domingo, 3 de setembro de 2017

Um novo referencial



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Talvez seja justo dizer-se que os referenciais que hoje pautam a vida da sociedade brasileira distanciam-se acentuadamente d'aquelas que orientavam as gerações passadas.

A partir do término da Segunda Guerra Mundial observa-se o retrocesso da cultura europeia que guiava o Brasil letrado. Por exemplo, têm-se a francesa no Rio de Janeiro, a italiana em São Paulo, a germânica no Sul do Brasil que, mixada coma cultura portuguesa, determinava os valores que emanavam de suas elites.

Estas preferencias comportamentais naturalmente refletiam-se nas instituições que regiam o país, sob o comando destas elites. Estas fluíam para o povo, através da igreja, da família, da acadêmia, das artes e meios de comunicação que moldavam a juventude nacional.

Mas que referenciais seriam estes? A influência da igreja Católica e do conceito de Família formavam a base sobre a qual as elites se sustentavam; constituíam o referencial que guiava a sociedade. Da Igreja provinha o código moral que impunha o conceito do bem comum e da generosidade social; da Família decorria o conceito de honorabilidade e respeitabilidade, elementos importantes na ascensão social, por lenta que fosse. Tal constatação não pretende sugerir que a desonestidade não existisse; longe disto, porém, o comportamento ostensivamente honesto era exigido e permitia uma continuidade sem arestas no convívio social. Este era refratário à disseminação do comportamento”esperto”, versão atenuada da desonestidade, e a sua evidenciação levava à rejeição.

Ainda, a restrita população nos grandes centros demográficos acentuava a relação próxima que existia dentre os membros das diversas classes que compunham a sociedade, revelando a todos os desvios comportamentais. Tais desvios tenderiam a penalizar socialmente, quando não repudiar o faltoso.

Já, a partir do término da II Guerra Mundial, sob influência da vitoriosa América do Norte, incia-se o processo de transformação da base cultural da sociedade brasileira. Turbinada pela vitória do continente novo sobre o antigo, a expansão da influência norte americana é avassaladora. Impulsionada pelas forças gêmeas do comércio e da cultura, novos parâmetros se instalam gradativamente no Brasil.

O Deus Caridoso, que recomendava a humildade econômica e desencorajava o escancaramento da riqueza (com exceção de sua própria) foi paulatinamente substituído pelo Deus |Argentário recém importado, que, por sua vez, santifica o sucesso financeiro ao oferecer-lhe o reconhecimento divino.

A expansão demográfica, a alfabetização geral, a melhoria da saúde pública e das condições econômicas, a expansão dos meios de comunicação resultam em extraordinária mobilidade social, dilui a influência, ao longo do caminho, da sociedade “tradicional”. Esta, agora vista como estreita e rígida, é substituída por uma nova, de extremo dinamismo onde a riqueza explícita torna-se o principal índice de sucesso e aceitação. Forma-se assim um novo referencial de validação social, tornando inevitável a diluição da ética.

Ao fixar-se este novo referencial, as elites antes tidas por responsáveis pela nação, como preço devido pelo poder exercido, veem-se obrigada a abrir as portas da política para o ingresso dos novos contingentes, impulsionados pela enorme expansão do eleitorado e pela crescente monetização do processo. Dentre eles, muitos chegam ao topo da pirâmide, desprezam as limitações impostas pela ética, por ser inibidora de seu sucesso, absolvidos que são pela fortuna conquistada.

Neste processo, o conceito tempo altera-se. A visão política anteriormente predominante era de estender o presente, que a favorecia, pelo futuro afora. Assim atenderia aos interesses da sociedade então dominante, temente de alterações estruturais que colocassem em risco a sua predominância. Inversamente, a nova sociedade vê na renovação de conceitos, estruturas e instituições o continuo surgimento de oportunidades de enriquecimento, rejeitando tudo aquilo que impeça sua progressão.

Assim, a letárgica economia característica do Brasil na primeira metade do Século XX vê-se sobrepujada pela vibrante economia industrial-financeira-virtual dos dias de hoje, que demanda inovação e continua adaptação, não apenas de procedimentos mas, também, de novo referencial que permitam o contínuo ímpeto em direção à prosperidade material. Dentre as vítimas desta modernização sossobra o rigor ético que outrora servia de escudo para a sociedade ora em vias de sepultamento.

Inverte-se, assim, a visão temporal da nova elite, uma vez que a aceleração do processo decisório imposto pelo novo quadro econômico encurta o horizonte de previsibilidade, assim priorizando as decisões de curto prazo, ambiente prevalente e contaminante quando da escolha das prioridades públicas.

A evidencia, hoje, de legislação e decretos em benefício próprio, bem reflete o açodamento da prática política, pois não só a riqueza é venerada, mas a pressa para atingi-la é acelerada, rompendo-se, para tal, as barreira éticas que impeçam este objetivo. 

Voltar ao passado não é possível nem conveniente. Contudo, a perda de referência ética tornar-se-á uma corrosão permanente dos projetos erguidos sobre fundações falsas, cuja ruína é inevitável. A desonestidade endêmica, hoje evidente, corrompe o poder político que, por sua vez, conduz a nação ao caos administrativo, à discórdia dentre as classes da sociedade, ao esgarçamento da Família, à desmoralização internacional. Triste Brasil.


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