quinta-feira, 23 de maio de 2019

Novas regras?


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Muito se fala da "nova ordem" nascida das cinzas de segunda Guerra mundial. As nações vencedoras, tendo pago terrível preço para alcançar a vitória, chegaram ao consenso de privilegiar a paz sobre todas as coisas. Coube às Nações Unidas e aos tratados celebrados evitar nova conflagração dentre as grandes potencias.

Não era uma ideia nova. No término da primeira Grande Guerra, os vencedores criaram a Liga das Nações, proposta pelo presidente americano Woodrow Wilson. Apesar das restrições iniciais dos Impérios Inglês e Francês, ciosos de sua soberania, a argumentação pró paz levou a melhor, sendo relevante o rol das nações integrantes.

Porém o projeto fracassou, pois o Senado norte americano recusou-se a ratificá-lo. Assim nasceu a Liga com severa atrofia de autoridade, levando a instituição ao gradual descrédito e à sua dissolução às vésperas da segunda guerra.

Hoje, vemos o  americano Donald Trump descartando a relevância do multilateralismo. Redunda no enfraquecimento da Organização das Nações Unidas,  e, quiça, na dissolução da mais admirável das instituições.

O desrespeito aos tratados internacionais evidenciada pelo presidente, conforme já relatado nesta coluna, vem minando, gradualmente, a autoridade das mais diversas instituições internacionais, cuja existência permite o level playing field, dando às nações de limitado poder as condições de defesa de seus interesses.

Impulsionada pela inigualável influência que emana dos Estados Unidos, observa-se em outras regiões tendência à contrapor-se às politicas de integração entre povos e culturas, dentre as quais a União Europeia.

Assim, na Polônia, na Hungria, na Áustria, na Itália e tendo a Inglaterra como excepcional exemplo  (não no Reino Unido como um todo) revela-se a crescente rejeição ao panteismo político, retornando-se à adoração dos deuses nacionais.

Talvez, conforme nos casamentos, onde o ordenamento e o ocasional sacrifício permitem sua constância, o que implica em perda, ainda que parcial, da soberania individual, chega-se à exaustação quando vence o desejo de independência irrestrita. O mesmo, em intensidade variada, parece estar acontecendo no contexto sócio-político das entidades e sociedades que compõem o planeta.

Observa-se, assim, uma crescente força centrífuga política acentuada pela guerra econômico-tarifária ora empreendida pelo presidente norte-americano. Razoável supor-se que, a prosseguir esta tendência, tenha-se por resultado a crescente diluição e a eventual dissolução de instituições internacionais, cujo objetivo é o de trazer à mesa de negociação as desavenças, evitando o ukase imposto pelo mais forte.

Já no Brasil, surge a preocupação de ver-se o país juntar-se às forças desagregadoras da ordem constituída no pós-guerra. Seguindo os confusos e simplistas "ensinamentos" de Olavo de Carvalho, o governo neles embasou  sua política externa, descartando a essencial proteção que o multilateralismo confere à países de baixa força relativa.

Assim, açodadamente, comprometeu-se nossa política externa a abandonar a real proteção da Organização Mundial do Comércio em troca de promessa de difícil cumprimento: o ingresso na OCDE. Não bastarão recados de Trump ao Board  desta instituição para que o Brasil nela seja aceito; necessário será, antes, colocar a casa em ordem.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Novo capítulo de uma possível guerra

ORIENTE MÉDIO

A map of the Persian Gulf.

Uma fragata espanhola, recebe ordens de Madrid para que abandone o grupo de proteção do Abraham Lincoln, imenso porta-aviões norte-americano, em rota para o Golfo Pérsico. Madrid não quer envolver-se em nova guerra

O general britânico, Chris Ghika, sub-comandante da coalizão militar ocidental na guerra contra os remanescentes do Estado Islâmico, diverge de seu superior, o general norte-americano, quanto à ameaça iraniana no Iraque.

Em emergencial encontro, Mike Pompeo, rotundo falcão, pede solidariedade mas ouve de Federica Mogherini, portavoz da política externa da União Europeia,  advertência para que aja com  moderação.

O pentágono anuncia o envio de 120.000 soldados à região. Não esclarece o destino exato. Qual país desejará recebê-los? Dificilmente o Iraque os acolherá, uma vez que o seu governo comunga com o Irã sua religião xiita.

