sábado, 26 de agosto de 2017

O que significa privatizar a Eletrobrás

Esta coluna publica colaboração do Prof. Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em energia nuclear e doutor em energia, onde oferece sua visão sobre a controvertida questão que trata da privatização de empresas Estatais de Serviço Público


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A construção do Canal do Panamá começou em 1.881 e foi interrompida em 1.883, com a falência da empresa criada pelo diplomata francês Ferdinand de Lesseps, para promover e custear o empreendimento, tal como fizera com o Canal de Suez. O pobre Lesseps foi processado pelos acionistas lesados e desmoralizado pela imprensa. E a obra ficou célebre na história dos grandes escândalos políticos e financeiros, a ponto de transformar a palavra “panamá” (entre aspas e com inicial minúscula) em sinônimo de negociata.
Vejam como evoluem os costumes e padrões éticos, de país para país, de época para época. No Brasil, a partir do chamado Programa Nacional de Desestatizações (rebatizado de Programa de Parcerias de Investimentos), temos tido um rosário de “panamás”, cujos mentores, em vez de serem processados e desmoralizados, como foi o Visconde de Lesseps, ocupam cargos importantes no governo e são homenageados nas colunas econômicas e noticiários de televisão.
Uma das primeiras “contas” de nosso rosário de “panamás” foi colocada em 1.996, com a desestatização da Light, que havia sido estatizada em 1.979. Estávamos no governo FHC, com o Sr. José Serra no ministério do planejamento e seu amigo Mendonça de Barros na presidência do BNDES.
A desestatização da Light favoreceu a estatal francesa Électricité de France (EDF), associada à norte-americana AES e à Companhia Siderúrgica Nacional, então recém-comprada pelo grupo do Sr. Benjamin Steinbruch.
Curiosamente, os 2,2 bilhões de reais da época que o governo diz ter recebido, vieram em boa parte do próprio governo (BNDES, Eletrobrás e PREVI). Na época, a PGR não era como hoje, de modo que o Ministério Público não investigou esse “panamá”.
Quando a empresa era estatal, os serviços eram melhores porque investia-se em manutenção cerca de 700 milhões de reais da época, por ano. Para que o leitor se situe diante desses números, convém assinalar que a Light vendia 31 milhões de megawattshora por ano, cobrando dos consumidores residenciais, comerciais e industriais uma tarifa média de 190 reais por megawatthora; portanto o faturamento anual estava em torno de R$ 5,9 bilhões da época. A eletricidade vendida era em grande parte comprada de Furnas a aproximadamente 44 reais por megawatthora, portanto o lucro operacional da Light ia a mais de R$ 4,5 bilhões da época, por ano.
Ao ser privatizada, a empresa funcionava muito bem. Suas dívidas tinham sido “engolidas” pelo Estado e o consórcio comprador contou com importantes subsídios do BNDES. E, com a demissão de experientes equipes de manutenção e a terceirização de vários serviços técnicos, as despesas operacionais – e a qualidade – também caíram muito, podendo então o lucro líquido chegar a 7 bilhões de reais por ano, em valores atualizados, já descontados os impostos. Uma fatia desse lucro ia para a França, para custear as aposentadorias de nossos “pobres” colegas da EDF. Por diferentes motivos, a EDF, a AES e a CSN acabaram saindo do empreendimento e, hoje, a Light é controlada pela CEMIG.
O “panamá” das privatizações ficava ainda mais extravagante à luz das promessas feitas por FHC e seu ministro da fazenda de que as tarifas ficariam mais baratas e que, com a receita obtida, a dívida pública seria reduzida. E, livrando-se da responsabilidade de administrar empresas estatais, o governo poderia concentrar esforços em programas sociais, como os de saneamento, habitação, saúde, segurança pública, etc.
O resultado foi o oposto do prometido: as tarifas, que eram das mais baratas do mundo, ficaram entre as cinco mais caras; a dívida pública multiplicou-se muitas vezes, os programas sociais estão emperrados, a insegurança é total e a violência é rotineira. Além disso, sob o peso das remessas de lucros por parte da EDF e da AES, o endividamento externo passou a crescer em ritmo acelerado.
Apesar desse descalabro, a cobiça pelo que sobrou do sistema elétrico público (Eletrobrás, CEMIG, COPEL e o que resta da CESP) leva os promotores de negócios, com o beneplácito do presidente Temer e seu ministro de energia, a desfechar autênticas operações de lavagem cerebral, para camuflar os prejuízos causados pelas privatizações já feitas e “vender a ideia” de que a vida ficará melhor se tudo no Brasil for – reparem a leviandade – desregulamentado e entregue à exploração privada.
Daí a avalanche de promessas otimistas, feitas por autoridades e investidores jejunos em matéria de planejamento energético, porém direta ou indiretamente interessados na privatização das empresas de eletricidade. É fácil prever que, se suas propostas forem aceitas, as tarifas ficarão mais caras – e os “apagões” mais frequentes.
Por fim, convém lembrar que a eletricidade é indispensável para a produção industrial e o comércio; para as comunicações; a pesquisa científica; os hospitais e laboratórios; o lazer; o abastecimento e a conservação dos alimentos, enfim, para tudo. Os preços da eletricidade impactam todos os custos da economia, acabando por influir sobre a qualidade de vida das pessoas. Por conseguinte, tarifas elétricas não devem ser formadas ao talante de controladores de empresas de eletricidade, porque estes procuram máximos lucros em curto prazo, sem pensar na qualidade de vida, nem capacidade financeira dos consumidores.

