segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O jogo de poker


 
Tenho amigo, o Ariovaldo, que todos os meses se reune com seus companheiros para um jogo de poker. O grupo é grande, são uns dez. Ari, assim o chamamos, é um cara estranho. Muito cordial e brincalhão, sofre mudança de personalidade, oscilando entre arroubos socialistas e pretensões capitalistas, deixa os que o conhecem por vezes atônitos. Ele mesmo não sabe muito bem o que quer, mas tem boa índole, e nunca fez mal a ninguem.

Na mesa do poker, já entra um pouco intimidado com seu dinheirinho, especialmente quando Joe Sam chega brincalhão, contando piada, dando gorgetas à empregada. O sorriso é constante, mas não esconde um brilho no olhar que parece dizer que está ali para ganhar.

À mesa, juntam-se otros. Pancho Azteca, com seu falar que acaba sempre em nota superior à do começo. Disfarça o medo de morar ao lado de Joe. Tem o sisudo Fritz, sempre correto, sem muita brincadeira, esperto pra caramba, com tendência a dar porrada quando a turma se distrair. Tem o eterno Jacques d'Arc, sempre falando, argumentando, intelectualizando até a encomenda do sanduiche. E não esquecer o barrigudo John Bullox; educadérrimo, incapaz de um deslize protocolar, mas não esconde a sutíl arrogância daqueles que tudo tiveram, mas não mais o tem. É primo obediente de Joe Sam. Ainda, tem um cara bastante complicado, chamado Vladimir Potorov. Não ha simpatia entre ele e Joe, mas se toleram , pois na hora do aperto os dois tem como aumentar o cacife, muito além dos demais. Os participantes remanescentes são variados, pois nem sempre tem o dinheiro para o cacife. O próprio Ari só entrou pra valer no jogo, faz pouco tempo.

Pois bem, na Sexta Feira, 13 de agosto de 2013, o jogo começou. As cartas foram distribuidas por Fritz, com aquela precisão que provoca tanto admiração quanto irritação. Mas tudo correu bem. Como de hábito, Joe sempre com sorte. As cartas o favorecem. Sabe bleffar como ninguem, e não cai no bluff do adversário. Parece saber as cartas do outro. Com ele, ninguém paga pra ver.

Passado algum tempo, chegou a hora do cafézinho. Todos convesam com todos, pois alguns nem jogam. Um pouco afastado, Ivan tem longa conversa com um amigo. Parece séria, nada de sorrisos. O amigo, um tal de Eduardo Neve, parece ser o falador, e Ivan, quieto, ouve.

Quando volta à mesa de jogo, Ivan começa a fazer pequenos comentários. Inicialmente parecem desconexos, mas, pouco a pouco, fica claro que se refere a Joe Sam. Este, esperto pra valer, finge não ser com ele, mas, já na quinta intervenção, começa a perder a calma.

_ No poker não é facil fazer tanto bluff bem sucedido. Tenho uma avó que tentou e acabou na ruina, disse Ivan com largo sorriso.

A turma, cansada de passar ficha para o Joe Sam, gostou. Mas não Joe, cujos traços tornam-se crispados, seus olhos semi cerrados, sua expressão gelada. As piadas tornam-se farpas, e se acentuam na medida que o amigo de Ivan, lhe passa bilhetinhos.

Aí deu-se a balbúrdia. O seu Neves, incontido, passou a mandar os bilhetes para todos na roda. Começaram os sussurros, passando para a meia voz, e, finalmente, os protestos afloraram em grande tumulto. O Joe Sam estava trapaceando. Tinha conhecimento das cartas adversarias, assim explicando o seu sucesso constante.

Foi um pandemonio. Gritos indignados, ameaças, recriminações, protestos. Todos falavam, ningém ouvia, exceto, é claro, o Joe Sam. Desmascarado, a todos surprendeu. Com palavras ponderadas, explicações respeitosas, e até demonstração de carinho para alguns parceiros :

_ Meus amigos, para que tanta inquietação. Jogamos ha décadas e estamos todos felizes. Lembrem-se que, por vezes salvei da iminente bancarrota este ou aquele bom parceiro, para que pudessemos continuar a jogar.

_ E Você a ganhar! - não se conteve Ivan

_É verdade, meu caro Ivan, mas quem o livrou do comunismo? Sejamos sensatos. Afinal, quando do aperto, quem está aqui para salvá-los?

_ Então basta. Voce ja é, de longe, o mais rico de todos nós. Nâo é maneira de tratar seus amigos. Dê-nos a chance de jogo leal. - retrucou o ingênuo Ariovaldo.

_ Sejamos cordatos e realistas. Vou continuar a jogar à minha maneira. Se quizerem sair do jogo, não tem problema... mas pensem bem... Que me dizem?

Pouco a pouco, alguns com um sorriso cínico escondendo o enfado, outros com olhar envergonhado, e outros, muito poucos, pensando em retribuição, voltaram à mesa. E o jogo recomeçou.

Um comentário:

Eduardo disse...

Excelente Pedro, vou mandar para Dilma!!!!