Tão pouco a Arábia Saudita, pois "infiéis" não são aceitos em seu solo, seguindo preceito Wahabita. Uma centena de soldados americanos foram, no passado, explodidos por fanáticos da seita Saudita.

Nem o Catar, próximo geográfica e politicamente à Turquia e ao  Irã, os receberia.

O que deixa, como alternativa mais provável, as boas vindas dos Emirados Árabes, não por acaso,  vizinho ao Estreito de Ormuz, peça chave na estratégia de ambos adversários, USA e Irã.

Assim, as peças vão se posicionando, seja para um jogo de intimidação, seja para chegar-se às vias de fato.

Washington insiste em reagir ao que considera  seus interêsses na região. Tem-se, assim, ampla latitude do potencial casus belli que poderá causar o conflito, uma vez que tais interesses , não sendo pré-indentificados, permitem inúmeras possibilidades e interpretações.

Trump deixa entender que é contra nova guerra na região, mas não tranquiliza os observadores que vêem em seus pontas-de-lança, Bolton e Pompeu, os reais objetivos de regime change.

A campanha ora em curso de criar imagem de Teerã como provocador  de iminente conflito traz aos mais céticos lembraça da fábula de La Fontaine, ou será de Êsopo, onde o lobo, à montante, acusa a ovelha, à jusante, de sujar-lhe a água...




segunda-feira, 13 de maio de 2019

Mais uma guerra?



As diversas providências tomadas pelos alto comando norte americano,  político e militar, parecem indicar que uma nova gerra estaria por eclodir.

O fato de ter o chanceler Mike Pompeu abruptamente cancelado  importantes reuniões com líderes da União Europeia e da Ásia, substituindo-os por encontros improvisados e urgentes com líderes de Israel e Arábia Saudita parece indicar a iminência de conflito na região.

Tal avaliação é validada pelo envio por Washington de uma força-tarefa naval, liderada por porta-aviões, e, ainda, bombardeiros B52 com destino ao Golfo Pérsico.

Conforme já comentado nesta coluna, premidos por Israel e a Arábia Saudita em invulgar aliança, os Estados Unidos parece contemplar uma guerra contra o Irã.

Para Israel os objetivos são claros:  eliminar o apoio militar e financeiro ao Hezbollah libanês e inviabilizar o apoio iraniano ao regime de Assad na Síria próximos à suas fronteiras, e, ainda, preventivamente destruir a infra estrutura nuclear bem como o complexo balístico iraniano.

Já a Arábia Saudita, de confissão sunita, tem seus objetivos geopolítico e religioso, como o domínio do Iêmen e o enfraquecimento da "mancha" shiita no Oriente Médio, inimigos centenários. Abrange o Iraque e a Síria de Haffez Assad. Porém, seu inimigo mais poderoso é o Irã.

Em resposta ao boicote total das exportações de petróleo iraniano  ordenado por Donald Trump, o Irã vem ameaçando retaliar, fechando o estreito de Ormuz que, sob sua soberania, representa o mais relevante gargalo exportador de petróleo do planeta.

Diante deste clima de hostilidade inibindo o fluxo de tão essencial commodity, acoplado à  iminente chegada de força naval americana, cujo poder excede, em muito, àquelas necessárias às operações de patrulhamento até agora empreendidas, razoável será concluir-se que uma faísca, por involuntária que seja, poderá levar à deflagração do paiol que lá se concentra.

Ao quadro acima prudente será avaliar-se a reação de dois players, potencias nucleares.

A interrupção do fluxo de petróleo iraniano é para China séria ameaça à sua segurança. Deixa aos Estados Unidos e seus aliados árabes o controle da torneira que regula a expansão de sua economia e a operacionalidade de suas forças armadas. Assim sendo, será lícito esperar-se a manutenção do fluxo Irã-China apesar da oposição norte-americana, assim favorecendo maior estreitamento político-militar entre os dois países. Pequim aceitaria mudança de regime no Irã?

Já, para a Rússia, uma guerra contra o Irã e a eventual substituição do atual regime Iraniano por outro subordinado à Washington e, por conseguinte, hostil à Moscou, traria forte reação deste último. O Irã é contíguo ao que seria o "under-belly" da Rússia, constituído pelos "Stãos", anteriormente parte do Império tsarista, hoje sob influência desta última. Uma reviravolta do equilíbrio de forças nesta região poderia ter consequências graves, repetindo-se a experiência ucraniana em diversas instâncias,

Certamente já ocorreu ao Estado Maior norte americano a tomada, manu-militari, da região de Ormuz, sob pretexto de garantir o livre trânsito do comercio marítimo internacional. Contudo, razoável supôr-se que as consequências seriam imprevisíveis, uma vez que ocasionariam a re-arrumação involuntária de poderosos interesses internacionais.

     

sexta-feira, 3 de maio de 2019

O dólar como arma ilegítima





Graças à ubiquidade da economia americana, qualquer restrição ao uso de sua moeda, o dólar, seja em transações financeiras ou comerciais, em qualquer canto do mundo, está sujeita à  decisão unilateral de Washington.

Assim vem agindo, tornando sua moeda mais potente de que  seus aviões e seus foguetes. A destruição que causa às economias de países porventura alvo de seu desagrado, supera, em muito, os efeitos de suas tropas e bombas.

O caso das relações com o Irã que sirva de aviso para aqueles países que, porventura, venham a divergir dos intuitos e objetivos de Donald Trump. Sim, da pessoa do presidente e não necessariamente dos interesses dos Estados Unidos.

Depois de extensa e prolongada negociação, Teerã submeteu-se à pressão das grandes potências; mobilizou-se o bloco Ocidental, liderado por Washington incluindo, também, aquelas que constituem, por vezes, polos opostos, tais como Rússia e China. Houve, por fim, um tratado de não proliferação nuclear assinado por todos os matizes da geo-política internacional.

Peça chave em tal acordo, o Irã submeteu-se às inspeções regulares da agência AIEA das Nações Unidas, assim garantindo o cumprimento dos termos firmados.

"Fast forward". Obama deixa o governo e à presidência ascende Trump. Depois de romper unilateralmente diversos tratados abrangendo, dentre outras, áreas tão díspares quanto o NAFTA (acordo comercial com o México e o Canada), o acordo de Paris contra o aquecimento global, a retirada da agência cultural das Nações Unidas, a UNESCO, o tratado de contrôle de Mísseis nucleares de curto alcance com a Rússia,  a designação de Jerusalém como capital de Israel, contrariando a unânime decisão das Nações Unidas (incluindo o voto norte-americano), o presidente recém chegado abandona, unilateralmente, o tratado de Teerã.

Como penalidade vem usando seu poder de extra-territorialidade para determinar aos países do planeta a não compra do petróleo Iraniano, sem que aquele país tenha violado qualquer tratado em vigor. Esta iniciativa unilateral, foi tomada à revelia dos aliados históricos e signatários do acordo de Teerã, como o Reino Unido, a Alemanha a França, e, ainda, tanto a Rússia quanto a China.

Washington condena, assim, um país de 60 milhões de habitantes, à ruína sem que crime tenha sido cometido. Ora, cientes da ilegalidade do ato, tanto os governos europeus quanto asiáticos já se apressam a montar mecanismo que evitem o uso do dólar como moeda de transação em casos de conflito, uma vez que o Tesouro americana veda o "clearing" em operações ora prohibidas.

Observa-se, assim, que o governo norte-americano comete um ato ilegal e leonino, impedindo, a seu bel prazer, o uso de moeda reconhecida e oficializada de  reserva internacional. O fato de o Fundo Monetário Internacional, agência criada pelas Nações Unidas, operando sob o contexto supranacional criado após o fim da 2a Guerra Mundial, ter por seu lastro operacional e paradigma monetário o dólar, valída e entende assegurar, legalmente, sua condição de livre curso por todos os países membros deste Fundo. Ergo, qualquer limite de seu uso unilateralmente imposto por um dos membros deste sistema mundial não parece  merecer fé jurídica. Justo seria  caracterizar tal constrangimento como ato estranho aos princípios da Lei Internacional.

Ora, por resultado tem-se a montagem pelos demais estados porventura prejudicados de mecanismo  que contorne o uso do dólar.  Por enquanto, os seus detalhes são desconhecidos, mas o método eventualmente escolhido servirá, como embrião de formula alternativa para o uso de moeda até hoje base da liquidez internacional. Se assim for, inicia-se o processo de neutralização das sanções extra-territoriais que hoje se tornam a marca registrada da política externa norte-americana. 