Quem citar os Estados Unidos como exemplo de país onde tudo é explorado pela iniciativa privada, deveria saber que lá o sistema é basicamente termelétrico, mas as grandes hidrelétricas pertencem e são exploradas por entidades públicas de âmbito regional, como a Tennessee Valley Authority, a NorthWestern Energy Company e a Bonneville Power Administration, ou até por inúmeras entidades de âmbito municipal (Counties). A razão disto é a de que a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, igualmente importantes, como a irrigação de terras agrícolas, a regularização das vazões dos rios, o controle de enchentes, o abastecimento de água para as cidades e a navegação interior, etc.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Charlottesville


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Após uma tumultuada semana, onde dois grupos ou facções se enfrentaram em Charlottesville cabem algumas observações sobre o impacto resultante na opinião pública norte americana. Recente pesquisa realizada pelo Washington Post coloca o assunto em perspectiva surpreendente; o repúdio à posição do presidente Trump não é tão extenso como fazia supor os clamores da grande imprensa norte-americana. Conquanto a maioria repudiou tanto o presidente como o comportamento dos brancos supremacistas, pode-se concluir que o lado oposto, os que defendem a permanência dos símbolos Confederados, é surpreendentemente elevado.

Trinta por cento dos adultos americanos apoiaram o protesto contra a derrubada das estatuas confederadas, 62% dos republicanos também. Enquanto 42% dos consultados consideram as declarações de Trump como racistas, 35% discordam e, talvez mais importante, 23% não manifestaram opinião, ou seja, não se sentiram ultrajados pelo presidente.

Ora, a se considerar a maciça oposição da mídia, liderada pelo jornal NewYork Times e pela rede de televisão CNN, o apoio ao presidente é surpreendente. Além da lealdade partidária talvez encontre-se relevante solidariedade de segmento contra a agressão à imagem da Confederação que uniu os estados sulistas. Esta, apesar de derrotada, encontra nos livros e filmes um tratamento invariavelmente respeitoso e, até mesmo, laudatório. Generais sulistas como Robert E Lee e Stonewall Jackson são vistos, por grande parte da população, como heróis, derrotados mas heróis.

