domingo, 28 de abril de 2019

Capitalismo radical?

Milton Friedman e Karl Marx

São muitas e diversas as fontes de insatisfação nos meios intelectuais e populares com a tradicional dicotomia direita esquerda que hoje não mais resume o pensamento econômico-político. A complexidade da vida moderna, revolucionada pela robotização, pelas redes sociais e pela alteração da pirâmide demográfica que reduz a influência da juventude, altera as premissas tradicionais e demandam novo enfoque.

Não raro movimentos políticos evidenciam insatisfação por condições econômicas, e hoje constata-se que o planeta atravessa, neste momento, manifestações de aguda insatisfação, seja econômica, política ou social.

A clivagem da sociedade norte americana contra o Trumpismo, o Brexit, os Gilets Jaunes, o movimento Neo Nazi na Alemanha, todos refletem insatisfação.

A partir da revolução industrial originada na Inglaterra no Século XVIII, iniciou-se um processo que, no tempo, suplantaria a riqueza rural, onde o trabalhador era subjugado e afônico. Iniciou-se, então, a criação de uma nova classe, a dos trabalhadores urbanos. Com o aperfeiçoamento da democracia, seu voto começou a pesar e a exigência de um re-equilíbrio distributivo a ser necessária.

Na época, entre os dois extremos do extrato social, a nobreza rural e a classe trabalhadora, encontrava-se a burguesia, seu poder dividido, essencialmente, dentre os financistas, os comerciantes e os emergentes industriais. A nova equação social, questionando as estruturas vigentes e impactada pela nova realidade urbana gerava as duas vertentes do socialismo, o da Sociedade Fabiana e a de Karl Marx.

No final do Século XIX, a Sociedade Fabiana é criada em Londres, tendo por objetivo atenuar as terríveis condições impostas aos trabalhadores. Teve por meta atenuar as inaceitáveis condições e compensação do trabalho através da busca, na arena política, por uma mais equitativa justiça social. Já Karl Marx, também em Londres, na mesma época e com os mesmos objetivos, desenvolve uma vertente revolucionária e impositiva, já do conhecimento de todos.

Enquanto o socialismo gradualista e equilibrado prosperava na Escandinávia, estabelecendo-se uma convivência da justiça social com o ímpeto criador de riqueza trazido pelo capitalismo, já, a derrubada do Czarismo Russo, por Vladimir Lenine trouxe a violência e a imposição radical, transformando um ideal em prisão cruel e ineficaz, onde a igualdade só poderia conviver com a pobreza.

Um Século decorrido, o esfacelamento da União Soviética parece ter encerrado e retirado toda a credibilidade desta formulação revolucionária e ditatorial: o comunismo. Tal colapso teve por efeito subsidiário a validação do capitalismo radical como sistema único capaz de oferecer riqueza e bem estar à países, às empresas, aos empresários. Já, ao trabalhador, seu ganho seria consequência da riqueza acumulada no "segundo andar" que, através do conceito de "Trickle down economy", ou gotejamento econômico, o qual, graças à esta putativa força de gravidade, terminaria por dar ao trabalhador, no seu andar térreo, o seu "justo" quinhão na prosperidade conquistada.

Vinte anos após a derrubada do Muro de Berlim e do império comunista, não parece ter sido o caso. Tendo-se os Estados Unidos como "Case Study", observa-se, pelo contrário, a continua concentração de riqueza nos andares superiores, mantendo virtualmente estagnado o ganho da classe média desde os 80 do Século XX.

As preocupações anti-trust que já assaltavam Theodoro Roosevelt no ocaso do Século XIX e as de cunho social em Franklin Roosevelt no anos 30 do Século XX não mais parecem se aplicar no cenário atual, e o resultante desequilíbrio sócio-econômico já não mais gera esforço corretivo. As agencias reguladoras, orientadoras da lisura operacional e garantidoras do comportamento ético, hoje se encontram asfixiadas pela penúria orçamentária.

Talvez ignorando as lições dos anos 50 do Século XX, no início do grande salto econômico que enriqueceu os Estados Unidos e boa parte do planeta, ensinava-se na universidades norte americanas que toda empresa tinha estes legítimos "stake-holders" ou agentes relevantes: os acionistas, os administradores, os funcionários, o fisco e os consumidores. Esta visão acentuava a inter-relação das forças essenciais ao crescimento econômico de forma harmônica, e a solidariedade sócio-política que embasava o ambiente positivo para sua continuidade e expansão. Uma empresa sendo tanto um ente econômico-capitalista quanto um ente social.

Constatou-se, por conseguinte o maior e mais compartilhado período de crescimento econômico da história dos Estados Unidos. Verificou-se, ainda, o enriquecimento sustentável do topo e da base da pirâmide, alimentando e conduzindo o mais unânime e solidário processo político-ideológico da sua história.

