A Cruz e o Corão |
Nos campos conceitual e legal, o debate sobre os limites da imprensa livre continua a toda força. A mais recente edição da revista francesa Charlie Hebdo, repetindo desenho tendo o profeta Maomé na capa, provavelmente não servirá para acalmar os ânimos. A maioria dos meios de comunicação, sobre tudo a imprensa, reproduziu a capa da revista; já o New York Times, inegavelmente o mais importante jornal norte americano, optou pela não publicação da charge, considerando-a provocação injustificada.
Ainda, buscando comportamentos paralelos no Ocidente, observamos que a defesa da livre imprensa, ou livre expressão, conceito que sustenta a publicação das caricaturas ofensivas aos Muçulmanos, não é aplicada de forma equitativa.
A publicação de matéria questionando, negando ou revendo a
existência ou o número de vítimas do Holocausto é proibida na maioria dos
países da União européia. Ainda, a
publicação e venda do livro “Mein Kampf” de autoria do demente ditador Adolf
Hitler é expressamente vedada em diversos países Europeus e no Brasil. Assim, observa-se, claramente, que a proteção
legal oferecida a determinado segmento étnico, ainda que defensável, não se estende a outro.
Constata-se, portanto, sutileza na inviolabilidade do “sagrado” direito de expressão e liberdade da imprensa, defendida com compreensível afinco, porém de forma imperfeita . Sim, o Ocidente, em circunstâncias que lhe interesse, parece disposto a abrir mão da universalidade deste princípio.
Já, no campo sócio-político, são muitas as considerações
válidas que recomendam, senão uma censura estatal, mas certamente uma auto
censura. Como exemplo a outros povos, a Constituição brasileira proíbe o insulto religioso, seja qual for a
religião. É uma lei sábia, pois visa, de forma prática, evitar a germinação do
ódio entre crenças, responsável pela mais cruel das guerras e conflitos. A hipotética publicação, numa capital do
Oriente Médio, de uma charge denegrindo Jesus de forma escatológica, recebendo
ela divulgação internacional, causaria profunda consternação nas populações
Cristãs do Ocidente. Dificilmente a resposta seria letal, como o foi em Paris,
mas a provocação não seria esquecida, na hora da retaliação.
A publicação da imagem de Maomé, fere, não somente os djihadistas,
mas toda a população Muçulmana dos países ligados ao Ocidente. Ofende aquelas nações,
dispersas pelo Oriente Médio e pela Ásia,
cuja colaboração na luta contra o terrorismo é crucial. Emblemática será
a situação da Arábia Saudita, contendo tanto a elite reinante como a população imersa
na interpretação Wahabita do Corão, vista como a mais radical e, talvez a mais
fanática das seitas Muçulmanas. Cabe ao soberano Saudita a preservação da pureza desta facção
Islâmica. Útil será lembrar que Nine Eleven foi obra de Sauditas, justificada
pela alegada dessacralização da terra Saudita pela presença de tropas
norte-americanas.
Ainda, sua riqueza petrolífera poderá favorecer ou anular
tentativas de interesse econômico do
Ocidente, mais especificamente, os da Europa. Também, tais ataques a Maomé,
implicitamente autorizados, senão endossados, pelos governos Ocidentais,
poderão ter conseqüências indesejáveis no Paquistão e Afeganistão, prejudicando o combate ao Taliban fanatizado. Muitos outros
cenários negativos tornam-se possíveis,
senão prováveis.
O momento é de reflexão, isenta das afirmações fáceis do
“políticamente correto”. Tanto o Ocidente Cristão quanto o Oriente Muçulmano
devem buscar o difícil ponto de mutuo respeito, que deságua no aprofundamento
da compreensão, assim buscando uma
parceria em benefício de seus povos. Assim, tão mais fácil será a contenção e eliminação do terrorismo.
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