Ainda, indo além da clara impropriedade na restrição do uso da moeda reserva, graves consequências poderão surgir. Diz a boa diplomacia que, ao confrontar o adversário na mesa de negociação, uma saída honrosa sempre deve ser oferecida a parte mais fraca. Pelo contrário, a equipe de política externa de Washington, composta por reconhecidos falcões, John Bolton e Mike Pompeu, impele Donald Trump na direção do ultimato, Fica a dúvida quanto a aceitação pacífica pelo Irã de seu iminente  colapso econômico através da paralisação de sua exportação de petróleo, única fonte de divisas. 

domingo, 28 de abril de 2019

Capitalismo radical?

Milton Friedman e Karl Marx

São muitas e diversas as fontes de insatisfação nos meios intelectuais e populares com a tradicional dicotomia direita esquerda que hoje não mais resume o pensamento econômico-político. A complexidade da vida moderna, revolucionada pela robotização, pelas redes sociais e pela alteração da pirâmide demográfica que reduz a influência da juventude, altera as premissas tradicionais e demandam novo enfoque.

Não raro movimentos políticos evidenciam insatisfação por condições econômicas, e hoje constata-se que o planeta atravessa, neste momento, manifestações de aguda insatisfação, seja econômica, política ou social.

A clivagem da sociedade norte americana contra o Trumpismo, o Brexit, os Gilets Jaunes, o movimento Neo Nazi na Alemanha, todos refletem insatisfação.

A partir da revolução industrial originada na Inglaterra no Século XVIII, iniciou-se um processo que, no tempo, suplantaria a riqueza rural, onde o trabalhador era subjugado e afônico. Iniciou-se, então, a criação de uma nova classe, a dos trabalhadores urbanos. Com o aperfeiçoamento da democracia, seu voto começou a pesar e a exigência de um re-equilíbrio distributivo a ser necessária.

Na época, entre os dois extremos do extrato social, a nobreza rural e a classe trabalhadora, encontrava-se a burguesia, seu poder dividido, essencialmente, dentre os financistas, os comerciantes e os emergentes industriais. A nova equação social, questionando as estruturas vigentes e impactada pela nova realidade urbana gerava as duas vertentes do socialismo, o da Sociedade Fabiana e a de Karl Marx.

No final do Século XIX, a Sociedade Fabiana é criada em Londres, tendo por objetivo atenuar as terríveis condições impostas aos trabalhadores. Teve por meta atenuar as inaceitáveis condições e compensação do trabalho através da busca, na arena política, por uma mais equitativa justiça social. Já Karl Marx, também em Londres, na mesma época e com os mesmos objetivos, desenvolve uma vertente revolucionária e impositiva, já do conhecimento de todos.

Enquanto o socialismo gradualista e equilibrado prosperava na Escandinávia, estabelecendo-se uma convivência da justiça social com o ímpeto criador de riqueza trazido pelo capitalismo, já, a derrubada do Czarismo Russo, por Vladimir Lenine trouxe a violência e a imposição radical, transformando um ideal em prisão cruel e ineficaz, onde a igualdade só poderia conviver com a pobreza.

Um Século decorrido, o esfacelamento da União Soviética parece ter encerrado e retirado toda a credibilidade desta formulação revolucionária e ditatorial: o comunismo. Tal colapso teve por efeito subsidiário a validação do capitalismo radical como sistema único capaz de oferecer riqueza e bem estar à países, às empresas, aos empresários. Já, ao trabalhador, seu ganho seria consequência da riqueza acumulada no "segundo andar" que, através do conceito de "Trickle down economy", ou gotejamento econômico, o qual, graças à esta putativa força de gravidade, terminaria por dar ao trabalhador, no seu andar térreo, o seu "justo" quinhão na prosperidade conquistada.

Vinte anos após a derrubada do Muro de Berlim e do império comunista, não parece ter sido o caso. Tendo-se os Estados Unidos como "Case Study", observa-se, pelo contrário, a continua concentração de riqueza nos andares superiores, mantendo virtualmente estagnado o ganho da classe média desde os 80 do Século XX.

As preocupações anti-trust que já assaltavam Theodoro Roosevelt no ocaso do Século XIX e as de cunho social em Franklin Roosevelt no anos 30 do Século XX não mais parecem se aplicar no cenário atual, e o resultante desequilíbrio sócio-econômico já não mais gera esforço corretivo. As agencias reguladoras, orientadoras da lisura operacional e garantidoras do comportamento ético, hoje se encontram asfixiadas pela penúria orçamentária.