Hoje, pesquisas nos Estados Unidos ensinam que a expectativa de melhora econômica das novas gerações da classe média não mais existe como d'antes. Revelam, também que, desde os anos 80 do século passado, esta mesma classe média, anteriormente tida por celeiro do desenvolvimento nacional, pouca melhoria teve.

Nos Estados Unidos, tanto os índices de IDH (índice de desenvolvimento humano) quanto o de Gini (índice de distribuição de riqueza) vem piorando alem de constatar-se queda em longevidade da sua população. As mortes por suicídio e a dependência às drogas mostram ininterrupto acréscimo. Ainda, a deterioração da sua infraestrutura viária é objeto de séria preocupação.

Aos observadores, não parece prudente desprezar-se estes sinais evidentes de crise sócio-econômica, pois indica uma deterioração na alocação de recursos em benefício da sociedade. Até que ponto existe uma coincidência de tal deterioração com o início da influência do liberalismo extremo adotado por Ronald Reagan? Que os experts se pronunciem.

Hoje, graças, em parte, aos ensinamentos da Escola de Chicago, a mola mestra torna-se empresarial, tornando os demais segmentos político-econômicos de uma nação, como o Estado e a massa consumidora e trabalhadora em engrenagens necessárias porém subsidiárias ao ímpeto principal. Cria-se, assim, o possível desequilíbrio entre os segmentos sociais, pois não mais contam com o amalgama do consenso e da solidariedade que vigia nas décadas anteriores. Cria-se o desequilíbrio, que é nocivo, pois clama por reajuste, por sua vez gerador de instabilidade e imprevisibilidade. Gera-se, assim, grave tensão social com efeitos políticos e eleitorais.

Hoje, o que se vê é o conflito crescente, pari-passu com a crescente disparidade econômica da cidadania. Não se trata de duvidar do capitalismo mas, sim de protegê-lo contra os desvios que ameaçam a estabilidade politica e, por consequência, sua própria sobrevivência.

A crescente cartelização da atividade empresarial, aliada e resultante da tendência ao oligopólio, evidenciados pela febre de fusões e aquisições de congeneres que acentuam a concentração de sua atuação no mercado e a consequente manipulação na formação dos preços fragiliza a base teórica do capitalismo. Ainda, a sistemática compra e neutralização, pelas grandes empresas, de “start-ups” que possam tornar-se concorrentes concentra cada vez mais seu poder de precificação. Cada vez mais, vê-se o consumidor prejudicado pela redução da concorrência, assim reduzindo sua solidariedade para com o formato econômico prevalente.

A aquisição de suas própria ações, assim reduzindo a base acionária e a democratização do voto, substituindo o voto espontâneo dos pequenos acionistas pelo voto negociado com os grandes "players", permite a concentração de poder que resulta nos "Boards" das empresas concederem salários e participações bilionárias, destruindo qualquer justificação lógica e ética na relação trabalho/ganho através da pirâmide laboral.

Esta remuneração multi bilionária dos dirigentes empresariais através de bonus acentua a questão da elitização na distribuição de riqueza, onde a massa empregada é desconsiderada como merecedora de prêmio. Hoje, destituída da voz que anteriormente os sindicatos lhe concedia, o trabalhador sentir-se-a lesado na participação nos benefícios do capitalismo que teria direito de esperar.

Abstendo-se de juízo de valor, o observador é levado a concluir que a continuar a atual tendência de favorecimento na concentração econômica, ela se traduzirá pela degradação dos objetivos do capitalismo concorrencial, que tanto no consumidor, quanto no capital se erguem os seus principais pilares. As loas ao crescimento do PIB devem  ser temperadas pela constatação que somente 13% do ganho total  chega em benefício de 160 milhões de americanos enquanto 20% é apropriado aos 35 milhões mais ricos, ou 1% no cume do edifício social. Acentua-se, assim, a disparidade e a distancia que hão de gerar insatisfação e contestação futura.

Estas, e outras condições, vem prejudicando a imagem do capitalismo como instrumento de enriquecimento de toda uma nação, não apenas do topo da pirâmide. Observa-se, assim, o gradual afastamento de um sócio imprescindível ao sucesso do capitalismo, a massa trabalhadora.

Esta, afastada do processo solidário, gera, também, o problema político graças à crescente influência do “business” sobre o estamento político-democrático, este visto como cúmplice do que alguns chamam de capitalismo radical. Se assim progredir, ou involuir, o preço tornar-se-á institucional, pois a re-arrumação de poderes, em foro democrático, se fará necessária. Em outras palavras, nova e perigosa crise.

A crescente influência da mensagem "anti-establishment" de Bernard Sanders, o candidato socialista do partido Democrata norte-americano é um alerta a ser ouvido. Não terá ele condições de ganhar eleição, mas muitas de suas observações já se impregnaram no discurso do partido.

E o Brasil, terá algo a aprender?






Um comentário:

Unknown disse...

Mais didático impossível,preocupante...