O
Século XXI promete uma profunda mudança no quadro da geopolítica,
onde protagonistas desaparecem ou cedem espaço a potências
recém-chegadas, redesenhando antigas formações.
Foi
gradual dissolução do Império Britânico, onde o Sol jamais se
punha, sob cuja bandeira imperava a Pax Britânica em mundo dominado
por uma só potência. Sua derrocada iniciou-se em agosto de 1914, ao
deflagrar um conflito que iria arruinar a Grã Bretanha e sacrificar
no altar de Marte a sua jovem elite, o seu futuro. O desastrado
Tratado de Versalhes encerrou o primeiro capítulo deste relato,
reiniciado em setembro de 1939 por uma Alemanha ávida de vingança.
O término da segunda. Guerra Mundial soa como se réquiem fosse, e o
enterro dá-se quando da entrega à Índia das chaves de sua
independência. Rui, assim, o mais poderoso império desde os tempos
Romanos.
Seguiu-lhe
o Império Francês, exaurido, também, pela guerra recém-finda. A
derrota no vale vietnamita de Diem Bien Fu prenuncia sua extinção,
efetivada quando do abandono da Argélia.
Duas
potências, as vencedoras do segundo conflito mundial, preencheram o
vácuo deixado por Ingleses e Franceses. Os dois vitoriosos, os
Estados Unidos entronizado como líder do Ocidente
Cristão-Capitalista e a União Soviética, Ateu-Socialista,
herdeira das terras do Leste Europeu e da Ásia, compartilharam o
planeta.
O
conflito entre os dois polos, que parecia iminente e cujas
consequências apontavam para novo morticínio e destruição, foi
evitado por um fator tecnológico: a Bomba Nuclear. Somente a
perspectiva de Armagedon (1) salvou a humanidade de
mais uma catástrofe humanitária. O conceito de MAD (2) reconhecido
pelas partes, impos limites ao contencioso. Assim, a Pax Britânica
teve por sucessora a Pax Nuclei.
Hoje,
neste Século XXI, o mundo exibe nova conformação que se inicia
pelo colapso financeiro da União Soviética, assim derrubando o
edifício da Internacional Socialista. Tomba, também o equilíbrio
bi-polar até então reinante.
Assim,
os Estados Unidos da América , no apagar das luzes do Século XX,
assume o manto soberano de líder inconteste. Inebriado pelo hubris
de sua singularidade, os Estados Unidos se lançam em guerras
impopulares junto à seus aliados, onde o enorme custo financeiro e
em vidas não atingem seus objetivos de pacificação e submissão.
No Oriente Médio e Próximo, prolongam-se por décadas as
guerras(3), em combate intermitente e vitória fugidia. Por
consequência expande-se e internacionaliza-se o terrorismo
confrontando Washington com enigma indecifrável. Â este cenário
sombrio junta-se, hoje, a petulância desafiadora da Coreia do Norte,
sem que o jejuno Donald Trump pareça capaz de compreender a
complexidade de sua situação. Por resultado, dissemina-se uma
imagem de incapacidade diplomática e hesitação militar.
Apesar
de seu inigualável poder bélico, constata-se uma redução do poder
político de Washington no cenário internacional, deixando um vazio
a ser preenchido pela consolidação de novos blocos cuja influência
nos destinos do planeta se torna evidente.
O
bloco formado pelas União Européia, com seus 400 milhões de
habitantes, um PIB próximo à 16 trilhões de dólares e uma
extensão de 4 milhões de km2 apresenta uma massa político-econômica
de inconteste relevância internacional. Tanto Angela Merkel quanto
Emmanuel Macron já manifestaram suas preocupações quanto a
atrelamento da Europa face à crescente insegurança gerada pela
indecisa e variável política externa norte-americana. Defendem, com
propriedade, acentuar o rumo independente, inclusive no que toca a
futura estruturação militar do continente.
A
ascensão da China, tanto econômica quanto política e militar, se
embasa em população que excede 1,3 bilhões de habitantes, um PIB
acima de 6 trilhões de dólares e um território de 9,5 milhões de
km2. Suas forças armadas e capacidade termonuclear inspiram o
respeito suficiente para não curvar-se perante pressões externas,
assim preservando sua capacidade de iniciativa internacional. Sua
influência econômica na região é crescente, mediante instrumentos
financeiros e comerciais tais como a China-Asean, expandindo, ainda,
sua presença militar na região às expensas do status
norte-americano. Ainda, projetos ambiciosos tal qual a nova Rota da
Seda em direção à Europa demonstra a audácia e a técnica na
conquista de novos mercados, tornando mútuos os interesses criados.
Já
a Rússia se apresenta como um quarto bloco. Herdeira empobrecida do venerável Império Russo, depois Soviético, e apesar de seu modesto
PIB abaixo de 2 trilhões de dólares, e uma pequena população de
145 milhões, o país é o mais extenso do planeta com seus 17
milhões de km2, possui moderno arsenal nuclear e convencional que a
torna relevante nas questões internacionais. Sua recente absorção
da Crimeia como contraponto à expansão da OTAN e sua eficaz
intervenção na Síria em favor do governo Bashar Assad, revela excepcional
habilidade de planejamento e execução político-militar. Nesta
área, observa-se sua aproximação com a Turquia, apesar de ser ela
membro da OTAN porém descontente com o apoio norte-americano aos
separatistas Curdos. Ainda, a aproximação de Moscou a Teerã
reforça o eixo Xiita que inclui o Iraque e a Síria, em oposição
aos interesses dos Estados Unidos, próximos aos governos Sunitas da
região, estes sob o comando da Arábia Saudita.
Essa
nova conformação internacional exigirá crescente habilidade e
cautela dos Blocos no trato dos interesses conflitantes e
disseminados mundo afora. A busca por mercados preferenciais e
influências militares será intensa, o que poderá beneficiar países
como o Brasil, já que tal pluralidade lhe oferece o benefício da
concorrência por vantagens, sejam políticas, sejam comerciais.
Contudo,
no que tange a segurança nacional, a proximidade cultural e
geográfica e militar deverá
garantir uma relação estável Brasília-Washington, porém
permitindo ao Itamaraty um campo de negociações mais amplo e
vantajoso.
(1)
A batalha final entre Deus e os pecadores
(2) Mutual assured destruction ou Destruição mútua assegurada
(2) Mutual assured destruction ou Destruição mútua assegurada
(3) Cumpre 15 anos a guerra no
Afeganistão
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