domingo, 27 de setembro de 2015

Reflexões sobre a formiga



Formiga: exemplo de organização social


Normal será considerar-se o homem de esquerda como mais humanista do que seu oposto, o homem capitalista. Afinal, o socialista deveria passar boa parte de seu tempo pensando na redistribuição de renda, nos pobres cuja redenção é responsabilidade da sociedade, enquanto seu contrário dedica quase todo tempo pautado por Darwin, bem mais preocupado com a sobrevivência e a opulência do mais forte, deixando para as classes necessitadas os benefícios putativos da já desmoralizada “trickle down economy”. Pelo menos, esta é a impressão geral que predomina.

Ainda, como bônus, o homem de esquerda goza de certo charme junto ao sexo oposto, sobretudo quando transita nos meios mais frívolos da vida abastada. Uma frase dirigida à bela companhia, em convescote banhado em champagne, declarando-se preocupado com a indigência das crianças Sírias, trará na interlocutora um suspiro surpreso, encantado, e um pensamento recôndito cheio de promessas, “Oh, c'est un homme intéressant, c'est un homme de gauche..“ .

Difícil será saber se o escolhido paladino de virtudes humanas revela tais pensamentos por convicção ou por conveniência. De forma muito mais contundente e de dúvida muito mais justificada, tem-se o comportamento dos partidos políticos.

No Brasil, o Partido dos Trabalhadores nos dá um retrato indelével daquele que tem o discurso solidário e generoso não mais como sincera manifestação de seus princípios, mas sim como instrumento de conquista e permanência no poder. Não serão poucos seus integrantes que, de fato, creem na missão de dar aos pobres condições que lhes permitam ascender a íngreme trilha que leva à vida digna; outros bem menos sinceros, são levados e arregimentados pelas lideranças de máquina azeitada pela hipocrisia, reforçada pelo dinheiro sujo, tendo por missão sua perpetuação.

Ao julgar-se os resultados de tal empreitada constata-se, não a libertação das classes sofridas, mas sim o agravamento de sua condição. Maltratadas pela sequência de casuísmos e malabarismos visando o domínio político, condenam os atuais governantes àqueles sob sua guarda às mais terríveis das sentenças; a inflação e o desemprego.

Não, o socialismo, como certos bons vinhos, não viaja bem. Criado por Marx, humanizado pela sociedade Fabiana, atingiu seu ponto de equilíbrio nos paralelos setentrionais, vide escandinavos. Cortando o Equador, o sol e calor derretem a disciplina essencial ao Estado Socialista, onde os sacrifícios impostos recebem a justa contrapartida do bem estar social.

Conquanto o rigor e a penúria do gelado inverno ensina a previsão, a prudência, a organização e a solidariedade, o calor traz no seu bojo a impunidade pela generosa riqueza que oferece. Assim, em repúdio ao moralismo de La Fontaine e sua exemplar formiga, nas terras meridionais viceja o individualismo, a imprevidência, a improvisação e a irresponsabilidade.

Somente um alto e disseminado grau de compreensão cívica, filha da educação universal, poderá oferecer ao Brasil as condições minimas para que uma ampla e eficaz justiça sócio-econômica torne-se realidade.



quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A irrelevância da diplomacia brasileira ?



Sr. Marco Aurélio Garcia
Ministro de fato das Relações Exteriores

Para o Brasil, todo e qualquer conflito na America do Sul lhe diz respeito. Fronteiriço com todos os países do continente, com exceção do Equador e Chile, as desavenças econômicas ou militares dentre todos seus componentes têm reflexos importantes sobre a nação brasileira.

Ora, o Itamaraty já vem, há tempos, observando o comportamento desregrado da Venezuela. Esta vem exibindo, tanto no campo político como no econômico, um preocupante rumo interno, onde as políticas populistas desestabilizaram a economia, projetando a inflação para acima de 700% ao ano. Dependente do petróleo como sua única fonte de divisas e receita pública de relevância, às escolhas equivocadas do governo Maduro somaram-se à forte queda do preço do petróleo trazendo por resultado crescente desabastecimento, assim aguçando a oposição ao governo Chavista.

Reagindo aos protestos oposicionistas, Caracas vêm estreitando, cada vez mais, a tolerância para com os princípios democráticos, levando o país à condição de uma virtual ditadura. Esta condição, ainda, contrária aos termos do tratado do Mercosul, já deveria ter imposto ao Itamaraty enérgica atuação visando reversão de rumo pelo governo de Caracas.

Cumprindo a cartilha disparatada da esquerda radical quando confrontada com os erros de sua política econômica, a culpa é debitada aos efeitos das políticas implementadas, e não às suas causas, originadas nas decisões erradas. Ainda, potencializando as tensões mencionadas, tem-se uma Venezuela em ritmo de rearmamento, através da aquisição de aviões de combate russos bem como outros materiais bélicos. O quadro que se tem não convida ao otimismo, mas sim à crescente preocupção.

Tem-se, assim, um país vizinho sujeito a extrema tensão sócio-política, situação que impõe ao Itamaraty o mais cuidadoso acompanhamento. Sem causar grande surpresa, este quadro agravou-se com as hostilidades fronteiriças entre Venezuela e Colômbia.

Longe de buscar na tradicional diplomacia brasileira, espelho do colosso geográfico, político e econômico sul americano, a mediação que poderia acalmar os ânimos e orientar as melhores soluções, tanto a Venezuela como a Colômbia preferiram buscar nos pequeninos Uruguay e Equador as formulas de reconciliação. Tanto melhor, assim evitando-se o conflito.

Restam, contudo, algumas perguntas: onde estava o Itamaraty ? Ou melhor seria perguntar-se, onde estava o Sr. Dr. Marco Aurélio Garcia ? Onde estava a Presidenta ? Até onde terá caído a influência e capacidade da Casa de Rio Branco no trato das grandes questões Sul Americanas ? Estará o Brasil relegado à irrelevância ?

Com a palavra os comandantes deste novo Brasil, desorientado e diminuído por políticas equivocadas e práticas espertas.



sábado, 19 de setembro de 2015

Uma aliança inesperada




Espera-se para este ano uma invasão de cerca de um milhão de refugiados rumo à Europa. Conquanto alguns dos imigrantes provêm da Africa negra, a esmagadora maioria inicia sua viagem fugindo do morticínio que tomou conta do Oriente Médio. Destes países a Síria, destroçada por impiedosa guerra civíl, é a maior contribuinte para este êxodo.

Não será fácil nem rápido restabelecer condições na região que fixe sua população, pelo restabelecimento da ordem, da justiça e das condições politico econômicas estáveis. Até então, é provável que as levas de refugiados mantenham o rumo à próspera Europa.

A desestabilização e fragmentação do Iraque pós George W Bush criou condições de profunda anomia na região, permitindo o surgimento de facções político-religiosas para preencher o vácuo-de-poder resultante. Longe de ser um movimento pró democracia, as forças em combate contra o regime Assad pretendem estabelecer a mais obscura das ditaduras, aquela embasada no extremismo religioso.

São muitos os players que buscam vantagens, alguns apostando na derrota do ditador Sírio. Dentre estes estão os Estados Unidos, a Arábia Saudita e os reinos Sunitas do Golfo. Os dois últimos revelam ódio aos Xiitas (religião de Bashar al Assad), desaguando numa aliança tácita com o Califado e o Al Qaeda (ditado Árabe: inimigo de meu inimigo, meu amigo é).

Já a Rússia apoia a Síria por razões geopolíticas, uma vez que sua base naval e aérea em Tartus lhe favorece estratégicamente, na perene partida de xadrês que trava com a OTAN, no entorno do Mediterrâneo. Já o Irã vê a instabilidade na Síria e na Mesopotâmia como contrária a seus interesses, pois a ascensão de forças radicais Sunitas redundam em ameaça a seu território e ao Iraque, seu aliado também Xiita.

Dado a complexidade do quadro político-militar na região, pouco a pouco chega à Barack Obama a constatação que a derrubada do regime ditatorial, porém laico, de Bashar al Assad, em nada contribuirá para a pacificação e ordenamento da região. Pouco compreensível parece ser a ingênua a aposta de Washington no moderado Exército da Síria Livre, mais parecido com o “exército de Brancaleone”, para derrubar, não apenas o Presidente Assad, mas, em seguida, derrotar o Califado e a Al Qaeda. Tal desiderato parece já ter sossobrado ao constatar-se sua derrota no campo de batalha pelas hordas fanáticas.

Pois, de forma surpreendente, surge uma luz no fim do túnel vindo de Moscou. Entendendo que o atual cenário é contrário aos interesses dos Estados Unidos na região, Vladimir Putin recém convidou o presidente norte americano para, com ele, encontrar uma solução em duas vertentes; a política, pelo afastamento e sucessão de Assad; a militar, mediante a coordenação no combate ao extremismo.

Colocando importantes ativos militares na zona de conflito, Putin se antecipa, e, desta vez,  coloca Obama a seu lado no tabuleiro, contra o terrorismo.


domingo, 13 de setembro de 2015

Será o início ?



Quem conhece um tal de Jeremy Corbyn ? Pois bem, este político britânico, tido por excêntrico até há pouco pela maioria de seus correligionários do Labour (Trabalhista) Party, acaba de revolucionar tanto seu partido como o cenário politico de seu país. Com maioria absoluta no primeiro turno das eleições partidárias, Corbyn atingiu mais de 54% enquanto seu competidor mais próximo atingiu 15% e o representante dos seguidores de Tony Blair, apenas chegou a 4,5%.

Corbyn, político extremado, ainda acredita em estatização, em solidariedade social, em abolição das guerras e outros itens utópicos. Não promete ser um bom governante, se por acaso, muito acaso, chegar ao cargo de Primeiro Ministro. No entanto sua vitória espelha algo que parece estar se disseminando pelo mundo capitalista anglo-saxão e seus seguidores: o crescente protesto contra as desigualdades que decorrem de seus excessos liberais.

Não deve ser esquecida a derrota recente do Partido Trabalhista quando de recentes eleições, redundando em estrondoso fracasso assim fragilizando as lideranças tradicionais do partido. Este desdobramento traumatizou os até então expoentes do partido, redundando no repúdio da formulação da Terceira Via de Tony Blair. A mudança ora ocorrida deu-se, porém, com viès extremista, o qual dificilmente terá o apoio da massa eleitoral quando de novas eleições nacionais.

O protesto político eleitoral que ora se verifica na irriquieta Albion, se revela convergente across the pond com a surpreendente popularidade do candidato Democrata de tendência socialista, Bernie Sanders, nas primarias de Iowa e New Hampshire (USA), ameaçando temporariamente a liderança de Hillary Clinton.

Servem estes episódios como alerta contra o crescente fosso que separa, nos países líderes do “capitalismo de mercado”, os 20% mais ricos dos restantes 80%. Os primeiros recebem aproximadamente 80% da riqueza nacional gerada no ano, enquanto os segundos recebem apenas 20%. Como exemplo, um aumento hipotético do PIB de 4% trará, como benefício, 3,2% para o segmento abastado, ou seja 20% da população, deixando 0,8% a ser dividido dentre 80% da população remediada.

Dificilmente tal situação poderá se perpetuar. Provável será seu questionamento político.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Não mexam com as Forças Armadas


O decreto recém promulgado  por Dilma Rousseff, que lhe permite apropriar-se da administração  interna das Forças Armadas, revela estar em andamento manobra de extremo perigo para a República.

Do ponto de vista administrativo, tal iniciativa fere todos os princípios de eficiência e eficácia que devem reger as Forças Armadas.  A politização decorrente de tal Decreto fere, não somente sua estrutura funcional pela diluição da meritocracia, substituída que será pelo apaniguamento,  mas, ainda, injeta o germe do partidarismo político-ideológico nas cantinas, nos quartéis, violando a isenção que cabe á Instituição.

No lado político observa-se, em curta sequência, ameaças explícitas do ex-presidente Lula da Silva, prometendo colocar seu “exército” nas ruas,  em defesa das propaladas conquistas petistas. A estas seguiram-se manifestações beligerantes do Movimento sem Terra tornando plausível a desconfiança de estar a Nação sob ameaça.

