quinta-feira, 8 de março de 2018

Reflexões siberianas




Em recente artigo no Washington Post, importante articulista norte americano defende a retomada de relações diplomáticas construtivas com Moscou.

Parece uma voz no deserto, uma vez que os Estados Unidos estão mergulhados numa febre anti rússa. Há pouco, na primeira página do New York Times, dentre dez matérias oito tratavam de Rússia. E não em termos cordiais. Ainda, o ódio dedicado por Hillary Clinton a Vladimir Putin (segundo algumas fontes seria decorrência de uma longa espera que lhe foi imposta pelo presidente quando em Moscou) já evidente no governo Obama, e o revide do russo com claro apoio à Donald Trump quando das eleições americanas serviram para emudecer o diálogo entre as duas superpotências. Silêncio perigoso e contrário à paz mundial.

O casus electoralis tornou-se viral e bipartidário. A “descoberta” da intervenção eleitoral moscovita, causada por 13 indivíduos russos e doze milhões de dólares, parece anêmica quando comparado aos  milhares de ativistas locais e os bilhões de dólares despejados por ambos os partidos durante a liça. Assim, a denuncia de Mr Mueller, investigador contratado pelo Congresso norte-americano, confere um duvidoso poder aos estrangeiros. De qualquer forma, havendo conspiração, esta revelou-se totalmente incompetente: afinal os russos fracassaram pois Hillary Clinton foi a grande vencedora no voto popular.(¹) 

O Congresso norte-americano, no altar da honestidade ultrajada, prefere esquecer que os Estados Unidos interferem contínua e ostensivamente nas eleições soviéticas-russa através a Radio Free Europe, há décadas. Ainda, seus serviços de inteligência certamente participam em missão semelhante, como fizeram quando da eleição e durante o governo de Boris Yeltsin. (²)

Na realidade, os Estados Unidos não aceitam uma Rússia autônoma, face ao arsenal nuclear que detêm e a influência que sua configuração geo-política lhe confere. Ainda, manter viva a ameaça de inimigo de grande grandeza, como dizia Robert  Gates, Secretário de Defesa de Bush II e Obama, é um reflexo inescapável do crescente estamento militar industrial norte-americano(³). Fácil entender-se como tal viés contaminaria o corpo político da nação. Como reflexo desta visão, o general Philip Breedlove, anterior comandante da OTAN, em artigo publicado advogava o cerco da Rússia pela aliança Ocidental.

Assim, tem-se a repetição de uma Guerra Fria de segunda categoria, sem que nenhuma das condições que alimentavam a original prevaleçam.(4) Conforme recente declaração do presidente russo, o enfraquecimento da Rússia após o colapso Soviético é abissal. A Rússia perdeu 23.8% do seu território, 48,5% de sua população, 41% do seu PIB e 44,6% de sua força militar. Presumir-se que, com esta amputação do poderio nacional, a Rússia persistiria em retomar a aventura expansionista não encontra lógica.

Reforça, isso sim, a avaliação de que tal é a fraqueza da Rússia que qualquer ato que ameace sua integridade seja respondido com extrema violência. Nesta violência reside sua única defesa. O fustigamento que provém da OTAN tem sido, após análise isenta, o maior fator de desestabilização na região chegando a casus belli.

À Rússia lhe falta o poderio expansionista mas seu ferrão é poderoso. Sua retaliação, tornar-se-ia catastrófica. Por outro lado, o passado recente valida a percepção que Moscou não apenas aceita, mas necessita a retomada dos fluxos comerciais e de investimentos que já ocorria em crescente ritmo antes da tentativa de “Otanização” da Georgia e da Ucrânia. 

Quanto à posição russa no conflito Sírio esta parece ser o corolário da estratégica defensiva russa no leste do Mediterrâneo. Bashar al Assad assegura à Moscou a base naval de Tartus. Conquanto a frota russa la fundeada esteja longe de ameaçar as esquadras americanas e europeias, sua presença próxima à entrada dos Dardanelos tem objetivo defensivo, não ofensivo. Lhe assegura o essencial aviso prévio de movimento hostil em direção ao vital Mar Negro. 

Tendo-se o quadro geopolítico mais amplo em mente, haveria interesse para Estados Unidos repensarem suas relações com a Rússia. Contudo, boas relações não implicam em subserviência. Washington, graças à suas vitórias na Segunda Guerra Mundial, habituou-se à aquiescência de seus parceiros no campo Ocidental. Washington parece esquecer que a experiência histórica da Rússia é, militarmente vitoriosa, sobre o Nazismo e outros inimigos. Portanto, seu "ethos" é isento de gratidões e submissões, pelo contrário, é orgulhoso. Em certo sentido, lembra os Estados Unidos, construído em cima de conquistas sequenciais, até atingir sua maturidade. 

Assim, para prosperar, impõe-se um diálogo paritário, de respeito mútuo. Estaria na hora de fazê-lo face ao grande desafio que traz a meteórica ascensão da China, dona de imenso poderio militar, demográfico, econômico e tecnológico.

Diante do Dragão. a Águia precisará do Urso.

(1) manipular a Colégio Eleitoral estaria fora de suas possibilidades.
(2) vide o colapso econômico da Rússia e o apoio de Bill Clinton).
(3) alerta proferido pelo Presidente Dwight Eisenhower em seu discurso de despedida.
(4) ambos países são capitalistas.



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