Tenho
amigo, o Ariovaldo, que todos os meses se reune com seus
companheiros para um jogo de poker. O grupo é grande, são
uns dez. Ari, assim o chamamos, é um cara estranho. Muito cordial e
brincalhão, sofre mudança de personalidade, oscilando entre
arroubos socialistas e pretensões capitalistas, deixa os que o
conhecem por vezes atônitos. Ele mesmo não sabe muito bem o que
quer, mas tem boa índole, e nunca fez mal a ninguem.
Na
mesa do poker, já entra um pouco intimidado com seu dinheirinho,
especialmente quando Joe Sam chega brincalhão, contando piada, dando
gorgetas à empregada. O sorriso é constante, mas não esconde um
brilho no olhar que parece dizer que está ali para ganhar.
À
mesa, juntam-se otros. Pancho Azteca, com seu falar que acaba sempre
em nota superior à do começo. Disfarça o medo de morar ao lado de Joe. Tem o sisudo Fritz, sempre
correto, sem muita brincadeira, esperto pra caramba, com tendência a
dar porrada quando a turma se distrair. Tem o eterno Jacques d'Arc,
sempre falando, argumentando, intelectualizando até a encomenda do
sanduiche. E não esquecer o barrigudo John Bullox; educadérrimo,
incapaz de um deslize protocolar, mas não esconde a sutíl
arrogância daqueles que tudo tiveram, mas não mais o tem. É primo obediente de Joe Sam. Ainda, tem um cara bastante complicado, chamado Vladimir Potorov. Não ha simpatia entre ele e Joe, mas se toleram , pois na
hora do aperto os dois tem como aumentar o cacife, muito além dos
demais. Os participantes remanescentes são variados, pois nem sempre
tem o dinheiro para o cacife. O próprio Ari só entrou pra valer no
jogo, faz pouco tempo.
Pois
bem, na Sexta Feira, 13 de agosto de 2013, o jogo começou. As cartas
foram distribuidas por Fritz, com aquela precisão que provoca tanto
admiração quanto irritação. Mas tudo correu bem. Como de
hábito, Joe sempre com sorte. As cartas o favorecem. Sabe bleffar
como ninguem, e não cai no bluff do adversário. Parece saber as
cartas do outro. Com ele, ninguém paga pra ver.
Passado
algum tempo, chegou a hora do cafézinho. Todos convesam com todos,
pois alguns nem jogam. Um pouco afastado, Ivan tem longa conversa
com um amigo. Parece séria, nada de sorrisos. O amigo, um tal de
Eduardo Neve, parece ser o falador, e Ivan, quieto, ouve.
Quando
volta à mesa de jogo, Ivan começa a fazer pequenos comentários.
Inicialmente parecem desconexos, mas, pouco a pouco, fica claro que
se refere a Joe Sam. Este, esperto pra valer, finge não ser com
ele, mas, já na quinta intervenção, começa a perder a calma.
_
No poker não é facil fazer tanto bluff bem sucedido. Tenho uma
avó que tentou e acabou na ruina, disse Ivan com largo sorriso.
A
turma, cansada de passar ficha para o Joe Sam, gostou. Mas não Joe,
cujos traços tornam-se crispados, seus olhos semi cerrados, sua
expressão gelada. As piadas tornam-se farpas, e se acentuam na
medida que o amigo de Ivan, lhe passa bilhetinhos.
Aí
deu-se a balbúrdia. O seu Neves, incontido, passou a mandar os
bilhetes para todos na roda. Começaram os sussurros, passando para a
meia voz, e, finalmente, os protestos afloraram em grande tumulto. O
Joe Sam estava trapaceando. Tinha conhecimento das cartas
adversarias, assim explicando o seu sucesso constante.
Foi
um pandemonio. Gritos indignados, ameaças, recriminações,
protestos. Todos falavam, ningém ouvia, exceto, é claro, o Joe Sam.
Desmascarado, a todos surprendeu. Com palavras ponderadas,
explicações respeitosas, e até demonstração de carinho para
alguns parceiros :
_
Meus amigos, para que tanta inquietação. Jogamos ha décadas e
estamos todos felizes. Lembrem-se que, por vezes salvei da iminente
bancarrota este ou aquele bom parceiro, para que pudessemos continuar
a jogar.
_
E Você a ganhar! - não se conteve Ivan
_É
verdade, meu caro Ivan, mas quem o livrou do comunismo?
Sejamos sensatos. Afinal, quando do aperto, quem está aqui para
salvá-los?
_
Então basta. Voce ja é, de longe, o mais rico de todos nós.
Nâo é maneira de tratar seus amigos. Dê-nos a chance de jogo
leal. - retrucou o ingênuo Ariovaldo.
_
Sejamos cordatos e realistas. Vou continuar a jogar à minha maneira.
Se quizerem sair do jogo, não tem problema... mas pensem bem... Que
me dizem?
Pouco
a pouco, alguns com um sorriso cínico escondendo o enfado, outros
com olhar envergonhado, e outros, muito poucos, pensando em
retribuição, voltaram à mesa. E o jogo recomeçou.
Um comentário:
Excelente Pedro, vou mandar para Dilma!!!!
Postar um comentário