sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Tênis e racismo


Seguindo tradição desta coluna, abre-se espaço para contribuições valiosas como esta de Brenno Mascarenhas, Juiz de Direito já aposentado, e tenista em longa e plena atividade. Seu texto torna-se mais um passo na direção da concórdia entre os homens. É uma honra recebê-lo.





Em 1992, em entrevista à revista “People”, Arthur Ashe, o consagrado tenista negro norte-americano, campeão de Wimblendon, do Aberto da Austrália e do US Open, afirmou que mais pesado que o fardo da AIDS (que contraíra em transfusão de sangue) era para ele o fardo da raça.


É difícil saber o que exatamente Ashe tinha em mente, que efeitos o fardo da raça produziu na sua alma. O que é certo é que o romeno Ilie Nastase, número um do mundo em 1973, costumava se referir a Ashe como “negroni” e chegou a chamá-lo de “nigger” (algo como crioulo), no calor de uma partida no Havaí, episódio relatado pelo próprio Ashe na autobiografia Days of grace.


Com ações, omissões e reações, a dinâmica que envolve o preconceito racial acaba produzindo situações curiosas. Em uma noite de jogos beneficentes programada pela Fundação Arthur Ashe para combate à AIDS, reuniram-se antigos campeões do naipe de John McEnroe, Steffi Graf e Martina Navratilova. As famílias de Ashe e de seu velho amigo Stan Smith ocupavam o mesmo box, em lugar de destaque nas arquibancadas. Estaria tudo bem se a filha de Stan Smith, descendente de ingleses, não tivesse presenteado a filha de Ashe com uma boneca loura. Ashe, ao perceber que a televisão mostrava insistentemente a imagem da filha se distraindo com o brinquedo novo, previu a avalanche de críticas que viriam de setores engajados da comunidade negra, críticas centradas no que seria a incapacidade dele de impedir que ela assimilasse falsas noções de superioridade dos brancos. Ansioso por evitar constrangimento dessa natureza, Ashe optou por ser prático e, discretamente, sumiu com a boneca da filha.


A verdade é que a coisa vem de longe. Importado da Inglaterra, o tênis foi introduzido nos Estados Unidos ainda na década de 1870. Tudo indicava que o tênis na América seria para sempre um esporte de branco, como na Europa, dadas as barreiras sociais, econômicas e institucionais que impediam o acesso de negros aos clubes de brancos, à United States Lawn Tennis Association (USLTA) e aos torneios mais importantes, organizados por essa entidade.


Mas os negros começaram a experimentar e a gostar de tênis. Em 1912 e 1916, foram fundados respectivamente o The Chicago Prairie Tennis Club, primeiro clube de tênis de negros nos Estados Unidos, e a American Tennis Association (ATA), que se incumbiu da realização torneios para tenistas negros.


De fato, por várias décadas, a USLTA, sem qualquer justificativa razoável, se recusou a filiar negros. O aberrante confinamento dos tenistas negros norte-americanos à ATA somente caiu, às custas de muita pressão e penosas negociações, em 1950. Nesse ano a fabulosa Althea Gibson, negra do Harlem, Nova Iorque, depois de passar pelo constrangimento de comprovar que era mulher, se inscreveu na USLTA e disputou o Campeonato Americano, em Forest Hills.


Já campeã de Wimblendon e reconhecida como melhor tenista do mundo, Althea Gibson parecia chamar mais a atenção por sua afro-ascendência do que por seus feitos tenísticos. No Brasil, o festejado Henrique Pongetti, em crônica de julho de 1958 publicada na revista Manchete, faz menção a derrota de Maria Esther Bueno para Althea Gibson e comenta que a brasileira “teve a simpática mulatinha em suas mãos e deixou a vitória escapar-lhe”.


De Althea Gibson até hoje muito se avançou. A África do Sul do apartheid foi banida da Copa Davis em 1970, tenistas negros da classe de Yannick Noah, Zina Garrison, Jo-Wilfried Tsonga e Gael Monfils se destacaram em torneios do mais alto gabarito e as irmãs Venus e Serena Williams, também negras, fizeram entre si nada menos que oito finais de Grand Slam.


Muito se avançou, mas o mal é resistente. Há alguns anos, Lleyton Hewitt, australiano ainda em atividade, jogando contra o negro James Blake, inconformado com as decisões de um juiz de linha negro, não se intimidou diante do grande público presente. Dirigiu-se ao árbitro de cadeira e disparou: “Olhe para ele e para ele”, falou Hewitt, apontando primeiro para o juiz de linha e depois para Blake, “me diga sobre a semelhança”.


Como se vê, se equivocaria o desavisado que pensasse que racismo no tênis é problema superado. A luta continua.





Nenhum comentário: