São
inúmeras as variáveis que desafiam o presidente eleito Donald Trump.
Prevalecerá a lei da inércia? Talvez mais do mesmo, com variações?
Porém, o novo presidente terá por prioridade redefinir quais as
políticas necessárias para com a Rússia e a China. Tal se impõe
uma vez que nestes dois contenciosos residem as ameaças à segurança
dos Estados Unidos.
É
provável que os aliados continuarão os mesmos. Já os “inimigos”
talvez sim, talvez não. China, Rússia, em que posição estarão
no tabuleiro da geo política? E porque seriam inimigos?
Anteriormente,
a Rússia post soviética mantinha relações cordiais e
construtivas, tanto com os Estados Unidos quanto com a Europa.
Diversos acordos comerciais permitiram o abastecimento de petróleo
russo para as nações europeias. Estas relações, no entanto,
foram gradativamente esgarçadas na medida que Washington determinava
a expansão da OTAN a aproximar-se das fronteiras russas. Foram
diversas e infrutíferas as negociações para a contenção de tal
envolvimento uma vez que Moscou sentia-se cercada por uma aliança
que originara para proteger o continente da ameaça Soviética. O
desmantelamento da OTAN, prometido por James Baker, seria a
contrapartida do, há muito extinto, Pacto de Varsóvia.
Seguiu-se,
em 2008, a tentativa de cooptação da Georgia para ingresso na OTAN
pelo governo Bush, assim comprovando as preocupações russas. Como
reflexo a estímulos norte-americanos no aparelhamento do exército da
ex república soviética banhada pelo Mar Negro, decidiu o presidente
Miguel Saakashvili atacar a república de Ossetia, apesar da força
de paz formada por soldados georgianos e russos. Constatando o
iminente perigo à república de Ossetia, Moscou reagiu, derrotando
prontamente o exército da Georgia.
Quando da
instauração do governo Obama em 2009, em implícito reconhecimento
da desastrada empreitada georgiana, estimulada pelo governo Bush, o
novo presidente instruiu Hillary Clinton a restabelecer boas relações
com Moscou (1).
Em 2014, o
Departamento de Estado sob Hillary Clinton, enviou a Under Secretary
of State, Vitória Nuland a Kiev, capital da Ucrânia (2),
já no auge dos distúrbios, para colocar-se em sintonia com o
movimento pro UE que resultaria no golpe de estado que deporia o
presidente recém eleito Viktor Ianukovitch. Este, apesar de
inicicialmente apoiar a integração com a União Européia,
retrocedeu, ao considerar a proposta do Kremlin mais apropriada para
fazer face às dificuldades financeiras do país. Deposto Ianukovitch,
sem que houvesse quorum parlamentar para tal, assumiu a presidência
Petro Poroshenko, alinhado aos interesses de Washington. Seguindo o
roteiro, o novo governo anunciou pretender integrar-se à OTAN e
proibir o uso da língua russa, até então a segunda língua
oficial do país. Cessara, assim, de existir o “estado tampão”
ou um “filtro” entre dois blocos militarizados.
Face ao
que considerou perigo real à segurança da nação russa, esta
incorporou a Crimeia, outrora sua província, mediante plebiscito, e
apoiou, com armas e “voluntários”, o movimento separatista no
leste da Ucrânia.
O impasse
resultou no Protocolo de Minsk, assinado em 2014 pela Rússia,
Ucrânia, pelas repúblicas separatistas do Leste (Donbass) e pela OSCE (3).
O tratado foi aprovado pelos Estados Unidos e Alemanha. Determina a
cessação das hostilidades e acorda-se concessão de limitada
autonomia para a região rebelde de Donbass. Até o momento Kiev tem
sido incapaz de cumprir sua parte, ainda que os combates tenham
cessado. Apesar de Washington exercer indiscutível influência sobre
o governo da Ucrânia, este tem se recusado a atender os termos do
tratado (4).
Uma análise perfunctória dos elementos pertinentes parece validar a tese de que a Rússia não abriga pretensões expansionistas (5). Não possui o poderio para tal. Contrariamente à outrora União Soviética, a Rússia não mais tem o poder militar para fazê-lo. Demonstrou só militarmente quando provocada, retaliando de forma a garantir sua segurança.
Hoje a
Rússia se encontra em módulo defensivo, ameaçada pela expansão da
OTAN à Oeste e pelo leviatã demográfico chinês à Leste. Sua
atuação na Síria se insere neste quadro tendo o duplo objetivo de
garantir sua base naval no Mediterrâneo e como diversão de energias
militares contrarias.
Os Estados
Unidos devem avaliar a conveniência de cooptar a Rússia uma vez que
esta tem a conformação de um “swing state” geo-político. O
bloco que receber a Rússia terá ganhos substanciais. Por outro
lado, uma Rússia neutra concentrada na sua prosperidade econômica
traria consigo uma forte queda de tensões internacionais. Por outro
lado, se acuada por política agressiva sua inclinação para China
trará perigos até hoje insuspeitos para a paz mundial.
