domingo, 30 de julho de 2017

O país do futuro...do subjuntivo

Este artigo é mais uma colaboração do Dr. Joaquim Francisco de Carvalho, ilustre professor e cientista especializado em energia nuclear.


O Brasil tem grandes extensões de terras férteis e um clima muito favorável para a agricultura. Suas reservas de minérios de valor estratégico são das maiores do planeta e as fontes renováveis de energia colocam o país em posição de vantagem, em relação a países de escala comparável. A indústria brasileira é diversificada e integrada e o país tem estabelecimentos industriais detentores do certificado de qualidade ISO 9000 em maior número do que a Argentina, Uruguai e Chile, somados.

Em 2.016, o produto interno bruto, a preços de mercado, foi estimado pelo IBGE em cerca 6,266 trilhões de reais (1,8 trilhões de dólares), o que situava a economia brasileira entre as 8 maiores do mundo.

No entanto, em seu relatório sobre o desenvolvimento humano publicado em 2.016, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) colocou o Brasil na 75ª posição, numa lista de 188 países classificados em função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa lista, o Brasil fica em posição inferior à de países como o Siri Lanka, Cuba, Costa Rica e Malásia. Para chegar à classificação pelo IDH, o PNUD atribui importância secundária a esse indicador puramente quantitativo que é o PIB, para avaliar o bem-estar e o desenvolvimento das populações em função do acesso à educação, assistência médica, alimentação, saneamento, habitação, enfim, a tudo o que se reflita na qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade. Um país realmente rico não é apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que investe racionalmente no campo social e distribui equilibradamente entre a população, a riqueza criada.

Apesar da riqueza natural disponível, a qualidade de vida da maioria da população brasileira é degradante. Apenas os poucos que pertencem às classes de renda A e B têm as mínimas possibilidades de assumir sua condição humana e participar do mercado.

A origem desse paradoxo está, certamente, na ignorância, na imprevidência e na insensatez com que os governantes decidem sobre assuntos básicos, pensando só em seus interesses provincianos (quando não pessoais) – sem analisar os possíveis impactos intersetoriais de suas decisões, no médio e no longo prazo. Em outras palavras, o Brasil é governado de improviso e administrado por políticos ignaros e corruptos, incapazes de definir estratégias inteligentes, para atingir objetivos realistas, compatíveis com as potencialidades do país.

Um dos reflexos disto é que, apesar de ter a oitava economia do mundo, o Brasil está na 29ª posição, num ranking elaborado pela University of Southern California, referente à influência dos países no cenário internacional.

Outro reflexo é que, desde meados dos anos 1.980, vem-se instalando no Brasil um regime caracterizado por Estado fraco e corrupto, com forte presença do crime organizado na vida econômica e em setores estratégicos da administração pública, semelhante ao anarco-capitalismo que acabou por se implantar nas antigas repúblicas soviéticas, depois da queda das ditaduras comunistas (Gray, J., “False Dawn: The Delusion of Global Capitalism” – New Press – N.Y. – 1.998).

* * *
Não sejamos ingênuos a ponto de pensar que a corrupção brasileira só começou no governo do presidente Kubistchek, com a construção de Brasília. Na verdade, o mal tem origem na colônia. Mas a grande escalada veio com o presidente Sarney e sua famiglia, principalmente no assalto ao sistema elétrico. Seguiu-se o mordaz FHC, permitindo que se cometesse o imperdoável erro estratégico de privatizar grandes hidrelétricas – e, pior, já amortizadas e na bacia das almas.

Porém é inegável que foi nos governos Lula, Dilma e Temer que se instalou o primado dos ladrões, institucionalizou-se a corrupção e consolidou-se a “cleptocracia”, ou corrupção como forma de governo.

Por força da sede de dinheiro e da perversão das relações entre ministros, congressistas, diretores de estatais e empresários sem escrúpulos, empresas estratégicas e riquíssimas, como a Petrobrás e a Eletrobrás, foram esburgadas pelos cleptocratas. Muitos ex-diretores e ex-gerentes dessas estatais enriqueceram em seus cargos e estão soltos por aí.
Há também os ex-sindicalistas, que preferem ficar na politiquinha com p pequeno, tentando vagas no Congresso ou em algum ministério “interessante”.

Foi um pulha desses, hoje deputado pelo PT-SP, que teve a desfaçatez de apresentar na semana passada um projeto de lei que aumenta de 15 dias para 8 meses o prazo em que os candidatos às eleições de 2018 não podem ser presos. Não foi à-toa que tal embuste recebeu o epíteto de “Emenda-Lula”. O autor dessa tramoia tem o cognome de Cândido, mas de cândido (no sentido de claro e limpo) ele não tem nada! Ao abrir o jornal, ver a sua fotografia e ler que ele defende a liberação dos cassinos e é “Cartola” da CBF do notório Marco Polo Del Nero, pensei que tinha entrado na página policial.
Esses velhacos não sabem o que vem a ser o múnus público ou a missão de um governo digno desse nome. Eles ignoram que, por culpa deles, o Brasil vive uma tragédia social, com episódios de guerrilha urbana cada vez mais frequentes e violentos.

* * *

O presidente Temer, com o seu gestual de mordomo de Tietê e sua astúcia para comprar deputados, elevou a corrupção aos pícaros da indignidade. Sem prever isto, no começo deste ano o ex-presidente FHC declarou que ele ainda poderia atravessar o seu curto mandato sobre uma pinguela, a pés enxutos. Aí vieram os irmãos Batista e dinamitaram a pinguela, deixando a esse grotesco presidente – e a seus ministros – apenas a opção de atravessar os próximos meses sobre as alpondras, a pés molhados. Isto se tiverem a sorte de não afundar antes...

* * *

Ao escrever estas linhas veio-me à memória a comédia Volpone, de Ben Johnson, poeta e dramaturgo inglês contemporâneo de Shakespeare. Para a Inglaterra elisabetana, Veneza era uma espécie de cloaca da Europa, para onde escoavam todos os maus costumes, a corrupção e os vícios. Volpone era um patrício veneziano que, para explorar a ganância de seus soit-disant amigos, se fez passar por moribundo prestes a escrever testamento. Combinou então com o seu criado, Mosca, um fannullone com jeito de Arlequim, que a notícia fosse espalhada aos quatro ventos. Na esperança de figurar entre os herdeiros, os mais ambiciosos afluíram com ricos presentes e até com dinheiro. A manigância foi logo desmascarada; Mosca enganou a todos, embolsou o dinheiro e deixou Volpone a ver navios. Lá pelos anos 1.920 a comédia foi adaptada por Jules Romains e Stefan Zweig, mantendo o espírito da época. Depois, Maurice Tourneur fez dela um filme (com Louis Jouvet no papel de Mosca) que até o final dos anos 1.950 ainda podia ser visto num daqueles cineminhas charmosos que havia no Quartier Latin.

* * *

Tal como a Veneza de Volpone, o Brasil de hoje – em especial Brasília – é uma alegoria da corrupção e da decadência, com a diferença que, com a Lava Jato, quase todos os políticos e empresários gananciosos passaram a desempenhar, ao mesmo tempo, os papéis de Volpone e de Mosca. Eles desfalcam o erário e roubam os dinheiros públicos, depois delatam-se uns aos outros, são premiados e o povo assiste a tudo passivamente.

E assim caminha o Brasil, sempre no futuro do subjuntivo: Quando acabar a corrupção, o país poderá desenvolver-se e os brasileiros sairão da miséria...

Nenhum comentário: