O
Brasil despertou, há poucos dias, sob a mais extensa propaganda já
vista em defesa de um solitário negócio. Todos os jornais de renome
trouxeram a mesma matéria como se notícia fosse, e não um
excepcional exemplo de “lobby” magistralmente executado. Todos
eles exibiram a mesmíssima apresentação, não se dando o trabalho
de aparentar independência de pesquisa. Tudo estava lá, os dados
financeiros elencados da mesma forma, os argumentos dos “analistas”
perfeitamente coordenados. Até mesmo manifestações oficiais, em
singular unanimidade, favoraves à transação.
Porém,
contrariamente ao aparente “genuíno entusiasmo”, a proposta
defendida talvez não seja do interesse na Nação. O desmembramento
da Embraer, empresa de evidente interesses nacional, e sua
transferência para empresa estrangeira, tem o sabor de país
minguando, retrocedendo, abandonando o sonho de algum dia ser grande.
Independentemente dos valores financeiros em questão, assunto
abordado mais abaixo, a venda de um núcleo tecnológico
extraordinário redunda em amputar-se o futuro.
Dir-se-á
que tal comentário seria xenófobo, atrasado, antiglobalista; porém
todos os países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, negam a venda do controle acionário ao capital estrangeiro de empresas
privadas cuja tecnologia envolva segurança nacional. É,
inegavelmente, o caso em questão.
Ao
transferir-se o controle da industria aeronáutica, amputa-se o
desenvolvimento de uma das principais fontes de tecnologia da nação,
essencial ao progresso neste Século XXI. Não se pode desprezar a
força multiplicadora do desenvolvimento tecnológico, que se derrama
sobre toda a economia, trazendo know-how para as mais dispares
atividades. Inversamente, ao apagar-se este núcleo de modernidade e
inovação, consolida-se a aceitação do sombrio subdesenvolvimento.
Afim
de iludir o público, os promotores desta operação citam a "venda"
da Bombardier canadense para a Airbus para justificar,
maliciosamente, a Joint Venture brasileira proposta pela Boeing e
aceita pela Embraer. Ocorre que estas duas operações são
totalmente distintas no que tange tanto a parte societária quanto a
operacional.
A
empresa canadense, para melhorar seu acesso ao mercado de seus
aviões, aliou-se em joint venture com a Airbus para a promoção e
venda de seus aviões da linha "C". Contudo, a produção
dos aviões permanece na empresa canadense. O controle acionário
desta nova empresa, será paritariamente detido pela Airbus com
50,1%, e o restante (49,99%) pertencendo à entidades canadenses. (¹)
Trata-se de uma associação equilibrada.
Já
o negócio Embraer-Boeing é bem diferente. Não se trata de
associação com a Boeing para fins meramente comerciais. Trata-e,
sim, da criação de uma nova empresa onde a Boeing deterá mais de
80% do capital, cabendo à Embraer menos de 20%. Importante notar
que, tendo o acionista estrangeiro, nesta formulação, mais de ¾
das ações da joint-venture, poderá ele tudo decidir quanto ao seu
destino.
Será
uma questão de tempo para a Boeing, sujeita às pressões
decorrentes de “America First” de Donald Trump, impor seus
interesses. Em tal cenário, se assim ocorrer, difícil será manter
a produção em solo brasileiro. Perder-se-á, assim, tanto o
benefício econômico quanto o núcleo tecnológico. O elefante
americano pouca atenção dará às pretensões da pulga brasileira.
Como
se não bastasse, o preço proposto pela Boeing por estes 80% é de
4,75 bilhões de dólares, soma desprezível. O ágio de 57% pago
sobre o valor patrimonial pelo controle efetivo da Embraer não
parece levar em conta o valor da marca Embraer, o valor do “share
of market”, o “cash flow” futuro, as instalações físicas, e
o “know how” adquirido. Leva-se um acervo insubstituível por
preço de banana.
Outro
elemento de fundamental importância para a nação deve ser
abordado. Qual a probabilidade de sobrevivência da produção e
inovação de aviões militares após a perda do fluxo de caixa
gerado pela venda das aeronaves comerciais ora sendo descontinuada? A
probabilidade parece ser mínima. Tudo indica que o erário
brasileiro, semi falido, não poderá suprir os incentivos para a
continuidade da produção militar.
A
formula proposta pelas duas empresas, não parece atender o interesse
nacional. Atenderia, talvez, os interesses dos acionistas, mas não os
do Brasil, uma vez que a venda de empresa proprietária de tecnologia altamente
relevante para a nação enfraquece o presente, e, mais ainda, o futuro, pela perda do momentum científico criado. Do ponto de vista do interesse nacional, a
construção e venda de aviões comerciais e militares devem
permanecer na Embraer, cabendo a ela formar empresa para a
comercialização de seus aviões, tanto civis quanto militares.
Para
este fim, uma associação com a Boeing seria de conveniência
nacional. Assim, tanto os Tucanos quanto os KC-390, este excepcional
avião militar de transporte, terão melhores condições de lutar
pelo seu espaço no mercado internacional.
(1)
Under the agreement, Airbus will provide procurement, sales and
marketing, and customer support expertise to the C Series Aircraft
Limited Partnership (CSALP), the entity that manufactures and sells
the C Series. At closing, Airbus will acquire a 50.01% interest in
CSALP. Bombardier and Investissement Québec (IQ) will
own approximately 31% and 19% respectively.
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