Milton Friedman e Karl Marx |
São muitas e diversas as fontes de insatisfação nos meios intelectuais e populares com a tradicional dicotomia direita esquerda que hoje não mais resume o pensamento econômico-político. A complexidade da vida moderna, revolucionada pela robotização, pelas redes sociais e pela alteração da pirâmide demográfica que reduz a influência da juventude, altera as premissas tradicionais e demandam novo enfoque.
Não
raro movimentos políticos evidenciam insatisfação por condições
econômicas, e hoje constata-se que o planeta atravessa, neste
momento, manifestações de aguda insatisfação, seja econômica,
política ou social.
A
clivagem da sociedade norte americana contra o Trumpismo, o Brexit,
os Gilets Jaunes, o movimento Neo Nazi na Alemanha, todos refletem
insatisfação.
A
partir da revolução industrial originada na Inglaterra no Século
XVIII, iniciou-se um processo que, no tempo, suplantaria a riqueza
rural, onde o trabalhador era subjugado e afônico. Iniciou-se,
então, a criação de uma nova classe, a dos trabalhadores urbanos.
Com o aperfeiçoamento da democracia, seu voto começou a pesar e a
exigência de um re-equilíbrio distributivo a ser necessária.
Na
época, entre os dois extremos do extrato social, a nobreza rural e a
classe trabalhadora, encontrava-se a burguesia, seu poder dividido,
essencialmente, dentre os financistas, os comerciantes e os
emergentes industriais. A nova equação social,
questionando as estruturas vigentes e impactada pela nova realidade
urbana gerava as duas vertentes do socialismo, o da Sociedade
Fabiana e a de Karl Marx.
No
final do Século XIX, a Sociedade Fabiana é criada em Londres, tendo
por objetivo atenuar as terríveis condições impostas aos
trabalhadores. Teve por meta atenuar as inaceitáveis
condições e compensação do
trabalho através da busca, na arena política, por uma mais equitativa justiça social. Já Karl Marx, também em Londres, na mesma época e
com os mesmos objetivos, desenvolve uma
vertente revolucionária e impositiva, já do conhecimento de todos.
Enquanto
o socialismo gradualista e equilibrado prosperava na Escandinávia,
estabelecendo-se uma convivência da justiça social com o ímpeto
criador de riqueza trazido pelo capitalismo, já, a derrubada do
Czarismo Russo, por Vladimir Lenine trouxe a violência e a imposição
radical, transformando um ideal em prisão cruel e ineficaz, onde a
igualdade só poderia conviver com a pobreza.
Um
Século decorrido, o esfacelamento da União
Soviética parece ter encerrado e retirado toda a credibilidade desta
formulação revolucionária e ditatorial: o
comunismo. Tal colapso teve por efeito subsidiário a
validação do capitalismo radical como
sistema único capaz de oferecer riqueza e bem
estar à países, às empresas, aos
empresários. Já, ao
trabalhador, seu ganho seria consequência da riqueza acumulada no
"segundo andar" que, através do conceito de "Trickle
down economy", ou gotejamento econômico, o qual, graças à
esta putativa força de gravidade, terminaria por dar ao trabalhador,
no seu andar térreo, o seu "justo" quinhão na
prosperidade conquistada.
Vinte
anos após a derrubada do Muro de Berlim e do império comunista, não
parece ter sido o caso. Tendo-se os Estados Unidos como "Case
Study", observa-se, pelo contrário, a continua concentração
de riqueza nos andares superiores, mantendo virtualmente estagnado o
ganho da classe média desde os 80 do
Século XX.
As
preocupações anti-trust que já assaltavam Theodoro Roosevelt no
ocaso do Século XIX e
as de cunho social em Franklin Roosevelt no anos 30 do Século XX não
mais parecem
se
aplicar
no cenário atual, e o
resultante desequilíbrio sócio-econômico já não mais gera esforço
corretivo. As agencias reguladoras, orientadoras da lisura operacional e garantidoras do comportamento ético, hoje se encontram asfixiadas pela penúria orçamentária.
Talvez
ignorando as lições dos anos
50 do Século XX, no início do grande salto econômico que
enriqueceu os Estados Unidos e boa parte do planeta, ensinava-se na
universidades norte americanas que toda empresa tinha estes legítimos
"stake-holders" ou
agentes relevantes:
os acionistas, os administradores, os funcionários, o fisco e os
consumidores. Esta
visão acentuava a inter-relação das forças essenciais ao
crescimento econômico de forma harmônica, e a solidariedade
sócio-política que embasava o ambiente positivo para sua
continuidade e expansão. Uma
empresa sendo
tanto um ente econômico-capitalista quanto um
ente social.