Já, as forças liberalizantes e racialmente tolerantes enveredaram, neste episódio, por uma trilha que não lhes é favorável. Atribuir ao “soldado confederado” o ânimus escravagista é diminui-lo perante a história. A Guerra Civil norte americana teve por razão direta, não a escravidão, mas sim o States Rights, ou seja o principio da preponderância da autonomia política dos estados sobre o governo central, depois denominado de União. De seu lado, o objetivo da guerra não parece ter sido a abolição da escravidão mas sim a entronização do Governo Central, ou a União. Não só cinco estados escravagistas integravam as forças do Norte, como a abolição da escravidão pelo governo da União deu-se somente em 1865, ao fim da guerra, o inimigo já vencido.

De volta ao Século XXI, não parece haver dúvida que aos movimentos liberais cabe o lado da razão. A derrubada das barreiras racistas é essencial ao progresso civilizatório. Mas cuidado se impõe, tanto na ação como na justificativa que dão aos protestos e passeatas, a legitimidade lhes é essencial. Em Charlottesville, viu-se violência; de um lado nazistas e o famigerado KKK, do outro, os black-blocks. A prosperar este clima de confronto físico corre grande risco a pacificação racial nos Estados Unidos.


domingo, 13 de agosto de 2017

Venezuela e o furacão

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O governo Bolivariano reflete o resultado de uma formulação política em desastrada busca por justiça social desprezando, no entanto, a disciplina que a economia impõe para atingir-se uma equilibrada riqueza nacional. Ainda, ultrapassando o período Chavista, Maduro elimina, através do autoritarismo, o “feed back” dos diversos segmentos sociais e econômicos, necessários ao ajuste e à correção de rumo político e econômico, exercício essencial ao sucesso do projeto.

Por resultado tem-se um país em estado pré-falimentar apesar de sua imensa riqueza decorrente do petróleo, onde os investimentos cessaram, onde a inflação atinge mais de 700% a.a., onde seu PIB, mensurado pelo poder de compra, despencou mais de 20% entre 2014 e 2016.

Hoje, a Venezuela é uma país empobrecido socialmente, desorganizado economicamente, desabastecido comercialmente, amordaçado politicamente.

Uma observação mais abrangente sobre a questão venezuelana revela uma progressão que se encontra em muitos países latino americanos. Nestes, a percepção do desequilíbrio econômico e social entre as classes que compõem a sociedade, contida enquanto regimes fechados, vêm à tona ao instalar-se a democracia. A prevalecer tais desproporções, as forças políticas se congregam em torno da maioria eleitoral que abrange, sobretudo, o lúmpen, de modesto nível cultural. Torna-se assim, presa fácil do discurso das soluções milagrosas, das medidas salvadoras. Daí para a entronização do populismo, é um pequeno passo.

Seguindo este modelo, o movimento Chavista herdou do presidente Caldera um país rico, porém para poucos. Seu nível de pobreza atingia, no último ano de seu governo, 50% da população, o Índice de Desenvolvimento Humano oscilava em 67, o Índice de Gini em 49.

Com Chaves, estes índices evoluiram para 36%, 76, e 39* . Porém, ao corrigir estas relevantes distorções e colher a irrestrita admiração do povo, caiu na armadilha da omnisciência e do desprezo às realidades que regem o comportamento da economia. Seu sucessor, Nicolás Maduro, tão mais despreparado quanto mais profundo o desregramento público, enveredou para a ditadura explícita buscando na morte de opositores o silêncio, ceifando a vida de cidadãos indignados.

Após longo período, hoje surgem reações de um povo não mais admirado, mas, sim, revoltado. Tal reação não mais se atêm à ações políticas mas, também armadas. Talvez seja um começo que venha provocar a centelha que leve à derrubada da ditadura, o redirecionamento da Venezuela.

Pois no momento em que as primeiras luzes prenunciam a reversão de quadro tão nefasto, tem-se a manifestação de outro “player”, conhecido pela suas impensadas intervenções. Ao ameaçar militarmente a Venezuela, Donald Trump torna mais difícil a arregimentação do movimento oposicionista. A ojeriza que pauta o mundo Latino Americano às intervenções de Washington ao longo se sua história, exerce poder aglutinador contrário às ameaças “yanquis” e, por analogia inversa, acentua o apoio às suas pretensas vítimas. Assim, corre-se o risco de Maduro receber de Washington inesperada blindagem.

Para atenuar os estragos causados pela Casa Branca, e seguindo caminho inverso, agiu bem o Itamaraty ao levar o Mercosul a formalmente recomendar a repulsa à solução armada externa, privilegiando o diálogo e a diplomacia como instrumento para a solução. Em outras palavras, cabe aos venezuelanos, politicamente se possível, armados se necessário, reconduzir seu país à trilha da democracia. Ao Brasil a atual situação venezuelana representa um risco à sua segurança, cabendo-lhe auxiliar as iniciativas, ostensivas ou não, que restaurem a democracia naquele país.


* Quanto menor o Índice Gini, melhor a distribuição de renda do país


quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A recuperação do Nível de Emprego

Esta coluna tem o especial prazer de receber, novamente,  colaboração do ilustre economista Dr. Julian Magalhães Chacel.


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A despeito da turbulência que envolve o mundo político, alega-se que as instituições exercem suas funções. Realmente funcionam, mas funcionam mal. Fica mais do que evidente que há um desequilíbrio entre os Poderes. Nada a ver com o “Espírito das Leis” do Barão de Montesquieu.

Tal desequilíbrio, ao quebrar a harmonia das relações entre Poderes gera um clima de incerteza que reflete sobre o processo das decisões de investimento. De tal sorte que nem mesmo a queda da taxa da inflação, a permitir a queda consequente da taxa de juros real ou o anuncio de recuperação do PIB provavelmente alimentada pela safra gigante de grãos altera o ânimo do potencial investidor. Cabe lembrar que este pode calcular o risco implícito em sua decisão de investir, mas este cálculo fica prejudicado pela incerteza que é um conceito fluido que os modelos matemáticos são incapazes de captar.

O certo é que a recuperação do nível de emprego absorvendo os 12 milhões hoje desempregados dependerá de uma onda de investimentos que terá um efeito multiplicador sobre o emprego. A noção de multiplicador entra na Teoria Econômica num ensaio de R.F. Kahn versando sobre a relação entre o investimento interno e o nível de emprego no território nacional.Retomado por Keynes, esse multiplicador sintetiza a relação entre o aumento do emprego primário mobilizado para a atividade de investimento e o resultante aumento total do emprego..

Em linguagem mais simples, a realização de um investimento, seja uma nova fábrica ou uma obra pública significa que, durante certo tempo entre o início e a conclusão da obra, salários serão pagos a operários e engenheiros e encomendas, sobretudo em matérias primas e bens de capital serão feitas a terceiras empresas. Que por seu turno ao ter um crescimento das suas atividades passa a empregar mais gente. Esse é o efeito multiplicador.

Tomando como premissa que a normalidade das relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário volte a existir, a condição inicial para reativar os investimentos deveria partir de uma visão crítica dos malfadados Programas de Aceleração do Crescimento. Quais os investimentos a retomar e ultimar e quais, na relação custo benefício, seria melhor descontinuar na perspectiva do curto prazo.

A anunciada decisão da Petrobras de retomar a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, a COMPERJ, que num dado momento chegou a gerar 30 mil empregos, aponta na boa direção. Ainda que para tal se associe com a Chinese Petroleum Company. Com a vantagem de dar um sopro de vida, via Itaborai, na combalida economia do Estado do Rio de Janeiro.

Mas a grande fonte de criação de emprego, capaz de melhorar a produtividade total dos fatores trabalho e capital, reside na escolha seletiva das grandes obras de infraestrutura que fazem falta ao país, desde que bem administradas e livres nas licitações do flagelo da corrupção.

