sábado, 7 de julho de 2018

Embraer e a Nação





O Brasil despertou, há poucos dias, sob a mais extensa propaganda já vista em defesa de um solitário negócio. Todos os jornais de renome trouxeram a mesma matéria como se notícia fosse, e não um excepcional exemplo de “lobby” magistralmente executado. Todos eles exibiram a mesmíssima apresentação, não se dando o trabalho de aparentar independência de pesquisa. Tudo estava lá, os dados financeiros elencados da mesma forma, os argumentos dos “analistas” perfeitamente coordenados. Até mesmo manifestações oficiais, em singular unanimidade, favoraves à transação.

Porém, contrariamente ao aparente “genuíno entusiasmo”, a proposta defendida talvez não seja do interesse na Nação. O desmembramento da Embraer, empresa de evidente interesses nacional, e sua transferência para empresa estrangeira, tem o sabor de país minguando, retrocedendo, abandonando o sonho de algum dia ser grande. Independentemente dos valores financeiros em questão, assunto abordado mais abaixo, a venda de um núcleo tecnológico extraordinário redunda em amputar-se o futuro.

Dir-se-á que tal comentário seria xenófobo, atrasado, antiglobalista; porém todos os países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, negam a venda do controle acionário ao capital estrangeiro de empresas privadas cuja tecnologia envolva segurança nacional. É, inegavelmente, o caso em questão.

Ao transferir-se o controle da industria aeronáutica, amputa-se o desenvolvimento de uma das principais fontes de tecnologia da nação, essencial ao progresso neste Século XXI. Não se pode desprezar a força multiplicadora do desenvolvimento tecnológico, que se derrama sobre toda a economia, trazendo know-how para as mais dispares atividades. Inversamente, ao apagar-se este núcleo de modernidade e inovação, consolida-se a aceitação do sombrio subdesenvolvimento.

Afim de iludir o público, os promotores desta operação citam a "venda" da Bombardier canadense para a Airbus para justificar, maliciosamente, a Joint Venture brasileira proposta pela Boeing e aceita pela Embraer. Ocorre que estas duas operações são totalmente distintas no que tange tanto a parte societária quanto a operacional.

A empresa canadense, para melhorar seu acesso ao mercado de seus aviões, aliou-se em joint venture com a Airbus para a promoção e venda de seus aviões da linha "C". Contudo, a produção dos aviões permanece na empresa canadense. O controle acionário desta nova empresa, será paritariamente detido pela Airbus com 50,1%, e o restante (49,99%) pertencendo à entidades canadenses. (¹) Trata-se de uma associação equilibrada.

Já o negócio Embraer-Boeing é bem diferente. Não se trata de associação com a Boeing para fins meramente comerciais. Trata-e, sim, da criação de uma nova empresa onde a Boeing deterá mais de 80% do capital, cabendo à Embraer menos de 20%. Importante notar que, tendo o acionista estrangeiro, nesta formulação, mais de ¾ das ações da joint-venture, poderá ele tudo decidir quanto ao seu destino.

Será uma questão de tempo para a Boeing, sujeita às pressões decorrentes de “America First” de Donald Trump, impor seus interesses. Em tal cenário, se assim ocorrer, difícil será manter a produção em solo brasileiro. Perder-se-á, assim, tanto o benefício econômico quanto o núcleo tecnológico. O elefante americano pouca atenção dará às pretensões da pulga brasileira.

Como se não bastasse, o preço proposto pela Boeing por estes 80% é de 4,75 bilhões de dólares, soma desprezível. O ágio de 57% pago sobre o valor patrimonial pelo controle efetivo da Embraer não parece levar em conta o valor da marca Embraer, o valor do “share of market”, o “cash flow” futuro, as instalações físicas, e o “know how” adquirido. Leva-se um acervo insubstituível por preço de banana.

Outro elemento de fundamental importância para a nação deve ser abordado. Qual a probabilidade de sobrevivência da produção e inovação de aviões militares após a perda do fluxo de caixa gerado pela venda das aeronaves comerciais ora sendo descontinuada? A probabilidade parece ser mínima. Tudo indica que o erário brasileiro, semi falido, não poderá suprir os incentivos para a continuidade da produção militar.

A formula proposta pelas duas empresas, não parece atender o interesse nacional. Atenderia, talvez, os interesses dos acionistas, mas não os do Brasil, uma vez que a venda de empresa proprietária de tecnologia altamente relevante para a nação enfraquece o presente, e, mais ainda, o futuro, pela perda do momentum científico criado. Do ponto de vista do interesse nacional, a construção e venda de aviões comerciais e militares devem permanecer na Embraer, cabendo a ela formar empresa para a comercialização de seus aviões, tanto civis quanto militares.

Para este fim, uma associação com a Boeing seria de conveniência nacional. Assim, tanto os Tucanos quanto os KC-390, este excepcional avião militar de transporte, terão melhores condições de lutar pelo seu espaço no mercado internacional.


(1) Under the agreement, Airbus will provide procurement, sales and marketing, and customer support expertise to the C Series Aircraft Limited Partnership (CSALP), the entity that manufactures and sells the C Series. At closing, Airbus will acquire a 50.01% interest in CSALP. Bombardier and Investissement Québec (IQ) will own approximately 31% and 19% respectively.



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