Morre o líder
cubano. Para compreender Fidel Castro é forçoso compreender as
circunstâncias que predominavam quando empreendeu sua notável
aventura. Tempos que começaram quando ainda existia uma pletora de
ditadores sanguinários numa América Central e Caribe, onde o leit
motif era
a subserviência das ditaduras aos Estados Unidos.
Para
manter seu poder, estes tiranos não hesitavam
em matar e torturar. Triste é a memória de Batista, Trujillo,
Somoza e outros chefetes, todos implacáveis e gratos pelo poder
recebido de Washington.
Este
cenário, lido hoje, parece texto de propaganda anti-americana,
saíidos dos subterrâneos da Guerra Fria; contudo, um estudo mais
aprofundado dirá que esta é uma descrição imparcial e objetiva da
realidade política que imperava naquele rincão do planeta.
Ao
brasileiro, filho cultural de uma nação continental, historicamente
soberana, resguardada pelas suas dimensões física e demográfica,
difícil será compreender o sentimento constrito e restrito da
realidade política imposta à juventude cubana, contida no estreito
corredor centro americano e nas ilhas caribenhas. Dentre estes
jovens estava Fidel Castro.
Talvez
justo será avaliar sua trajetória dividindo-a em três partes: a
cubana, a latino americana e a internacional.
A
dimensão cubana.
Nos anos
'50, Cuba estava plenamente inserida neste contexto neo-colonial. O
embaixador norte americano preservava sua condiçao de arbiter
maximus, recebendo em seu gabinete os principais contenciosos e
dele despachando suas decisões. O fato de Cuba somente ter obtido
sua efetiva independência em 1940 (e não quando da derrota da
Espanha), graças à revogação do Platt Agreement(1),
mediante o qual os Estados Unidos reservava para si o direito de
intervir política e militarmente em Cuba
(2),
este não veio alterar a realidade de poder, onde Washington mantinha
seu poder de decisão e veto.
Em
contrapartida os Estados Unidos absorviam toda a produção de açúcar
da ilha a preços especialmente favoráveis e injetavam importantes
capitais na industria açucareira e no turismo.
Fidel, não
diferente dos demais estudantes de sua época, era ferrenho opositor
da ditadura de Batista, esta incapaz de melhorar as condições da
grande maioria da população, cúmplice na prostituição da
política e dos costumes na capital . O diferenciava sua notável
energia e disposição à ação, não se intimidando com o alto risco
de seus projetos. O assalto ao quartel de Moncada o designava como
líder nato. Anos depois, desembarca no oriente da ilha e embrenha-se
na Serra Maestra. Em 1 de janeiro, 1959 derrota o exército de
Batista e assume o poder.
Seguiu-se
a etapa da vingança tão ao gosto de culturas hispânicas, quando os
“esbirros” de Batistas foram levados ao “paredon”. A seguir
iniciou-se o processo de ajuste econômico aos moldes crescentemente
socializantes. Dá-se o grande êxodo da classe média cubana em
direção à Miami, espoliada pelas determinações leoninas de um
estado cada vez mais totalitário e anti-capitalista. Enfrenta o
repudio e o resultante cerco econômico norte-americano. Inicia-se o
embargo.
Recorrendo
à força Washington determina e dá à CIA a missão de executar a
invasão da Praia dos Porcos, onde o contingente de exilados cubanos
são facilmente derrotados pelas forças de Fidel. Longe de
estimular uma concomitante rebelião na ilha, sua retaguarda
permaneceu defendida por uma população que surpreendeu pela
fidelidade.
Reforma e
populariza a estrutura educacional e da saúde. Estatiza a economia e
a produção agrícola. Torna Cuba comunista. Em 2014 Cuba se coloca
no 5 lugar no IDH na America Latina, significativamente acima dos
gigantes Brasil e México. Contudo suprime as liberdades, tanto
políticas quanto econômicas, manietando o cidadão com as algemas
de uma unanimidade imposta.
Morto
Fidel Castro, não será ele esquecido pelos cubanos, nem seus
inimigos nem seus seguidores. Manteve a independência do país
apesar de enormes desafios, inclusive contra sua vida. Para um jovem
nascido em 1926, numa Cuba ainda sob o manto colonial
norte-americano deu um enorme passo na efetivação da independência
da ilha caribenha, assegurando seu nome na história da nação.
A
dimensão Latino Americana
Em sua
política para a América Latina, Fidel Castro revelou a
incontinência de seu egocentrismo. Ignorando as idiossincrasias do
continente Latino Americano, as diferenças culturais e sociais
naqueles países. Pecou por uma generalização fundada no
desconhecimento geo-político da região.