Constatou-se,
por conseguinte o
maior e mais compartilhado período
de
crescimento econômico da história dos Estados Unidos. Verificou-se,
ainda, o
enriquecimento sustentável
do
topo e da base da pirâmide, alimentando e conduzindo o mais unânime
e solidário processo político-ideológico da sua história.
Hoje,
pesquisas nos Estados Unidos ensinam que a expectativa de melhora
econômica das novas gerações da classe média não mais existe
como d'antes. Revelam, também que, desde os anos 80 do século
passado, esta mesma classe média, anteriormente tida por celeiro do
desenvolvimento nacional, pouca melhoria teve.
Nos
Estados Unidos, tanto os índices de IDH (índice de desenvolvimento
humano) quanto o de Gini (índice de distribuição de riqueza) vem piorando alem
de constatar-se queda em longevidade da sua população. As mortes
por suicídio e a dependência às drogas mostram ininterrupto
acréscimo. Ainda, a deterioração da sua infraestrutura viária é
objeto de séria preocupação.
Aos
observadores, não parece prudente desprezar-se estes sinais
evidentes de crise sócio-econômica, pois indica uma deterioração
na alocação de recursos em benefício da sociedade.
Até que ponto existe uma coincidência de tal deterioração com o
início da influência do liberalismo extremo adotado por Ronald
Reagan? Que os experts se pronunciem.
Hoje,
graças, em parte, aos ensinamentos da Escola de Chicago, a mola
mestra torna-se empresarial, tornando os demais segmentos político-econômicos de uma nação,
como o Estado e a massa consumidora e trabalhadora em engrenagens
necessárias porém subsidiárias ao ímpeto principal. Cria-se,
assim, o possível desequilíbrio entre os segmentos sociais, pois
não mais contam com o amalgama do consenso e da solidariedade que
vigia nas décadas anteriores. Cria-se o desequilíbrio, que é
nocivo, pois clama por reajuste, por sua vez gerador de instabilidade
e imprevisibilidade. Gera-se, assim, grave tensão social com efeitos
políticos e eleitorais.
Hoje,
o que se vê é o conflito crescente, pari-passu com a crescente
disparidade econômica da cidadania. Não se trata de duvidar do
capitalismo mas, sim de protegê-lo contra os desvios que ameaçam a
estabilidade politica e, por consequência, sua própria sobrevivência.
A crescente cartelização da atividade empresarial, aliada e resultante da tendência ao oligopólio, evidenciados pela febre de fusões e aquisições de congeneres que acentuam a concentração de sua
atuação no mercado e a consequente manipulação na formação dos
preços fragiliza a base teórica do capitalismo. Ainda, a sistemática compra e neutralização,
pelas grandes empresas, de “start-ups” que possam tornar-se
concorrentes concentra cada vez mais seu poder de precificação.
Cada vez mais, vê-se o consumidor prejudicado pela redução da
concorrência, assim reduzindo sua solidariedade para com o formato
econômico prevalente.
A
aquisição de suas própria ações, assim reduzindo a base
acionária e a democratização do voto, substituindo o voto
espontâneo dos pequenos acionistas pelo voto negociado com os
grandes "players", permite a concentração de poder que resulta nos
"Boards" das empresas concederem salários e participações
bilionárias, destruindo qualquer justificação lógica e ética na
relação trabalho/ganho através da pirâmide laboral.
Esta
remuneração multi bilionária dos dirigentes empresariais através
de bonus acentua a questão da elitização na distribuição de
riqueza, onde a massa empregada é desconsiderada como merecedora de
prêmio. Hoje, destituída da voz que anteriormente os sindicatos lhe concedia, o trabalhador sentir-se-a lesado na participação nos
benefícios do capitalismo que teria direito de esperar.
Estas, e outras condições, vem prejudicando a imagem do capitalismo como instrumento de enriquecimento de toda uma nação, não apenas do topo da pirâmide. Observa-se, assim, o gradual afastamento de um sócio imprescindível ao sucesso do capitalismo, a massa trabalhadora.
Esta,
afastada do processo solidário,
gera, também, o problema político graças à crescente influência
do “business” sobre o estamento político-democrático,
este visto como cúmplice do que
alguns chamam de capitalismo
radical.
Se
assim progredir, ou involuir, o preço tornar-se-á institucional,
pois a re-arrumação de poderes, em foro democrático, se fará
necessária.
Em
outras palavras, nova e perigosa crise.
A
crescente influência da mensagem "anti-establishment" de Bernard
Sanders, o candidato socialista do partido Democrata norte-americano
é um alerta a ser ouvido. Não terá ele condições de ganhar
eleição, mas muitas de suas observações já se impregnaram no
discurso do partido.
E o Brasil, terá algo a aprender?
Um comentário:
Mais didático impossível,preocupante...
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