terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O consumismo energético

Seguindo uma política de valorização deste Blog, publicamos, a seguir, importante mensagem do cientista Joaquim Francisco de Carvalho




A Terra é um raro (talvez único) objeto existente no cosmos, que abriga milhões de organismos vivos, que interferem significativamente nos fluxos superficiais de matéria e energia e promovem uma regulação fina da delgada camada (a biosfera) que há cerca de 540 milhões de anos se mantém em condições climáticas relativamente estáveis, que sustentam a vida.
Entretanto, já há algumas décadas, ficou claro que o clima mundial está mudando rapidamente, na direção de um aquecimento global.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2015, as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa alcançaram o nível mais elevado dos últimos 800 mil anos. A temperatura média na superfície da Terra e sobre os oceanos aumentou 0,85ºC entre 1880 e 2012.
Com um aquecimento dessa rapidez, a humanidade tem pouco tempo para evitar que o aumento global da temperatura ultrapasse o limite de 2ºC, como ficou acertado na COP-21, em Paris, em dezembro passado, mesmo que este já seja um limite arriscado para estancar-se o aquecimento global.
Diante da gravidade desses problemas, torna-se urgente planejar e pôr em prática medidas destinadas a limitar os impactos das atividades humanas sobre a biosfera.
O primeiro obstáculo para pôr em prática as medidas sugeridas na COP-21 está na própria ambição universal inerente à condição humana, de maximizar a utilidade presente, ou seja, a  voracidade do homem por  ganhos imediatos. De fato, em última análise, as mudanças climáticas são provocadas pela exploração e uso de combustíveis fósseis que, por serem lucrativos em curto prazo, são mais empregados, embora agravem o efeito estufa.
Outro grande obstáculo é de caráter cultural, resultante dos muitos milhares de anos em que a humanidade vem subjugando a natureza, à procura de fontes de energia que lhe tragam mais conforto material.
As primeiras civilizações só apareceram de fato com a cultura irrigada de cereais, há cerca de 6.000 anos, na Mesopotâmia, tendo como fonte de energia a força muscular, complementada pela energia cinética dos cursos de água, além da tração animal e da lenha. O fogo já era usado, de forma controlada.
Na Ucrânia, há mais de 4.000 anos, o emprego de cavalos para tração e montaria viabilizou o transporte de alimentos e madeira de regiões distantes, permitindo que a lenha pudesse ser usada como fonte regular de energia para olarias e fundições primordiais, acarretando profundas transformações econômicas e sociais, que – durante a Idade do Cobre – estenderam-se na direção da Europa Ocidental.
Depois, ao longo dos séculos, a madeira (lenha) foi sendo complementada por outras fontes de energia, tais como os ventos (barcos a vela,  moinhos de vento, etc.), o óleo de baleia, a turfa etc.
A silvicultura como atividade econômica p1anejada teve suas bases científicas formuladas e desenvolvidas na Alemanha, nos séculos dezoito e dezenove.
Toda a tecnologia industrial alemã do século dezoito baseava-se na madeira, a começar pelos processos de mineração e refino de metais, que dependiam de troncos, para suporte das galerias, e de carvão vegetal, para a redução dos minérios e geração de calor.
Na Inglaterra, no século XVIII, as florestas estavam sendo devastadas pela extração de lenha e madeiras, especialmente para a construção de navios para a armada.
Na medida em que ficavam mais problemáticas, as velhas fontes iam sendo complementadas ou, em alguns casos, substituídas por novas fontes, mais eficientes, ou mais lucrativas. Assim, a força muscular foi complementada pela lenha e pela tração animal, que foi complementada pela energia das águas e dos ventos, etc.
Em seguida veio o carvão, que foi complementado pelo petróleo, na indústria, nos transportes e nos modernos sistemas agroindustriais.
Concomitantemente, as matrizes energéticas iam-se ajustando a essas fontes.
No século XIX, ainda nos primórdios da Primeira Revolução Industrial, o carvão era abundante e barato. Por isto, em pouco tempo, passou à frente da madeira como fonte de energia. Com isso, as jazidas carboníferas mais acessíveis foram-se esgotando e a exploração passou ao subsolo, em poços e minas frequentemente inundadas, que tornavam indispensável o bombeamento. Esta necessidade está na origem da tentativa de empreendedores ingleses e escoceses, de empregar a máquina a vapor para o acionamento de bombas em minas de carvão. Posteriormente, a máquina a vapor  foi aperfeiçoada por James Watt e passou a ser empregada em fábricas, locomotivas, navios, etc.  Sem esta máquina, a Primeira Revolução Industrial não teria tomado o rumo que tomou.
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No século XIX, entre os anos de 1.830 e 1.840, o emprego da eletricidade nas comunicações (telégrafo) e na metalurgia (galvanoplastia) despertou o interesse dos empresários industriais. Os grandes impulsos vieram em 1.878, quando Thomas Edison criou a lâmpada incandescente de filamento e Werner Siemens apresentou a primeira locomotiva elétrica.
Um pouco mais tarde, Nikola Tesla desenvolveu o motor de corrente alternada, graças ao qual a eletricidade passou a ser usada nas fábricas, para o acionamento mecânico.  Ao mesmo tempo aperfeiçoava-se a turbina hidráulica, como alternativa para a turbina a vapor até então usada na geração elétrica. Surgiram assim as primeiras hidroelétricas de certo porte – e linhas de transmissão que permitiam o uso da energia cinética dos rios, nas cidades e nas fábricas.
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Na virada dos séculos XIX para XX  começava a “idade do petróleo”.  
Foi o petróleo que consolidou o modelo industrial moderno, caracterizado pela produção em massa, com setores dinâmicos como o automobilístico, o naval, o ferroviário, o de máquinas e equipamentos, etc. forçando o desenvolvimento tecnológico de indústrias satélites, ligadas às respectivas linhas de produção.
Além de o petróleo não ser renovável, sua combustão responde pela maior parcela das emissões de gases de estufa. Isto significa que todo o desenvolvimento subsequente à Primeira Revolução Industrial tem-se apoiado em bases ambientalmente deletérias – e fisicamente insustentáveis.
O petróleo abundante e barato ofereceu as condições básicas para o vertiginoso desenvolvimento da indústria automobilística, com seus fornecedores e sub-fornecedores; e uma poderosa estrutura de comercialização, que se estende por todo o mundo em paralelo à rede de distribuição de combustíveis.
Desde as primeiras décadas do século passado, a indústria automobilística vem exercendo um papel de paradigma para a moderna civilização humana. Transformado em suprema aspiração de posse das famílias, o automóvel condicionou a evolução da sociedade, consagrando o transporte individual, que influencia fortemente a ocupação do território, o urbanismo e a arquitetura das cidades modernas e  acarreta importantes mudanças no modo de vida das pessoas.
Por dependerem diretamente do automóvel, os atuais modelos de ocupação do território e  urbanização constituem mesmo a imagem da “idade do petróleo”.
Entretanto, como foi dito acima, a biosfera vem se aquecendo rapidamente, por força da combustão de petróleo, gás natural e carvão.
Medidas drásticas, destinadas a limitar o uso desses combustíveis, tornam-se urgentes. Parece muito difícil que a civilização humana possa reeducar-se, ou "recivilizar-se" para isto, no escasso tempo disponível para evitar que a biosfera se torne imprópria para a vida.


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