Talvez ignorando as lições dos anos 50 do Século XX, no início do grande salto econômico que enriqueceu os Estados Unidos e boa parte do planeta, ensinava-se na universidades norte americanas que toda empresa tinha estes legítimos "stake-holders" ou agentes relevantes: os acionistas, os administradores, os funcionários, o fisco e os consumidores. Esta visão acentuava a inter-relação das forças essenciais ao crescimento econômico de forma harmônica, e a solidariedade sócio-política que embasava o ambiente positivo para sua continuidade e expansão. Uma empresa sendo tanto um ente econômico-capitalista quanto um ente social.

Constatou-se, por conseguinte o maior e mais compartilhado período de crescimento econômico da história dos Estados Unidos. Verificou-se, ainda, o enriquecimento sustentável do topo e da base da pirâmide, alimentando e conduzindo o mais unânime e solidário processo político-ideológico da sua história.

Hoje, pesquisas nos Estados Unidos ensinam que a expectativa de melhora econômica das novas gerações da classe média não mais existe como d'antes. Revelam, também que, desde os anos 80 do século passado, esta mesma classe média, anteriormente tida por celeiro do desenvolvimento nacional, pouca melhoria teve.

Nos Estados Unidos, tanto os índices de IDH (índice de desenvolvimento humano) quanto o de Gini (índice de distribuição de riqueza) vem piorando alem de constatar-se queda em longevidade da sua população. As mortes por suicídio e a dependência às drogas mostram ininterrupto acréscimo. Ainda, a deterioração da sua infraestrutura viária é objeto de séria preocupação.

Aos observadores, não parece prudente desprezar-se estes sinais evidentes de crise sócio-econômica, pois indica uma deterioração na alocação de recursos em benefício da sociedade. Até que ponto existe uma coincidência de tal deterioração com o início da influência do liberalismo extremo adotado por Ronald Reagan? Que os experts se pronunciem.

Hoje, graças, em parte, aos ensinamentos da Escola de Chicago, a mola mestra torna-se empresarial, tornando os demais segmentos político-econômicos de uma nação, como o Estado e a massa consumidora e trabalhadora em engrenagens necessárias porém subsidiárias ao ímpeto principal. Cria-se, assim, o possível desequilíbrio entre os segmentos sociais, pois não mais contam com o amalgama do consenso e da solidariedade que vigia nas décadas anteriores. Cria-se o desequilíbrio, que é nocivo, pois clama por reajuste, por sua vez gerador de instabilidade e imprevisibilidade. Gera-se, assim, grave tensão social com efeitos políticos e eleitorais.

Hoje, o que se vê é o conflito crescente, pari-passu com a crescente disparidade econômica da cidadania. Não se trata de duvidar do capitalismo mas, sim de protegê-lo contra os desvios que ameaçam a estabilidade politica e, por consequência, sua própria sobrevivência.

A crescente cartelização da atividade empresarial, aliada e resultante da tendência ao oligopólio, evidenciados pela febre de fusões e aquisições de congeneres que acentuam a concentração de sua atuação no mercado e a consequente manipulação na formação dos preços fragiliza a base teórica do capitalismo. Ainda, a sistemática compra e neutralização, pelas grandes empresas, de “start-ups” que possam tornar-se concorrentes concentra cada vez mais seu poder de precificação. Cada vez mais, vê-se o consumidor prejudicado pela redução da concorrência, assim reduzindo sua solidariedade para com o formato econômico prevalente.

A aquisição de suas própria ações, assim reduzindo a base acionária e a democratização do voto, substituindo o voto espontâneo dos pequenos acionistas pelo voto negociado com os grandes "players", permite a concentração de poder que resulta nos "Boards" das empresas concederem salários e participações bilionárias, destruindo qualquer justificação lógica e ética na relação trabalho/ganho através da pirâmide laboral.

Esta remuneração multi bilionária dos dirigentes empresariais através de bonus acentua a questão da elitização na distribuição de riqueza, onde a massa empregada é desconsiderada como merecedora de prêmio. Hoje, destituída da voz que anteriormente os sindicatos lhe concedia, o trabalhador sentir-se-a lesado na participação nos benefícios do capitalismo que teria direito de esperar.