Vencedor,
pensou poder alastrar sua rebelião por entre países com
características históricas, políticas, sócio-econômicas muito
distintas das de Cuba. À sua mensagem revolucionária opôs-se uma
classe média poderosa na qual as forças armadas se inseriam.
Ainda
assim, a mensagem esquerdista criou raízes nas grandes nações
sul-americanas; Goulart no Brasil, Allende no Chile, Illia na
Argentina, os Tupamaros no Uruguay emergiram ou fortaleceram-se.
Foram, porém, prontamente neutralizados, seguindo-se ditaduras
militares de variada intensidade, cabendo ao Brasil a mais tênue
delas. Todas com o apoio de Washington. Dentre elas, a mais
emblemática e desastrada, foi a aventura mal sucedida de Che Guevara
na Bolívia.
Terminada
esta fase, iniciou-se, décadas depois, já não mais sob influência
direta cubana, nova etapa de radicalização ideológica, onde sob a
preponderância de Chávez seguiram-se países como a Argentina, o Equador, Bolívia
e Nicarágua e, por pouco, o próprio Brasil.
Na
América Latina a imagem de Fidel Castro, execrada nas elites, tem
fervoroso apoio na juventude estudantil. Nem
a passagem do tempo nem a perene penúria
das classes desfavorecidas permitiram que
seu nome fosse esquecido. Seu símbolo ainda é capaz de influir no
universo político das Américas.
Dimensão Internacional
Fidel se
projetou muito além das fronteiras Caribenhas. Inicialmente levou
sua pequena ilha à uma independência que nunca dantes teve. Ao
escolher o socialismo radical não soube evitar a punição dos
Estados Unidos. Porém soube evitar o fim que coube o chileno Allende
em sua malfadada tentativa.
Sua
relutância a curvar-se às determinações de Washington deram
início a uma sequência de retaliações comerciais, econômicas,
jurídicas e, por fim militares. Sobreveio, então o embargo
norte-americano que, indiretamente, tolhia as opções comerciais com
os demais países.
Este
contencioso, ao cortar os meios de sobrevivência econômica de Cuba,
levou-a à opção comunista e a aliança com a União Soviética.
Por momentos, Cuba tornou-se a mais valiosa peça no xadrez disputado
com Washington. Moscou, ao colocar seus mísseis em Cuba pôde
barganhar a retirada dos misseis norte-americanos na Turquia,
posicionamento que lhe ameaçava diretamente. Ainda, como preço pela
retirada de seus mísseis, Nikita Krushev impôs à John Kennedy o
compromisso de não intervir militarmente na ilha caribenha.
Do ângulo
econômico, o relacionamento com a União Soviética desatou as
amarras que continham a sobrevivência cubana, sobressaindo o
fornecimento de petróleo russo em troca de açúcar cubano. Já nos
anos '90, a derrubada do império Soviético e o estancamento da
ajuda à Cuba trouxe novas e relevantes dificuldades ao governo
Castro até a superveniência do governo venezuelano e o fornecimento
favorecido de petróleo.
Já,
quanto a sua imagem internacional, Fidel despontou sobre dois ângulos
distintos mas intrelaçados. Esta, pelo imaginário que prevaleceu,
superou, abafou e quase anulou a outra imagem que precedeu às
demais, aquela de um líder cruel e absolutista.
A
eliminação da miséria, a implantação da educação universal, e
o provimento de saúde a todos os níveis sociais, ainda que contidos
dentro de um quadro de pobreza endêmica, capturou a imaginação da
elite intelectual e da juventude nos mais distantes rincões do
planeta.
Ainda,
Fidel vestido em frágil armadura quixotesca enfrentando o colossal
adversário, gerou solidariedade em todos que observaram, ao longo da
história, as muitas ações impositivas e, por vezes mal pensadas
que emanaram de Washington.
Digno de
nota foi a incursão do
exército cubano em Angola, em torno de
1975, onde seus efetivos chegaram a 25.000
soldados equipados com armas modernas de proveniência soviética. Em
apoio ao governo de Luanda, as forças cubanas contiveram a ofensiva
CIA-Sul Africana (3)
chegando esta às portas da capital para em seguida derrotarem-nas em
contra ofensiva. Tal feito d'armas deu à Fidel e seu exército a
pátina de heroísmo que ainda persiste em muitas mentes.
No
ocaso de seu governo Fidel Castro ainda mereceu solidariedade de
governos e respeito, quando não admiração, dos mais diversos
quadrantes. Contudo não conseguiu apagar, em muitos meios
relevantes, o grande ódio criado pelo sangue friamente derramado ao
despertar da revolução de 26 de Julho e o autoritarismo implacável
que se seguiu.
1) Concedia
ainda, ad perpetuum, a base naval de Guantânamo
2) Exercido
em 1906
3) Cuban
Intervention in Angola
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