Este artigo é mais uma colaboração do Dr. Joaquim Francisco de Carvalho, ilustre professor e cientista especializado em energia nuclear.
O Brasil tem grandes
extensões de terras férteis e um clima muito favorável para a
agricultura. Suas reservas de minérios de valor estratégico são
das maiores do planeta e as fontes renováveis de energia colocam o
país em posição de vantagem, em relação a países de escala
comparável. A indústria brasileira é diversificada e integrada e o
país tem estabelecimentos industriais detentores do certificado de
qualidade ISO 9000 em maior número do que a Argentina, Uruguai e
Chile, somados.
Em 2.016, o produto
interno bruto, a preços de mercado, foi estimado pelo IBGE em cerca
6,266 trilhões de reais (1,8 trilhões de dólares), o que situava a
economia brasileira entre as 8 maiores do mundo.
No entanto, em seu
relatório sobre o desenvolvimento humano publicado em 2.016, o PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) colocou o
Brasil na 75ª posição, numa lista de 188 países classificados em
função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa lista, o
Brasil fica em posição inferior à de países como o Siri Lanka,
Cuba, Costa Rica e Malásia. Para chegar à classificação pelo IDH,
o PNUD atribui importância secundária a esse indicador puramente
quantitativo que é o PIB, para avaliar o bem-estar e o
desenvolvimento das populações em função do acesso à educação,
assistência médica, alimentação, saneamento, habitação, enfim,
a tudo o que se reflita na qualidade de vida dos indivíduos e da
coletividade. Um país realmente rico não é apenas aquele que gera
um grande PIB, mas aquele que investe racionalmente no campo social e
distribui equilibradamente entre a população, a riqueza criada.
Apesar da riqueza natural
disponível, a qualidade de vida da maioria da população brasileira
é degradante. Apenas os poucos que pertencem às classes de renda A
e B têm as mínimas possibilidades de assumir sua condição humana
e participar do mercado.
A origem desse paradoxo
está, certamente, na ignorância, na imprevidência e na insensatez
com que os governantes decidem sobre assuntos básicos, pensando só
em seus interesses provincianos (quando não pessoais) – sem
analisar os possíveis impactos intersetoriais de suas decisões, no
médio e no longo prazo. Em outras palavras, o Brasil é governado de
improviso e administrado por políticos ignaros e corruptos,
incapazes de definir estratégias inteligentes, para atingir
objetivos realistas, compatíveis com as potencialidades do país.
Um dos reflexos disto é
que, apesar de ter a oitava economia do mundo, o Brasil está na 29ª
posição, num ranking elaborado pela University of Southern
California, referente à influência dos países no cenário
internacional.
Outro reflexo é que,
desde meados dos anos 1.980, vem-se instalando no Brasil um regime
caracterizado por Estado fraco e corrupto, com forte presença do
crime organizado na vida econômica e em setores estratégicos da
administração pública, semelhante ao anarco-capitalismo que acabou
por se implantar nas antigas repúblicas soviéticas, depois da queda
das ditaduras comunistas (Gray, J., “False Dawn: The Delusion of
Global Capitalism” – New Press – N.Y. – 1.998).
* * *
Não sejamos ingênuos a
ponto de pensar que a corrupção brasileira só começou no governo
do presidente Kubistchek, com a construção de Brasília. Na
verdade, o mal tem origem na colônia. Mas a grande escalada veio com
o presidente Sarney e sua famiglia, principalmente no assalto
ao sistema elétrico. Seguiu-se o mordaz FHC, permitindo que se
cometesse o imperdoável erro estratégico de privatizar grandes
hidrelétricas – e, pior, já amortizadas e na bacia das almas.
Porém é inegável que
foi nos governos Lula, Dilma e Temer que se instalou o primado dos
ladrões, institucionalizou-se a corrupção e consolidou-se a
“cleptocracia”, ou corrupção como forma de governo.
