sábado, 26 de agosto de 2017

O que significa privatizar a Eletrobrás

Esta coluna publica colaboração do Prof. Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em energia nuclear e doutor em energia, onde oferece sua visão sobre a controvertida questão que trata da privatização de empresas Estatais de Serviço Público


 Resultado de imagem para photo itaipu

A construção do Canal do Panamá começou em 1.881 e foi interrompida em 1.883, com a falência da empresa criada pelo diplomata francês Ferdinand de Lesseps, para promover e custear o empreendimento, tal como fizera com o Canal de Suez. O pobre Lesseps foi processado pelos acionistas lesados e desmoralizado pela imprensa. E a obra ficou célebre na história dos grandes escândalos políticos e financeiros, a ponto de transformar a palavra “panamá” (entre aspas e com inicial minúscula) em sinônimo de negociata.
Vejam como evoluem os costumes e padrões éticos, de país para país, de época para época. No Brasil, a partir do chamado Programa Nacional de Desestatizações (rebatizado de Programa de Parcerias de Investimentos), temos tido um rosário de “panamás”, cujos mentores, em vez de serem processados e desmoralizados, como foi o Visconde de Lesseps, ocupam cargos importantes no governo e são homenageados nas colunas econômicas e noticiários de televisão.
Uma das primeiras “contas” de nosso rosário de “panamás” foi colocada em 1.996, com a desestatização da Light, que havia sido estatizada em 1.979. Estávamos no governo FHC, com o Sr. José Serra no ministério do planejamento e seu amigo Mendonça de Barros na presidência do BNDES.
A desestatização da Light favoreceu a estatal francesa Électricité de France (EDF), associada à norte-americana AES e à Companhia Siderúrgica Nacional, então recém-comprada pelo grupo do Sr. Benjamin Steinbruch.
Curiosamente, os 2,2 bilhões de reais da época que o governo diz ter recebido, vieram em boa parte do próprio governo (BNDES, Eletrobrás e PREVI). Na época, a PGR não era como hoje, de modo que o Ministério Público não investigou esse “panamá”.
Quando a empresa era estatal, os serviços eram melhores porque investia-se em manutenção cerca de 700 milhões de reais da época, por ano. Para que o leitor se situe diante desses números, convém assinalar que a Light vendia 31 milhões de megawattshora por ano, cobrando dos consumidores residenciais, comerciais e industriais uma tarifa média de 190 reais por megawatthora; portanto o faturamento anual estava em torno de R$ 5,9 bilhões da época. A eletricidade vendida era em grande parte comprada de Furnas a aproximadamente 44 reais por megawatthora, portanto o lucro operacional da Light ia a mais de R$ 4,5 bilhões da época, por ano.
Ao ser privatizada, a empresa funcionava muito bem. Suas dívidas tinham sido “engolidas” pelo Estado e o consórcio comprador contou com importantes subsídios do BNDES. E, com a demissão de experientes equipes de manutenção e a terceirização de vários serviços técnicos, as despesas operacionais – e a qualidade – também caíram muito, podendo então o lucro líquido chegar a 7 bilhões de reais por ano, em valores atualizados, já descontados os impostos. Uma fatia desse lucro ia para a França, para custear as aposentadorias de nossos “pobres” colegas da EDF. Por diferentes motivos, a EDF, a AES e a CSN acabaram saindo do empreendimento e, hoje, a Light é controlada pela CEMIG.
O “panamá” das privatizações ficava ainda mais extravagante à luz das promessas feitas por FHC e seu ministro da fazenda de que as tarifas ficariam mais baratas e que, com a receita obtida, a dívida pública seria reduzida. E, livrando-se da responsabilidade de administrar empresas estatais, o governo poderia concentrar esforços em programas sociais, como os de saneamento, habitação, saúde, segurança pública, etc.
O resultado foi o oposto do prometido: as tarifas, que eram das mais baratas do mundo, ficaram entre as cinco mais caras; a dívida pública multiplicou-se muitas vezes, os programas sociais estão emperrados, a insegurança é total e a violência é rotineira. Além disso, sob o peso das remessas de lucros por parte da EDF e da AES, o endividamento externo passou a crescer em ritmo acelerado.
Apesar desse descalabro, a cobiça pelo que sobrou do sistema elétrico público (Eletrobrás, CEMIG, COPEL e o que resta da CESP) leva os promotores de negócios, com o beneplácito do presidente Temer e seu ministro de energia, a desfechar autênticas operações de lavagem cerebral, para camuflar os prejuízos causados pelas privatizações já feitas e “vender a ideia” de que a vida ficará melhor se tudo no Brasil for – reparem a leviandade – desregulamentado e entregue à exploração privada.
Daí a avalanche de promessas otimistas, feitas por autoridades e investidores jejunos em matéria de planejamento energético, porém direta ou indiretamente interessados na privatização das empresas de eletricidade. É fácil prever que, se suas propostas forem aceitas, as tarifas ficarão mais caras – e os “apagões” mais frequentes.
Por fim, convém lembrar que a eletricidade é indispensável para a produção industrial e o comércio; para as comunicações; a pesquisa científica; os hospitais e laboratórios; o lazer; o abastecimento e a conservação dos alimentos, enfim, para tudo. Os preços da eletricidade impactam todos os custos da economia, acabando por influir sobre a qualidade de vida das pessoas. Por conseguinte, tarifas elétricas não devem ser formadas ao talante de controladores de empresas de eletricidade, porque estes procuram máximos lucros em curto prazo, sem pensar na qualidade de vida, nem capacidade financeira dos consumidores.

Quem citar os Estados Unidos como exemplo de país onde tudo é explorado pela iniciativa privada, deveria saber que lá o sistema é basicamente termelétrico, mas as grandes hidrelétricas pertencem e são exploradas por entidades públicas de âmbito regional, como a Tennessee Valley Authority, a NorthWestern Energy Company e a Bonneville Power Administration, ou até por inúmeras entidades de âmbito municipal (Counties). A razão disto é a de que a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, igualmente importantes, como a irrigação de terras agrícolas, a regularização das vazões dos rios, o controle de enchentes, o abastecimento de água para as cidades e a navegação interior, etc.

Nenhum comentário: