domingo, 17 de dezembro de 2017

Brexit e John Bull

A primeira fase nas negociações não terminou bem para o Reino Unido. Nascido sob a égide da discordância interna e externa, o projeto que separa a ilha do Continente enfrentou uma dura realidade, ao constatar que a União Europeia pretendia jogar duro.

Contando, com a inegável excelência de sua diplomacia, Thereza May oscilava entre tranquilizar seu público, e blefar e intimidar o interlocutor. Lançou-se em inúmeras visitas às capitais europeias, promovendo extensas reuniões com os mandatários europeus, a fim de assegurar vantagens sem pagar o preço da separação. Surpreendeu-se ao constatar que “o lado de lá” via sua defecção como um sério perigo para a unidade continental. Qualquer generosidade poderia ser transformada em estímulo àqueles países propensos, ainda que de forma tênua, a abandonar a União.

Assim, gradualmente, verificou-se que o Rei estava nu, despido dos elementos suficientes para fazer valer sua vontade, pois poucas cartas tinha para superar os trunfos do estamento europeu. Para fazer face ao ultimato imposto por de Jean Claude Juncker, Presidente da União Europeia, para a finalização desta primeira fase, May,  em reunião derradeira avançando noite adentro, cedeu.

Foram três os pontos cruciais exigidos por Bruxelas, o pagamento da “conta de Divorcio, onde a Grã Bretanha deverá ressarcir a UE de seus compromissos financeiros chegando à 40 bilhões de Euros, oferecer proteção jurídica aos cidadãos europeus lá residentes, e manter a liberdade de trânsito na fronteira que separa as duas Irlandas, a republicana e a britânica.

A primeira parte das negociações pareceria, desta forma, superada. Contudo, enfraquecida pela derrota além Mancha, Thereza May encontra novo obstáculo, desta vez em seu próprio campo. Ao pretender consolidar sua posição mediante aprovação de suas tratativas, viu-se a Primeira Ministra desautorizada pelo seu próprio partido. A maioria Tory, conservadora, determinou que caberá ao Parlamento a ratificação das negociações com o Continente. Assim, o futuro politico da primeira mandatária parece comprometido, sujeito, a qualquer momento, a substituição, seja por político aliado, seja por representante da oposição.

Fica, portanto, a União Européia sem interlocutor britânico capaz de concluir as etapas de cunho comercial, imprescindíveis ao desmembramento. Por resultado instala-se uma ambiente de aguda instabilidade quanto às consequências financeiras a prevalecer no Reino Unido. Descendo a ladeira das consequências, ter-se-a, na melhor das hipóteses, a interrupção dos investimentos, e na pior, o redirecionamento daqueles já realizados, em busca de novo e estável pouso.

Vale uma meditação sobre aspectos menos concretos mas igualmente válidos. A perda do Império Britânico, vítima das duas guerras mundias, levou à busca de uma nova personalidade para a nação. A adesão à União Européia ofereceu novo formato que lhe permitisse manter uma trajetória de, não apenas crescente prosperidade mas, também, e de inegável importância para o ethos nacional, manter seu protagonismo, ainda que diluído, no palco das relações internacionais. Mas, pelo visto, não bastou.

Assim, a liderança inglesa (e não necessariamente britânica), composta em sua grande maioria por membros de uma elite habituada ao exercício centenário do poder inconteste, viu-se neutralizada e deslocada pela nova distribuição de forças e resultante redução de soberania. Desta situação resultou a improvável mas deletéria união de forças conservadoras, sofisticadas e frustradas, com àquelas populistas, esquecidas, emotivas e despreparadas. Buscam ressuscitar John Bull.(1)


1. O personagem John Bull, determinado, patriota, corajoso, foi criado no Século XVIII. Representa a Inglaterra.


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