Por força da sede de
dinheiro e da perversão das relações entre ministros,
congressistas, diretores de estatais e empresários sem escrúpulos,
empresas estratégicas e riquíssimas, como a Petrobrás e a
Eletrobrás, foram esburgadas pelos cleptocratas. Muitos ex-diretores
e ex-gerentes dessas estatais enriqueceram em seus cargos e estão
soltos por aí.
Há também os
ex-sindicalistas, que preferem ficar na politiquinha com p pequeno,
tentando vagas no Congresso ou em algum ministério “interessante”.
Foi um pulha desses, hoje
deputado pelo PT-SP, que teve a desfaçatez de apresentar na semana
passada um projeto de lei que aumenta de 15 dias para 8 meses o prazo
em que os candidatos às eleições de 2018 não podem ser presos.
Não foi à-toa que tal embuste recebeu o epíteto de “Emenda-Lula”.
O autor dessa tramoia tem o cognome de Cândido, mas de cândido (no
sentido de claro e limpo) ele não tem nada! Ao abrir o jornal, ver a
sua fotografia e ler que ele defende a liberação dos cassinos e é
“Cartola” da CBF do notório Marco Polo Del Nero, pensei que
tinha entrado na página policial.
Esses velhacos não sabem
o que vem a ser o múnus público ou a missão de um governo digno
desse nome. Eles ignoram que, por culpa deles, o Brasil vive uma
tragédia social, com episódios de guerrilha urbana cada vez mais
frequentes e violentos.
* * *
O presidente Temer, com o
seu gestual de mordomo de Tietê e sua astúcia para comprar
deputados, elevou a corrupção aos pícaros da indignidade. Sem
prever isto, no começo deste ano o ex-presidente FHC declarou que
ele ainda poderia atravessar o seu curto mandato sobre uma pinguela,
a pés enxutos. Aí vieram os irmãos Batista e dinamitaram a
pinguela, deixando a esse grotesco presidente – e a seus ministros
– apenas a opção de atravessar os próximos meses sobre as
alpondras, a pés molhados. Isto se tiverem a sorte de não afundar
antes...
* * *
Ao escrever estas linhas
veio-me à memória a comédia Volpone, de Ben Johnson, poeta e
dramaturgo inglês contemporâneo de Shakespeare. Para a Inglaterra
elisabetana, Veneza era uma espécie de cloaca da Europa, para onde
escoavam todos os maus costumes, a corrupção e os vícios. Volpone
era um patrício veneziano que, para explorar a ganância de seus
soit-disant amigos, se fez passar por moribundo prestes a
escrever testamento. Combinou então com o seu criado, Mosca, um
fannullone com jeito de Arlequim, que a notícia fosse
espalhada aos quatro ventos. Na esperança de figurar entre os
herdeiros, os mais ambiciosos afluíram com ricos presentes e até
com dinheiro. A manigância foi logo desmascarada; Mosca enganou a
todos, embolsou o dinheiro e deixou Volpone a ver navios. Lá pelos
anos 1.920 a comédia foi adaptada por Jules Romains e Stefan Zweig,
mantendo o espírito da época. Depois, Maurice Tourneur fez dela um
filme (com Louis Jouvet no papel de Mosca) que até o final dos anos
1.950 ainda podia ser visto num daqueles cineminhas charmosos que
havia no Quartier Latin.
* * *
Tal
como a Veneza de Volpone, o Brasil de hoje – em especial Brasília
– é uma alegoria da corrupção e da decadência, com a diferença
que, com a Lava Jato, quase todos os políticos e empresários
gananciosos passaram a desempenhar, ao mesmo tempo, os papéis de
Volpone e de Mosca. Eles desfalcam o erário e roubam os dinheiros
públicos, depois delatam-se uns aos outros, são premiados e o povo
assiste a tudo passivamente.
E assim caminha o Brasil,
sempre no futuro do subjuntivo: Quando acabar a corrupção, o
país poderá desenvolver-se e os brasileiros sairão da miséria...
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