Retirada a
ameaça à Rússia não será difícil restabelecer um dialogo
construtivo com Moscou ainda que uma aliança parece fora e questão.
Contudo, os interesses comuns são consideráveis;
- A presença de uma Rússia amiga ao norte da China oferece consideráveis vantagens estratégicas aos Estados Unidos
- Aos Estados Unidos não interessaria movimentos chineses na direção da Sibéria
- A Rússia é natural aliada no combate ao terrorismo, sendo ela vulnerável, interna e externamente, às consideráveis populações islâmicas ao seu redor.
- A Rússia pode suprir a Europa de suas necessidades de petróleo bem como de outras matérias primas
- A Rússia oferece um generoso mercado de consumo para produtos europeus e norte-americanos
- Oferece, ainda, extensa e variável oportunidades de investimento visto a imensidão de seu território.
Inversamente,
o alto risco de ter tanto Moscou como Pequim como potenciais
inimigos, podendo ultrapassar os limites da mera desavença
politico-comercial, deve ser cuidadosamente pesado. Tanto um quanto o
outro possuem devastador arsenal nuclear e a capacidade de colocá-lo
no alvo desejado. Ambos tem moderníssima capacidade digital e
cibernética, exércitos altamente treinados, armamento moderno ainda
que inferior ao norte-americano. Ambos tem um longa história de
conflito em suas próprias terras; seus povos aguerridos e
resilientes. Não são inimigos quaisquer.
A
persistir o atual cenário, identificada a Rússia como principal
adversário, cumpre examinar-se as opções defensivas que restam à
Moscou. À qualquer ação em suas fronteiras tida por atentatória à
sua segurança deve-se esperar robusto contra-ataque, ainda que
localizado. Tal reação poderá resultar em incontrolável escalada
de sucessivas retaliações.
Hoje
Rússia e China compartilham diversos programas de interesse mútuo,
tanto a área comercial, científica, como na militar. Contudo não
são politicamente aliadas, cada qual seguindo seus interesses de
forma autônoma. Qual a probabilidade de virem a Rússia e a China
aliarem-se contra o inimigo comum? Este cenário traria de volta uma
guerra fria em proporções gigantescas, certamente indesejado pelo
Ocidente.
Em caso
extremo, possível porém improvável, qual a consequência de vir a
China ter preferência no acesso preferencial à maior produção de
petróleo do mundo, e às mais variadas matérias-primas que a Sibéria
oferece? Qual seria a vulnerabilidade da Europa caso as divisões
russas mesclassem-se com as hordas chinesas?
Partindo
da hipótese que a China, com seu inigualável peso específico,
habitado por bilhão e meio de cidadãos, dono de enorme e crescente
poder comercial e militar, não abandonará sua opção de expansão
comercial e extrativa de matérias primas (o que não ocorre com a
Rússia) e não conterá a expansão de seu poder militar garantidor
de tal expansão.
O tratado
comercial ASEAN, instituído por Pequim como resposta ao Trans Pacific Partnership TPP
norte-americano, vem recebendo crescente adesão de países banhados
pelo Pacífico, apesar da oposição ativa dos Estados Unidos. Tal
tendência deverá acentuar-se caso a TPP seja
desativada por Donald Trump.
Estas
condições estão prenhas de crescente tensão que poderá tornar
provável o curso de colisão entre as duas maiores economias do
planeta. Ainda que não signifique conflito armado, a consequência
de tal fricção será um ambiente internacional sujeito à latente
volatilidade. Aliados, Russia e China tornar-se-iam um pesadelo para
Washington.
Já, a
cooptação da Rússia pelo Ocidente é factível, graças à sua
extrema vulnerabilidade geográfica e demográfica, desde que dentro
de um quadro de respeito mútuo e inviolabilidade de suas fronteiras.
O primeiro, e talvez o único passo necessário para atingir-se este
objetivo será o de manter a OTAN afastada das fronteiras russas
assim como não caberia à Rússia estabelecer bases nas Américas (6)
Cumpre aos
Estados Unidos repensar quais das duas hipóteses é mais favorável.
Ter a Rússia por inimiga ou encontrar o caminho de convergência?
(1)
Reset with Russia, em 2009. Restabelecimento de
boas relações.
(2) “On
the 11th December, when we had US Assistant Secretary of
State Victoria Nuland and EU diplomat Catherine Ashton in Kiev,
during the night they stormed the Maidan.” (entrevista concedida
pelo presidente Petro Poroshenko sobre a rebelião)
(3)
OSCE Organization for Security and Cooperation in Europe.
(4)
O parlamento ucraniano revogou, unilateralmente, medidas contempladas
pelo Protocolo.
(5)Vide
no Blog do Pedro da Cunha, coluna intitulada “Hillary, Putin e as
eleições” de 11 de setembro de 2016
(6)
Vide reação às bases Soviéticas em Cuba.
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