Abstendo-se de juízo de valor, o observador é levado a concluir que a continuar a atual tendência de favorecimento na concentração econômica, ela se traduzirá pela degradação dos objetivos do capitalismo concorrencial, que tanto no consumidor, quanto no capital se erguem os seus principais pilares. As loas ao crescimento do PIB devem  ser temperadas pela constatação que somente 13% do ganho total  chega em benefício de 160 milhões de americanos enquanto 20% é apropriado aos 35 milhões mais ricos, ou 1% no cume do edifício social. Acentua-se, assim, a disparidade e a distancia que hão de gerar insatisfação e contestação futura.

Estas, e outras condições, vem prejudicando a imagem do capitalismo como instrumento de enriquecimento de toda uma nação, não apenas do topo da pirâmide. Observa-se, assim, o gradual afastamento de um sócio imprescindível ao sucesso do capitalismo, a massa trabalhadora.

Esta, afastada do processo solidário, gera, também, o problema político graças à crescente influência do “business” sobre o estamento político-democrático, este visto como cúmplice do que alguns chamam de capitalismo radical. Se assim progredir, ou involuir, o preço tornar-se-á institucional, pois a re-arrumação de poderes, em foro democrático, se fará necessária. Em outras palavras, nova e perigosa crise.

A crescente influência da mensagem "anti-establishment" de Bernard Sanders, o candidato socialista do partido Democrata norte-americano é um alerta a ser ouvido. Não terá ele condições de ganhar eleição, mas muitas de suas observações já se impregnaram no discurso do partido.

E o Brasil, terá algo a aprender?






sábado, 13 de abril de 2019

Ventos do passado

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Nenhum presidente tem a obrigação de ser especialista neste ou naquele assunto.  Justamente por isto, constitui-se um ministério e, pela mesma razão, os ministros se apoiam no raciocinio de seus inúmeros colaboradores. Em suma, decisão de governo não é coisa individual, e sim um trabalho de equipe coordenado pelo primeiro mandatário.

Jair Bolsonaro tem se confessado jejuno em matéria de economia, o que não o impede, na recente interferência no preço do diesel da Petrobras, de tomar decisão em questão que demanda conhecimento amplo e abrangente antes de ser decidida. O presidente parece ter sido imprudente.

E o assunto vai ainda mais longe. A viagem do presidente à Washington, onde alinhou a política externa brasileira ao Estados Unidos, tambem teve por objetivo criar junto aos mercados americanos e internacionais um nova imagem de conciente capitalista, crente no acerto das forças de mercado, defensor do Estado reduzido. O novo Brasil, afirmou, nada tem a ver com a execrada Dilma, socialista, intervencionista.

E não é que bastou para seu guru economico, Paulo Guedes, viajar para Washington e lá reforçar a imagem deste Brasil moderno, que o Presidente comete erro que lembra os anteriores governos execrados? Porque terá tomado esta decisão? Quem lhe terá influenciado? O "filósofo" Olavo de Carvalho e seus seguidores ou aqueles políticos da velha guarda, talvez fantasiados de revonadores?

A razão principal, subjacente, para tal decisão parece ser o medo de nova greve dos caminhoneiros. Assim sendo, em vez de planejar como impedir, neutralizar e assegurar o abastecimento emergencial do país (vide  Blog de 30/3/2019), o Presidente preferiu comprar a tranquilidade, que será por curto prazo,  sem ter avaliado o verdadeiro  custo de sua decisão.

Não apenas o econômico mas, também o político, ao transferir para àqueles que dominam o transporte rodoviário a eficácia da chantagem. 

Mas não há razão para desespero, diria o sábio Oriental, e sim para a esperança de que o primeiro mandatário aprenda que não deve tomar decisões sem consultar àqueles de direito. Ainda, urge a tomada de medida corretiva que, dificilmente se dará sem angustia  política e perda de face nos altos escalões em Brasilia.

Caso contrário, caso não se recomponha o direito da Petrobras à necessária autonomia, tal como a livre determinação de seus preços,  uma mancha na imagem será criada, a de impulsividade e voluntarismo na administração da República, aliás muito ao gosto do novo aliado, Donald Trump.

sábado, 6 de abril de 2019

Aviões e ilusões


Ray Dalio, the billionaire founder of the world’s biggest hedge fund, said he believes flaws in American capitalism have created destructive and self-reinforcing gaps in education, social mobility, assets and income -- and the result could be another revolution.

O comentárista acima é um empedernido capitalista que vê na atuação de empresas, de seus executivos e de políticos associados uma tendencia na direção da abolição de limites. Dentre estes limites existem os do bom senso e na regulamentação de práticas e valores que devem fazer convergir tanto a procura do Lucro quanto o interêsse geral da Sociedade.