Mas nos tempos atuais há uma condição necessária para que isso possa acontecer. Abandonar, no marco da política, o jogo rasteiro que hoje os brasileiros assistem perplexos, jogo esse mais próprio de um país do Terceiro Mundo.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Política e retomada




Resultado de imagem para fotos infraestrutura chinaAs eleições presidenciais se aproximam e o horizonte político permanece nublado, incerto. O atual presidente desgasta-se, tentando manter-se acima do nível do castigo, e para tal exaurindo o pouco capital político que lhe resta. Perde, assim, as força necessárias ao cumprimento das reformas essenciais à saúde da economia nacional.

Ainda, a penúria do erário é tal que nem a manutenção do patrimônio, nem novos investimentos se encaixam no atual orçamento falimentar. Ao inédito desemprego soma-se o mais cruel de todas as inadimplências, o calote salarial e previdenciário. As estratosféricas taxas de juros praticadas pelo sistema bancário retira ao cidadão comum a possibilidade de atenuar, ainda que temporariamente, a agrura dos tempos difíceis. Vê-se, assim, grandes segmentos da classe trabalhadora na escuridão trazida pela falta de meios para sua subsistência. Desta condição resulta a revolta eleitoral contra os poderes vigentes e a busca por salvação na figura do candidato que mais prometer.

Tal descalabro promete ser fatal para as pretensões dos quadros políticos, seja do centro, seja da direita, quando das próximas eleições. A prevalecer a atual tendência descendente, e nada faz prever o contrário, a oposição, qualquer oposição, terá, perante o eleitorado, condições de rejeitar os candidatos ungidos pelo atual poder politico.

São muitas as providências a serem tomadas para assegurar a vitória eleitoral em 2018; dentre elas tem-se a retomada do emprego para que possa reverter a atual anemia que oprime a dita “base aliada”, dando-lhe alguma condição de evitar o avanço das alianças à esquerda.

Nesta linha destaca-se a conveniência de priorizar-se um esforço concentrado em investimento, recuperação e manutenção da infraestrutura de transportes do país, completando e criando novas ferrovias, asfaltando rodovias, modernizando e provendo o acesso aos portos, criando armazenagem e tudo o mais necessário para o eficiente transporte de bens. Tal programa poderá gerar grande massa de novos empregos diretos, mas, também, àqueles indiretos que decorrem do fornecimento de bens e serviços de apoio. Por resultado ter-se-ia melhor integração dos polos econômicos nacionais, a queda de custos no mercado interno, como, também, maior competitividade de nossas exportações e geração de divisas. Redução do Custo Brasil.

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Neste sentido, importa lembrar o efeito multiplicador que tais investimentos tiveram no excepcional crescimento da economia chinesa. De forma semelhante, tanto a topografia quanto a demografia brasileira clama pela aceleração de uma integração economicamente eficaz, exigindo a solução ferroviária para as grandes distâncias complementada pela capilaridade de uma moderna e confiável rede rodoviária.

Para a execução de tal projeto, 120 bilhões de reais poderiam estar disponíveis através da “mobilização” de US$ 40 bilhões das reservas cambiais nacionais. O acesso a tal montante de reservas poderia se por

  • venda de títulos no mercado internacional, ou, melhor
  • levantamento de empréstimo internacional tendo por lastro títulos do tesouro norte americano em “escrow”.
  • Grosso modo, tais recursos poderiam viabilizar a construção de vinte mil quilômetros de ferrovias (60 bilhões de reais) e, ainda, construir/pavimentar trinta mil quilômetros e rodovias (60 bilhões de reais).

Importante notar que tal redução de reserva não fragilizaria a posição do Brasil perante credores externos uma vez que atenderia aos parâmetros essenciais à segurança creditícias exigidas pelas agências financeiras internacionais:

  • as reservas nacionais, líquidas da redução proposta, responderiam por 9,1 vezes o valor de três meses de importação, US$ 36 bilhões, “benchmark” para a proteção às importações.
  • e de 6,6 vezes o “benchmark” de lastro para a divida externa brasileira de curto prazo, que oscila em torno de US$ 50 bilhões.

No entanto, toda cautela deve acompanhar o uso de reservas internacionais dada à confiabilidade do crédito externo brasileiro que nela se lastreia. O acesso à estas reservas tanto pode abrir ao Brasil novas portas para seu desenvolvimento quanto, nas mãos e intenções erradas, redundar no seu esbanjamento com irreparável dano ao país.

Ainda, a execução de tal plano deveria submeter-se a procedimentos e fiscalização internacionais, adotando para tal plena transparência operacional e financeira. Ignorar os perigos éticos que rondam todo grande projeto seria, como diria Telleyrand, pire q'un crime, ce serait une faute.

O que vai acima tem por intenção estimular um debate sobre tema cuja complexidade vai muito alem da “expertise” desta coluna. Mas parece claro que recursos existem para devolver ao Brasil à trilha do desenvolvimento, a retomada do emprego, a reconquista de sua auto confiança.






domingo, 30 de julho de 2017

O país do futuro...do subjuntivo

Este artigo é mais uma colaboração do Dr. Joaquim Francisco de Carvalho, ilustre professor e cientista especializado em energia nuclear.


O Brasil tem grandes extensões de terras férteis e um clima muito favorável para a agricultura. Suas reservas de minérios de valor estratégico são das maiores do planeta e as fontes renováveis de energia colocam o país em posição de vantagem, em relação a países de escala comparável. A indústria brasileira é diversificada e integrada e o país tem estabelecimentos industriais detentores do certificado de qualidade ISO 9000 em maior número do que a Argentina, Uruguai e Chile, somados.

Em 2.016, o produto interno bruto, a preços de mercado, foi estimado pelo IBGE em cerca 6,266 trilhões de reais (1,8 trilhões de dólares), o que situava a economia brasileira entre as 8 maiores do mundo.

No entanto, em seu relatório sobre o desenvolvimento humano publicado em 2.016, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) colocou o Brasil na 75ª posição, numa lista de 188 países classificados em função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa lista, o Brasil fica em posição inferior à de países como o Siri Lanka, Cuba, Costa Rica e Malásia. Para chegar à classificação pelo IDH, o PNUD atribui importância secundária a esse indicador puramente quantitativo que é o PIB, para avaliar o bem-estar e o desenvolvimento das populações em função do acesso à educação, assistência médica, alimentação, saneamento, habitação, enfim, a tudo o que se reflita na qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade. Um país realmente rico não é apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que investe racionalmente no campo social e distribui equilibradamente entre a população, a riqueza criada.

Apesar da riqueza natural disponível, a qualidade de vida da maioria da população brasileira é degradante. Apenas os poucos que pertencem às classes de renda A e B têm as mínimas possibilidades de assumir sua condição humana e participar do mercado.

A origem desse paradoxo está, certamente, na ignorância, na imprevidência e na insensatez com que os governantes decidem sobre assuntos básicos, pensando só em seus interesses provincianos (quando não pessoais) – sem analisar os possíveis impactos intersetoriais de suas decisões, no médio e no longo prazo. Em outras palavras, o Brasil é governado de improviso e administrado por políticos ignaros e corruptos, incapazes de definir estratégias inteligentes, para atingir objetivos realistas, compatíveis com as potencialidades do país.

Um dos reflexos disto é que, apesar de ter a oitava economia do mundo, o Brasil está na 29ª posição, num ranking elaborado pela University of Southern California, referente à influência dos países no cenário internacional.

Outro reflexo é que, desde meados dos anos 1.980, vem-se instalando no Brasil um regime caracterizado por Estado fraco e corrupto, com forte presença do crime organizado na vida econômica e em setores estratégicos da administração pública, semelhante ao anarco-capitalismo que acabou por se implantar nas antigas repúblicas soviéticas, depois da queda das ditaduras comunistas (Gray, J., “False Dawn: The Delusion of Global Capitalism” – New Press – N.Y. – 1.998).

* * *
Não sejamos ingênuos a ponto de pensar que a corrupção brasileira só começou no governo do presidente Kubistchek, com a construção de Brasília. Na verdade, o mal tem origem na colônia. Mas a grande escalada veio com o presidente Sarney e sua famiglia, principalmente no assalto ao sistema elétrico. Seguiu-se o mordaz FHC, permitindo que se cometesse o imperdoável erro estratégico de privatizar grandes hidrelétricas – e, pior, já amortizadas e na bacia das almas.

Porém é inegável que foi nos governos Lula, Dilma e Temer que se instalou o primado dos ladrões, institucionalizou-se a corrupção e consolidou-se a “cleptocracia”, ou corrupção como forma de governo.

Por força da sede de dinheiro e da perversão das relações entre ministros, congressistas, diretores de estatais e empresários sem escrúpulos, empresas estratégicas e riquíssimas, como a Petrobrás e a Eletrobrás, foram esburgadas pelos cleptocratas. Muitos ex-diretores e ex-gerentes dessas estatais enriqueceram em seus cargos e estão soltos por aí.
Há também os ex-sindicalistas, que preferem ficar na politiquinha com p pequeno, tentando vagas no Congresso ou em algum ministério “interessante”.

Foi um pulha desses, hoje deputado pelo PT-SP, que teve a desfaçatez de apresentar na semana passada um projeto de lei que aumenta de 15 dias para 8 meses o prazo em que os candidatos às eleições de 2018 não podem ser presos. Não foi à-toa que tal embuste recebeu o epíteto de “Emenda-Lula”. O autor dessa tramoia tem o cognome de Cândido, mas de cândido (no sentido de claro e limpo) ele não tem nada! Ao abrir o jornal, ver a sua fotografia e ler que ele defende a liberação dos cassinos e é “Cartola” da CBF do notório Marco Polo Del Nero, pensei que tinha entrado na página policial.
Esses velhacos não sabem o que vem a ser o múnus público ou a missão de um governo digno desse nome. Eles ignoram que, por culpa deles, o Brasil vive uma tragédia social, com episódios de guerrilha urbana cada vez mais frequentes e violentos.

* * *

O presidente Temer, com o seu gestual de mordomo de Tietê e sua astúcia para comprar deputados, elevou a corrupção aos pícaros da indignidade. Sem prever isto, no começo deste ano o ex-presidente FHC declarou que ele ainda poderia atravessar o seu curto mandato sobre uma pinguela, a pés enxutos. Aí vieram os irmãos Batista e dinamitaram a pinguela, deixando a esse grotesco presidente – e a seus ministros – apenas a opção de atravessar os próximos meses sobre as alpondras, a pés molhados. Isto se tiverem a sorte de não afundar antes...

* * *

Ao escrever estas linhas veio-me à memória a comédia Volpone, de Ben Johnson, poeta e dramaturgo inglês contemporâneo de Shakespeare. Para a Inglaterra elisabetana, Veneza era uma espécie de cloaca da Europa, para onde escoavam todos os maus costumes, a corrupção e os vícios. Volpone era um patrício veneziano que, para explorar a ganância de seus soit-disant amigos, se fez passar por moribundo prestes a escrever testamento. Combinou então com o seu criado, Mosca, um fannullone com jeito de Arlequim, que a notícia fosse espalhada aos quatro ventos. Na esperança de figurar entre os herdeiros, os mais ambiciosos afluíram com ricos presentes e até com dinheiro. A manigância foi logo desmascarada; Mosca enganou a todos, embolsou o dinheiro e deixou Volpone a ver navios. Lá pelos anos 1.920 a comédia foi adaptada por Jules Romains e Stefan Zweig, mantendo o espírito da época. Depois, Maurice Tourneur fez dela um filme (com Louis Jouvet no papel de Mosca) que até o final dos anos 1.950 ainda podia ser visto num daqueles cineminhas charmosos que havia no Quartier Latin.

* * *

Tal como a Veneza de Volpone, o Brasil de hoje – em especial Brasília – é uma alegoria da corrupção e da decadência, com a diferença que, com a Lava Jato, quase todos os políticos e empresários gananciosos passaram a desempenhar, ao mesmo tempo, os papéis de Volpone e de Mosca. Eles desfalcam o erário e roubam os dinheiros públicos, depois delatam-se uns aos outros, são premiados e o povo assiste a tudo passivamente.

E assim caminha o Brasil, sempre no futuro do subjuntivo: Quando acabar a corrupção, o país poderá desenvolver-se e os brasileiros sairão da miséria...

quinta-feira, 27 de julho de 2017

A Pátria envenenada

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Este início de semestre revela quão aguda é a crise que assola a Pátria (1). É uma crise multi-facetada, composta, tanto na sua extensão quanto na sua profundidade, por fatos e atos que, quando unidos, evidenciam o perigo que ora corre a República.

Na verdade, e aí não vai exagero, a imoralidade se apossou de duas das treis instituições que comandam a nação: o Executivo e o Legislativo. A fragilidade moral destas duas instituições decorre, substancialmente, do processo político implantado no país.

Mais de trinta partidos se digladiam por ocasião das eleições, cada qual apresentando candidatos absolutamente desconhecidos da esmagadora maioria do eleitorado. Tais partidos, grandes ou pequenos, subordinam qualquer arremedo de plataforma ao imperativo de manter-se no poder, custe o que custar. Às favas, as juras e promessas. Ainda, ao sabor dos ventos do interesse próprio, os eleitos saltitam de partido em partido, desprovidos de qualquer lealdade para com seu eleitor.

Capturado o assento legislativo, vale-se deste poder para preencher e adicionar desavergonhadamente, cargos e empregos sob seu domínio, estendendo infindável rede de apadrinhamento. Aquilo que deveria ser uma assessoria competente, capaz de desvendar melhores caminhos para a administração pública, transforma-se em moeda de troca para galgar mais um degrau, mais uma ascensão.

Acresce que, impulsionados por gastos bilionários e financiamentos impagáveis, os candidatos vendem seus votos em prol deste ou daquele interesse como compensação das cornucópias sobre eles derramadas por empresários corruptos.

Todo este processo se cumpre sem que seja o eleito responsável perante seu eleitor ao longo de seu mandato. O distanciamento que ora existe entre ambos faz com que somente a propaganda milionária crie o amalgama que os aproxima. O sistema eleitoral proporcional e por listagem facilita esta clivagem ao restringir à panfletagem e à ubiquidade televisiva o retrato, não raro mitômano, do aspirante ao Congresso. Resulta a fraude representativa, a conspurcação democrática.

Urge uma profunda revisão do processo eleitoral brasileiro. Não faltam exemplos dentre os países civicamente  desenvolvidos do planeta, para que se possa aperfeiçoar a estrutura politica nacional.

Serão muitas as medidas recomendáveis ao seu aperfeiçoamento; dentre elas seguem algumas:
  • O voto distrital ou misto aproxima o político de seu eleitor.
  • O “recall” do político permite ao eleitor uma avaliação próxima pela potencial destituição.
  • Mandatos mais curtos, tanto na Câmara como no Senado, acentuam a fiscalização do eleito.
  • Um único mandato presidencial reduz os malefícios causados pela tentativa de re-eleição.
  • Financiamento eleitoral restrito à pessoas físicas, em valor reduzido (“crowd funding”), reduziria o “toma lá dá cá” que decorre da contribuição empresarial.
  • Proibição de financiamento de campanha por empresas, responsável por conflitos de interesse.
  • Proibição de mudança de legenda, obrigando o político a respeitar o mandato recebido.
  • Anular direito à Foro Privilegiado para políticos em cargos eletivos, livrando-os da temporária impunidade que estimula o ato criminoso.
  • Manter, a todo custo, o encarceramento após confirmação da sentença na segunda instância.
Os cidadãos e as instituições têm pela frente a hercúlea tarefa de reorganizar o país, afim de estancar a progressão atual das forças que aviltam a sua democracia. A continuar no atual rumo, o Brasil parece condenado à decadência sem ter atingido o apogeu que merece.

1. Termo em desuso, destinado ao esquecimento