estão claramente demonstrados no livro “Duty” de Robert Gates, ex Secretário de Defesa.

Sendo o conflito anti-terror de natureza fluida, não se limitando a um, senão a muitos territórios simultaneamente, demandando, conforme as imposições geográficas, logística complexa  bem como armamento variado, o ônus, não apenas financeiro mas também psicológico, pesa tanto sobre a sociedade civil como sobre o estamento militar. Sete mil soldados mortos e mais de quarenta mil feridos, muitos com desordens psicológicas causadas pela natureza do combate, derramam sobre a sociedade sofrimento e angústia acentuados por conflito hoje despido do apoio público.

Sob a sombra do desastre Vietnamita, (temporariamente iluminada pela vitória na primeira guerra do Iraque), as empreitadas mal sucedidas no Iraque e agora, aparentemente, no Afeganistão, levam a opinião pública a rejeitar a guerra como opção.

O afastamento dos aliados por razões políticas e econômicas, não mais com firme propósito solidário, vem esgarçando o tecido das alianças. Hoje, a “guerra ao terror” não provê a aglutinação que o enfrentamento anti Soviético outrora motivava. Vê-se os Estados Unidos entregues à guerra essencialmente solitária, nem mais contando, no que tange à soldadesca, com seu natural aliado, a Grã Bretanha.

Ainda, o advento da globalização, ao gerar crescente interdependência econômica dentre países, onde os pólos poderosos se diluem, assim é reduzido o poder impositivo de qualquer nação. O  exemplo do recente conflito Ucraniano demonstrou a dificuldade da imposição de sanções sem causar sérios danos econômicos à ambas as partes do conflito.

Ainda, o surgimento da China, tanto no campo econômico quanto no militar, obriga o Pentágono á uma crescente dispersão de recursos, à constatação que não mais tem condições de enfrentar duas guerras simultâneas. A doutrina anterior, que permitia esta opção, não mais conta com o enorme contingente decorrente da conscrição geral, estando hoje limitada aos modestos números do modelo voluntário.

Contrariamente à demanda de ativos militares relativamente simples pela “guerra ao terror”, um possível conflito com a China demandaria investimentos infinitamente maiores em decorrência da corrida tecnológica exigida. Obrigados a enfrentar esta contingência, o Pentágono e a Casa Branca constatam a inviabilidade de meios que sustentem uma guerra em duas frentes, Oriente Médio e Ásia.

Assim, melhor compreende-se o recente discurso de Barack Obama, onde privilegia a diplomacia no trato das disputas no Ocidente e seus arredores. Justifica uma maior passividade militar face a Rússia Européia e o Oriente Médio, deixando, apenas implícita, o “pivot to the East”, ou seja, a “virada” para a China.

Tal será a demanda de recursos para manter uma superioridade tática e estratégica face a Pequim (e talvez Moscou), que muitos estimam que os Estados Unidos, mantendo-se dentro dos limites que seu orçamento e recuperação econômica exigem,  tornará branda  sua liderança global, em busca de uma ascendência no Mar Amarelo. É de se esperar que no Ocidente, Washington adotará a política de co-optação de seus aliados Europeus, Israelenses e Árabes (e talvez Persas), limitando suas ações às fronteiras do possível.

Quanto à América do Sul, arrisca-se a previsão de um mínimo de esforço diplomático, a não ser que uma provocação destemperada dos Bolivarianos ou preenchimento do vácuo pelo avanço econômico e político de Xi Jinping, ensejem reação.


Uma coisa é certa, o custo da liderança está subindo exponencialmente, o que nos remete à pertinente obra de Paul Kennedy, “The Rise and Fall of the Great Powers”.

Nenhum comentário: