Talvez seja justo dizer-se que os referenciais que hoje pautam a vida da sociedade brasileira distanciam-se acentuadamente d'aquelas que orientavam as gerações passadas.
A partir do término da Segunda Guerra Mundial
observa-se o retrocesso da cultura europeia que guiava o Brasil
letrado. Por exemplo, têm-se a francesa no Rio de Janeiro, a
italiana em São Paulo, a germânica no Sul do Brasil que, mixada coma
cultura portuguesa, determinava os valores que emanavam de suas elites.
Estas preferencias comportamentais
naturalmente refletiam-se nas instituições que regiam o país, sob
o comando destas elites. Estas fluíam para o povo, através da igreja, da família, da acadêmia, das artes e meios de comunicação que moldavam a juventude nacional.
Mas que referenciais seriam estes? A
influência da igreja Católica e do conceito de Família formavam a
base sobre a qual as elites se sustentavam; constituíam o referencial
que guiava a sociedade. Da Igreja provinha o código moral que
impunha o conceito do bem comum e da generosidade social; da Família
decorria o conceito de honorabilidade e respeitabilidade, elementos
importantes na ascensão social, por lenta que fosse. Tal constatação
não pretende sugerir que a desonestidade não existisse; longe
disto, porém, o comportamento ostensivamente honesto era exigido e permitia uma continuidade sem arestas no convívio social. Este era
refratário à disseminação do comportamento”esperto”, versão
atenuada da desonestidade, e a sua evidenciação levava à rejeição.
Ainda, a restrita população nos
grandes centros demográficos acentuava a relação próxima que
existia dentre os membros das diversas classes que compunham a
sociedade, revelando a todos os desvios comportamentais. Tais
desvios tenderiam a penalizar socialmente, quando não repudiar o
faltoso.
Já, a partir do término da II Guerra
Mundial, sob influência da vitoriosa América do Norte, incia-se o
processo de transformação da base cultural da sociedade brasileira.
Turbinada pela vitória do continente novo sobre o antigo, a expansão
da influência norte americana é avassaladora. Impulsionada pelas
forças gêmeas do comércio e da cultura, novos parâmetros se
instalam gradativamente no Brasil.
O Deus Caridoso, que recomendava a
humildade econômica e desencorajava o escancaramento da riqueza (com
exceção de sua própria) foi paulatinamente substituído pelo Deus |Argentário recém importado, que, por sua vez, santifica o sucesso
financeiro ao oferecer-lhe o reconhecimento divino.
A expansão
demográfica, a alfabetização geral, a melhoria da saúde pública
e das condições econômicas, a expansão dos meios de comunicação
resultam em extraordinária mobilidade social, dilui a influência,
ao longo do caminho, da sociedade “tradicional”. Esta, agora
vista como estreita e rígida, é substituída por uma nova, de
extremo dinamismo onde a riqueza explícita torna-se o principal
índice de sucesso e aceitação. Forma-se assim um novo referencial
de validação social, tornando inevitável a diluição da ética.
Ao fixar-se este
novo referencial, as elites antes tidas por responsáveis pela nação,
como preço devido pelo poder exercido, veem-se obrigada a abrir as
portas da política para o ingresso dos novos contingentes,
impulsionados pela enorme expansão do eleitorado e pela crescente monetização do processo. Dentre eles, muitos chegam ao topo da pirâmide, desprezam as limitações impostas pela ética,
por ser inibidora de seu sucesso, absolvidos que são pela fortuna
conquistada.
Neste processo, o
conceito tempo altera-se. A visão política anteriormente predominante era de
estender o presente, que a favorecia, pelo futuro afora. Assim
atenderia aos interesses da sociedade então dominante, temente de
alterações estruturais que colocassem em risco a sua
predominância. Inversamente, a nova sociedade vê na renovação de
conceitos, estruturas e instituições o continuo surgimento de
oportunidades de enriquecimento, rejeitando tudo aquilo que impeça sua progressão.
Assim, a letárgica
economia característica do Brasil na primeira metade do Século XX
vê-se sobrepujada pela vibrante economia industrial-financeira-virtual dos
dias de hoje, que demanda inovação e continua adaptação, não
apenas de procedimentos mas, também, de novo referencial que
permitam o contínuo ímpeto em direção à prosperidade material.
Dentre as vítimas desta modernização sossobra o rigor ético que
outrora servia de escudo para a sociedade ora em vias de
sepultamento.
Inverte-se, assim,
a visão temporal da nova elite, uma vez que a aceleração do
processo decisório imposto pelo novo quadro econômico encurta o
horizonte de previsibilidade, assim priorizando as decisões de curto
prazo, ambiente prevalente e contaminante quando da escolha das
prioridades públicas.
A evidencia, hoje,
de legislação e decretos em benefício próprio, bem reflete o
açodamento da prática política, pois não só a riqueza é
venerada, mas a pressa para atingi-la é acelerada, rompendo-se,
para tal, as barreira éticas que impeçam este objetivo.
Voltar ao passado não é possível nem
conveniente. Contudo, a perda de referência ética tornar-se-á uma
corrosão permanente dos projetos erguidos sobre fundações falsas,
cuja ruína é inevitável. A desonestidade endêmica, hoje evidente,
corrompe o poder político que, por sua vez, conduz a nação ao caos
administrativo, à discórdia dentre as classes da sociedade, ao
esgarçamento da Família, à desmoralização internacional. Triste
Brasil.
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