Ao pretender assumir o direito de nomeação e promoção dos oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica o braço político interfere na configuração ideológica de seu quadro de oficiais, pretendendo assegurar, assim, a fidelidade armada aos seus desígnios político-sociais. Seguindo a cartilha Bolivariana, o Decreto parece  buscar os instrumentos que lhe permita intimidar o processo político, encontrando na força o que lhe é negado pela opinião pública.

O decreto, estapafúrdio se tão grave não fosse, afetaria o âmago da eficiência e confiabilidade dos soldados, que têm por missão defender a Pátria e a Constituição. Defender a Pátria de todos, não apenas àquela que o PT vislumbra, e defender a Constituição votada por dois terços dos congressistas, e não àquela almejada pelo populismo que se revela, já sem sombra de dúvida,  incapaz e incompetente.


terça-feira, 8 de setembro de 2015

Comentários  sobre  "A culpa de todos nós"


Já nos acostumamos com as das crianças do Holocausto, já as banalizamos, e agora precisamos de outras fotos mais atuais e mais chocantes assim seguimos em marcha ao consumo da galinha pintadinha afogada!
Marcio Paredes Crato      

Maravilhoso, sobre uma pequena vitima cuja imagem me chocou como poucos outros horrores das guerras
José Cândido Pimentel Duarte

Choremos,
Daisy Malaguti

Pois sim que a culpa é nossa, já ouviram falar no ISIS? A única solução é o mundo se juntar contra os nazistas e por fim  nesses  malucos. Mas alguém quer isso?
Philip

N sabia de sua veia poética !!!!
Gostei imensamente de s análise em o Ajuste Ajustado.
Abco
Helio

Comovedor em cena absolutamente chocante...
Lina

Choramos todos nós por essa vida tão curta, mas que tanto nos ensinou!
Angela





Comentarios sobre "Ajustes e desajustes"

 Com a constituição contingenciando 92% das receitas, com o Legislativo e o Judiciário gastando sem dar satisfação ao governo, com os privilégios protegidos por lei, com o partido do governo sendo ideologicamente contra o corte de gastos, com o Congresso agindo dentro do princípio suicida do "quanto pior, melhor", não vejo a menor chance de se cortar despesas de verdade. Pode até haver um arremedo de corte, mas não vai nem fazer cosquinha.

Carlos Alexandre

Concordo em gênero, número e grau com sua manifestação intitulada “Ajustes e desajustes”.
O aspecto mais preocupante do quadro que você desenhou, com sua costumeira propriedade e fina percepção, reside no fato de  nossa “presidenta” ser incapaz de detectar onde residem os erros ,  que finalmente ela mesma  acabou por reconhecer ter praticado. Por  via de consequência, a mais completa ignorância de perceber quais sejam tais erros a impossibilita de  apontar o caminho a ser seguido, de molde a tomar as medidas necessárias para, se não puder corrigi-los, pelo menos mitiga-los, de maneira a evitar uma situação catastrófica perfeitamente previsível a continuar nesse reconhecimento de desconhecimentos que, no seu confuso entender,  oferece uma “transparência”   suficiente para o encontro de uma solução do mal que ela jamais conseguiu entender.    Como diria o inesquecível personagem incorporado por Paulo Gracindo, como Odorico Paraguaçú  prefeito da mítica cidade de Sicupira, somos todos “brasilienses inconformantes e não merecendentes de tamanha descondescendência com o futurismo desconsiderante”  que nos depara.
Pedro Augusto

Levy é da escola de Chicago. Nelson Barbosa desenvolvimentista de Campinas. Difícil o entendimento e a Sra. Presidenta junta à sua incapacidade, a de arbitrar. Abraços, Chacel.
Julian


Não gerou confiança a entrevista concedida por Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento, à uma plêiade de jornalistas. Não convenceram. Ao seu término observa-se que, do seu lado, Levy revela, nas entrelinhas, que o Executivo ainda não promoveu as economias necessárias ao reequilíbrio das contas públicas, e do lado de Barbosa, o ajuste é impedido pela oposição do Parlamento. Somando-se as duas avaliações, a primeira vítima é o povo.
Avalia com seu olhar Jornalístico
Perfeita análise!!
Como sempre  
Marianne

Vamos torcer, Pedro querido. Se tivermos alguém melhor em 18, agradeceremos todos
Bebel

Muito boa a análise de nosso "trágico" momento nacional ....
Lina







sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A culpa de todos nós


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Recostado, como se dormindo estivesse
recebendo o vai e vem do mar insensível
lá estava Aylan Kurdi

Sem saber nem como nem porque, perdeu-se
na busca do direito à vida que era seu
lá ficou Aylan Kurdi

Fugindo das trevas do homem-animal
partiu em viagem em busca do sol
lá se foi Aylan Kurdi

Em vã esperança de ver bondade
vontade de abrir braços e apertá-lo
lá chorou Aylan Kurdi

Sem entender o porque das coisas
sem conhecer nem Bush nem Bahgdadi
lá morreu Aylan Kurdi

Tênis e racismo


Seguindo tradição desta coluna, abre-se espaço para contribuições valiosas como esta de Brenno Mascarenhas, Juiz de Direito já aposentado, e tenista em longa e plena atividade. Seu texto torna-se mais um passo na direção da concórdia entre os homens. É uma honra recebê-lo.





Em 1992, em entrevista à revista “People”, Arthur Ashe, o consagrado tenista negro norte-americano, campeão de Wimblendon, do Aberto da Austrália e do US Open, afirmou que mais pesado que o fardo da AIDS (que contraíra em transfusão de sangue) era para ele o fardo da raça.


É difícil saber o que exatamente Ashe tinha em mente, que efeitos o fardo da raça produziu na sua alma. O que é certo é que o romeno Ilie Nastase, número um do mundo em 1973, costumava se referir a Ashe como “negroni” e chegou a chamá-lo de “nigger” (algo como crioulo), no calor de uma partida no Havaí, episódio relatado pelo próprio Ashe na autobiografia Days of grace.


Com ações, omissões e reações, a dinâmica que envolve o preconceito racial acaba produzindo situações curiosas. Em uma noite de jogos beneficentes programada pela Fundação Arthur Ashe para combate à AIDS, reuniram-se antigos campeões do naipe de John McEnroe, Steffi Graf e Martina Navratilova. As famílias de Ashe e de seu velho amigo Stan Smith ocupavam o mesmo box, em lugar de destaque nas arquibancadas. Estaria tudo bem se a filha de Stan Smith, descendente de ingleses, não tivesse presenteado a filha de Ashe com uma boneca loura. Ashe, ao perceber que a televisão mostrava insistentemente a imagem da filha se distraindo com o brinquedo novo, previu a avalanche de críticas que viriam de setores engajados da comunidade negra, críticas centradas no que seria a incapacidade dele de impedir que ela assimilasse falsas noções de superioridade dos brancos. Ansioso por evitar constrangimento dessa natureza, Ashe optou por ser prático e, discretamente, sumiu com a boneca da filha.


A verdade é que a coisa vem de longe. Importado da Inglaterra, o tênis foi introduzido nos Estados Unidos ainda na década de 1870. Tudo indicava que o tênis na América seria para sempre um esporte de branco, como na Europa, dadas as barreiras sociais, econômicas e institucionais que impediam o acesso de negros aos clubes de brancos, à United States Lawn Tennis Association (USLTA) e aos torneios mais importantes, organizados por essa entidade.


Mas os negros começaram a experimentar e a gostar de tênis. Em 1912 e 1916, foram fundados respectivamente o The Chicago Prairie Tennis Club, primeiro clube de tênis de negros nos Estados Unidos, e a American Tennis Association (ATA), que se incumbiu da realização torneios para tenistas negros.


De fato, por várias décadas, a USLTA, sem qualquer justificativa razoável, se recusou a filiar negros. O aberrante confinamento dos tenistas negros norte-americanos à ATA somente caiu, às custas de muita pressão e penosas negociações, em 1950. Nesse ano a fabulosa Althea Gibson, negra do Harlem, Nova Iorque, depois de passar pelo constrangimento de comprovar que era mulher, se inscreveu na USLTA e disputou o Campeonato Americano, em Forest Hills.


Já campeã de Wimblendon e reconhecida como melhor tenista do mundo, Althea Gibson parecia chamar mais a atenção por sua afro-ascendência do que por seus feitos tenísticos. No Brasil, o festejado Henrique Pongetti, em crônica de julho de 1958 publicada na revista Manchete, faz menção a derrota de Maria Esther Bueno para Althea Gibson e comenta que a brasileira “teve a simpática mulatinha em suas mãos e deixou a vitória escapar-lhe”.


De Althea Gibson até hoje muito se avançou. A África do Sul do apartheid foi banida da Copa Davis em 1970, tenistas negros da classe de Yannick Noah, Zina Garrison, Jo-Wilfried Tsonga e Gael Monfils se destacaram em torneios do mais alto gabarito e as irmãs Venus e Serena Williams, também negras, fizeram entre si nada menos que oito finais de Grand Slam.


Muito se avançou, mas o mal é resistente. Há alguns anos, Lleyton Hewitt, australiano ainda em atividade, jogando contra o negro James Blake, inconformado com as decisões de um juiz de linha negro, não se intimidou diante do grande público presente. Dirigiu-se ao árbitro de cadeira e disparou: “Olhe para ele e para ele”, falou Hewitt, apontando primeiro para o juiz de linha e depois para Blake, “me diga sobre a semelhança”.


Como se vê, se equivocaria o desavisado que pensasse que racismo no tênis é problema superado. A luta continua.





terça-feira, 1 de setembro de 2015

O ajuste desajustado

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Levy e Barbosa
Não gerou confiança a entrevista concedida por Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento, à uma plêiade de jornalistas. Não convenceram. Ao seu término observa-se que, do seu lado, Levy revela, nas entrelinhas,  que o  Executivo ainda não promoveu as economias necessárias ao reequilíbrio das contas públicas, e do lado de Barbosa, o ajuste é impedido pela oposição do Parlamento. Somando-se as duas avaliações, a primeira vítima é o povo.

O recente ato de contrição da Presidenta Dilma Rousseff, reconhecendo ter errado no passado na condução da economia nacional, pouco significa se não tiver a coragem de tomar, urgentemente, as medidas de ajuste econômico que se impõem. Constata-se assim, que após toda a mise en scène do mea culpa, prevê-se o substancial déficit de R$ 30 bilhões no ano de 2016.

Torna-se conveniente a tradução destes fatos e número para o português social. Este déficit se traduz, internamente, por um provável aumento dos impostos, onerando as atividades econômicas, reduzindo o consumo e provocando crescente desemprego. Ainda, a redução da capacidade de investimento, tanto interno como externo (este sob o espectro da perda do investment grade) provavelmente redundará em forte pressão inflacionária, insuflada pela desvalorização do Real, redundando em forte perda de poder de compra do povo. O temível cenário de stagflation parece surgir, antevendo-se a prolongação do mal estar. Neste quadro conturbado, talvez do dólar valorizado virá uma luz de esperança, desde que a indústria exportadora brasileira aproveite o bonus de competitividade que lhe será oferecido.

Em suma, as classes médias e menos favorecidas, com  sua capacidade de consumo exaurida, ver-se-ão comprimidas, afastando-se cada vez mais da promessa de crescente participação na riqueza nacional.
A endêmica corrupção, promovida pelo Partido dos Trabalhadores, junto às empresas estatais contribui para agravar o quadro acima descrito.

Triste figura fez Dna. Dilma no passado. Porém, hoje, neste presente conturbado, a Presidente precisa se convencer da urgência de medidas corretivas. Como se não bastasse o trato da questão nacional, não se deve desprezar a incógnita Chinesa. As bilionárias bolhas, o enorme endividamento interno, as Bolsas artificializadas e questionadas podem transformar-se em catalisador de crise com desdobramento internacional. Quanto menos preparado estiver o Brasil, maior e pior seria o impacto.