A primeira fase nas
negociações não terminou bem para o Reino Unido. Nascido sob a
égide da discordância interna e externa, o projeto que separa a
ilha do Continente enfrentou uma dura realidade, ao constatar que a
União Europeia pretendia jogar duro.
Contando, com a
inegável excelência de sua diplomacia, Thereza May oscilava entre
tranquilizar seu público, e blefar e intimidar o interlocutor.
Lançou-se em inúmeras visitas às capitais europeias, promovendo
extensas reuniões com os mandatários europeus, a fim de assegurar
vantagens sem pagar o preço da separação. Surpreendeu-se ao
constatar que “o lado de lá” via sua defecção como um sério
perigo para a unidade continental. Qualquer generosidade poderia ser
transformada em estímulo àqueles países propensos, ainda que de forma tênua, a abandonar a União.
Assim, gradualmente,
verificou-se que o Rei estava nu, despido dos elementos suficientes
para fazer valer sua vontade, pois poucas cartas tinha para
superar os trunfos do estamento europeu. Para fazer face ao
ultimato imposto por de Jean Claude Juncker, Presidente da União
Europeia, para a finalização desta primeira fase, May, em
reunião derradeira avançando noite adentro, cedeu.
Foram três os pontos
cruciais exigidos por Bruxelas, o pagamento da “conta de Divorcio,
onde a Grã Bretanha deverá ressarcir a UE de seus compromissos
financeiros chegando à 40 bilhões de Euros, oferecer proteção
jurídica aos cidadãos europeus lá residentes, e manter a liberdade
de trânsito na fronteira que separa as duas Irlandas, a republicana
e a britânica.
A primeira parte das
negociações pareceria, desta forma, superada. Contudo, enfraquecida
pela derrota além Mancha, Thereza May encontra novo obstáculo,
desta vez em seu próprio campo. Ao pretender consolidar sua posição
mediante aprovação de suas tratativas, viu-se a Primeira Ministra
desautorizada pelo seu próprio partido. A maioria Tory,
conservadora, determinou que caberá ao Parlamento a ratificação
das negociações com o Continente. Assim, o futuro politico da
primeira mandatária parece comprometido, sujeito, a qualquer
momento, a substituição, seja por político aliado, seja por
representante da oposição.
Fica, portanto, a União
Européia sem interlocutor britânico capaz de concluir as etapas de
cunho comercial, imprescindíveis ao desmembramento. Por resultado
instala-se uma ambiente de aguda instabilidade quanto às
consequências financeiras a prevalecer no Reino Unido. Descendo a
ladeira das consequências, ter-se-a, na melhor das hipóteses, a
interrupção dos investimentos, e na pior, o redirecionamento
daqueles já realizados, em busca de novo e estável pouso.
Vale uma meditação
sobre aspectos menos concretos mas igualmente válidos. A perda do
Império Britânico, vítima das duas guerras mundias, levou à busca
de uma nova personalidade para a nação. A adesão à União Européia ofereceu novo formato que lhe permitisse manter uma
trajetória de, não apenas crescente prosperidade mas, também, e de
inegável importância para o ethos nacional, manter seu
protagonismo, ainda que diluído, no palco das relações
internacionais. Mas, pelo visto, não bastou.
Assim, a liderança
inglesa (e não necessariamente britânica), composta em sua grande
maioria por membros de uma elite habituada ao exercício centenário
do poder inconteste, viu-se neutralizada e deslocada pela nova
distribuição de forças e resultante redução de soberania. Desta
situação resultou a improvável mas deletéria união de forças
conservadoras, sofisticadas e frustradas, com àquelas populistas,
esquecidas, emotivas e despreparadas. Buscam ressuscitar John Bull.(1)
1. O personagem John Bull, determinado, patriota, corajoso, foi criado no Século XVIII. Representa a Inglaterra.
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