                                         
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A estória que se segue é de empreendorismo, de competitividade, de inovação e...

O telefone tocou. Ainda era cêdo, o café nem pronto estava. John, com uma ponta de irritação, atendeu com um ríspido

    _ OK, que V precisa nesta hora, Ted?
    _ John, desculpa, sei que é cedo, mas liga no canal 7. A Airbus acaba de anunciar o primeiro voo do seu modelo 321neo
    _ Mas como assim, ainda faltam uns meses?
    _ Pois é, pelo visto aceleraram o programa. Temos um grande problema pela frente.
    _ Estou indo para o escritório agora. Chama o pessoal. Temos que resolver este problema já.

Engolindo seu café e desprezando seu pancake John veste seu paletó e se apressa para o elevador.

25 minutos depois entra na garagem da Bongbong, bate a porta de seu Tesla e, impaciente, já no elevador, aperta o botão 63, seu escritório. Passa apressado por sua secretária que lhe avisa “Estão todos na sala de conferência, Mr. Williams”

    _ OK, pessoal, estamos em maus lençóis. Estes malditos europeus nos passaram a perna. Com seu novo avião nos colocam em posiçao insustentável. Não temos equipamento que concorra com ele. Nosso 700 é lento, consome muito mais combustível, carrega menos passageiros, e tem menor raio de açao. Em suma, fomos pegos de calças curtas.
    _ V. tem razão John, mas não foi por falta de aviso. O “board” ficou atrazando os recursos necessários para o novo projeto, o qual nos daria uma aeronave muito mais moderna e eficiente do que este brinquedinho da Airbus.
    _ Tudo bem, Bill, mas não nos deram os recursos. Agora temos que improvisar. E rápido. A cada mês que passa perderemos mais e mais compradores. Essas aéreas não tem lealdade. Vamos perder muito mercado, as ações vão mergulhar. A solução tem que ser rápida, não há tempo a perder.

Durante uma semana as mais díspares sugestões são oferecidas e rejeitadas. Ora é o custo, ora o tempo excessivo. Mas, enfim, uma idéa parece ganhar corpo e aceitação. John sabe que não só ele que está exhausto, todos ali presentes deram tudo de si.
    _ OK, pessoal. Vamos nos concentrar nesta solução. È brilhante. Parabéns, pessoal. Vamos recapitular os seus pontos principais:

    Um novo projeto levaria 10 anos. Neste tempo nossas perdas seriam enormes. Está alternativa, portanto, está fora de questão.

    Usamos, então, o avião que já temos, o 700, e o adaptamos às novas necessidades.

    Encomendamos novos motores, mais potentes e economicos, aumentamos a envergadura para dar mais sustentação e o cumprimento da fuselagem para receber mais passageiros. Certo?
    John observou um braço levantado insistentemente, Lá vem este chato de novo, pensou.
    _ Muito bem Ambrose, diga
    _ Desculpe John, mas acho que essas modificações vão exigir uma revisão geral do novo projeto, uma vez que a distribuição de peso e as alterações aérodinâmicas diferem muito do projeto do 700 original.
    _ Não é nada disso, Ambrose. Nossa área de sistemas pode neutralizar os eventuais desequilibrios na operacionalidade do avião. Estou certo, Wladislav?

O diretor responsável pela área de Sistemas acena sua concordância.

    _ Desculpe insistir, diz Ambrose, existe, também, a necessidade e o tempo para treinar os pilotos na nova configuração. Só isso pode demandar mais um ano para viabilizar o projeto para a vida real.

     _ Acho que V. está enganado Ambrose. O responsável pela área de sistemas tem certeza que a adaptação se fará em muito pouco tempo, certo Wladislav? Então é isso, pessoal. Vamos arregaçar as mangas. Vamos entregar este novo avião, o 700 Plus, daqui a dois anos, e não em dez. E as ações vão às alturas!

                                 OOOOO

O final desta história é conhecida por todos, mas não pelas quase trezentas e quarenta vítimas da improvização e dos atalhos, estes impelidos pela prioridade do lucro, renegando custos que talvez houvessem salvo suas vidas. Morreram antes de saber porque.

Por vezes, as mentes mais simples confundem o ocorrido com capitalismo. Não mais deveriam no Século XXI.


O texto acima é fruto da imaginação do autor. Os eventos e nomes são fictícios. Também os aviões.