sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Previsão

Em 16 de julho p.p.. esta coluna publicou a observação transcrita abaixo. Cumpre assim o intuito de bem informar, e, quando possível, interpretar consequências:

No momento, regojiza-se da iminente derrota do Estado Islâmico. Porém, pouca atenção parece ser dada por Washington ao perigo de sua aliança com a “nação “ Curda (3). Esta aliança, nascida quando da guerra contra Saddam Hussein estende-se aos combates contra o Estado Islâmico, onde tropas americanas lutam ao lado dos Peshmergas (4) . Simultaneamente, vem ela transformando-se em estímulo à uma quase-independência desta etnia, inquietando o Iraque, a Síria e a Turquia. Dificilmente, estes países concordarão com tais pretensões de autonomia.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Novo país, novo conflito



Resultado de imagem para fotos curdosNo ocaso do Estado Islâmico estruturado, cercado de todos os lados por contingentes turcos, sírios, iraquianos, com o apoio aéreo de americanos e russos, resta aos seguidores de Al Baghdadi dispersarem-se mundo afora, de preferência na Europa, para levar o terrorismo avante. Contudo, seria injusto ignorar a contribuição dos Peshmergas, braço armado do movimento Curdo, na derrota que se aproxima, de tão cruel inimigo da civilização.

Porém, de forma para muitos surpreendente, o que será o término de uma guerra poderá ser o início de outra. Exaltados pela vitória, sob o comando de Mazoud Barzani, buscam os Curdos iraquianos, em plebiscito, o primeira etapa para sua independência. Mas, na realidade, os primeiros passos que ora desaguam neste novo cenário, foram dados quando da invasão do Iraque por George W. Bush. Na luta pela derrubada de Saddam Hussein os Estados Unidos identificaram nos Curdos e nos Xiitas, ambos vítimas do ditador deposto, seus naturais aliados.

No passar do tempo, desencantado com o governo Xiita de Bagdá, obediente “ma non tropo”, também sensível à indesejada influência Iraniana, Washington preferiu buscar outras peças para seu xadrez. Ao longo da campanha iraquiana, tanto os interesses táticos de Washington envolvendo forças Curdas do seu lado da trincheira, quanto seus objetivos estratégicos e econômicos convergiam com a autonomia política do Curdistão. Assim, armou-se o exército curdo, os Peshmerga e, simultaneamente, ainda que violando as leis do país, companhias americanas com o beneplácito do Pentágono iniciaram sua exploração de petróleo (ainda o petróleo) em região tecnicamente sob a soberania Iraquiana. Desta forma foi criado o ambiente econômico-militar favorável à iniciativa separatista através do plebiscito recém realizado. Este acaba de receber 92% de aprovação.

Resultado de imagem para fotos curdosEm pronta resposta, o governo em Bagdá determinou a ilegalidade do plebiscito, bem como a anulação dos efeitos legais que dele decorreriam. Por resultado tem-se a gênese de um novo enfrentamento. Apesar do não reconhecimento, a “nação curda” iraquiana poderá tomar as providência práticas na implementação da decisão popular. Difícil será a desmontagem da estrutura erguida em sua capital Arbil sem que haja forte resistência, possivelmente armada.

Nesta ambígua situação ambos os lados estarão procurando apoio dentre os “players” no Oriente Médio. Bagdá terá a solidariedade de Damasco, Ancara e Teerã, onde os governos centrais compartilham sérias preocupações com o separatismo latente de suas regiões Curdas. Face à esta ameaça, e os desdobramentos desestabilizadores que decorreriam do temido movimento separatista, os Estados Unidos vêm-se premidos a apoiar a integridade nacional de seus aliados, o Iraque e a Turquia. Assim, Washington, promotor do imbróglio, retira a proverbial escada, deixando Barzani pendurado no pincel.

Já, o lado oposto, premido pelo ódio que separa Sunitas e Xiitas, forma esperada aliança em prol de um independente Curdistão, É ela composta pelos países Sunitas da região, comandados pela Arábia Saudita, seguida pelos reinos do Golfo Pérsico, a Jordânia e o Egito. Porém, surpreendente, é a inclusão de um estado, nem Xiita nem Sunita, mas sim Judeu, nesta conspiração.

Em ofensiva deslanchada pela imprensa internacional, com artigos publicados por seus embaixadores no Globo, no New York Times e outros, Israel proclama a justas pretensões Curdas. Bem sabe seu Primeiro Ministro, Benjamim Netanyahu, que a desestruturação da região a partir deste movimento curdo, atende seus interesses geopolíticos, uma vez que a desordem endêmica e a fragmentação do Oriente Médio traduz-se por maior segurança de Israel. Repete Tel Aviv, neste caso e em escala mais disseminada, a anterior influência que exerceu sobre George W. Bush quando ofereceu “provas” ao ingenuo e despreparado presidente americano sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque. Contudo, como fato irônico, se não fosse patético, defende um povo que clama por independência desprezando que, ao seu lado e por ele dominado há sessenta anos, está o Palestino, que, em situação muito mais cruel, sofre sob sua implacável espada.


Fica assim armado novo cenário de potencial conflito, estimulado por dois estados; um, Israel, profundo conhecedor das realidades da região, e outro, os Estados Unidos, impelido por interesses estruturados sobre uma obscura base de incompreensões.  

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Rocinha II


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Quem votou em Crivela não sabia que em ninguém tinha votado. Sim, porque o prefeito do Rio de Janeiro torna-se, cada vez mais, uma figura virtual. Sabe-se que ele existe, mas pouco se comprova dado à sua perene ausência.

Após uma verdadeira batalha na Rocinha, durante a qual nada se ouviu de quem tem por obrigação dela cuidar, surge o Prefeito despejando abobrinhas para a imprensa. Nada melhor disse do que identificar um “banho de loja” como elemento relevante para resolver os problemas da “comunidade”. 

O que terá na cabeça tão digno político? Certamente, não faltam lojas na Rocinha; pelo contrario é substancial o volume do comercio local. Então, será que, como ocorre na expressão por vezes usada tratando-se do upgrade na aparência de uma dama, o Bispo/Prefeito (ou Prefeito/Bispo?) pretende embelezar a favela com lojas Hermès, Vuitton, etc...?


Como se não bastassem tais visitas póstumas, surge, também, uma simpática atriz Global, mergulhando em análise arguta para a pacificação da favela: faça-se “uma ocupação cultural”! Sugere instalar um cinema esquecendo que nem escolas escapam de balas perdidas e longa interrupção. 


Não que o entretenimento não tenha seu valor, mas talvez, em vez de construir-se um cinema com o dinheiro público, melhor direcioná-lo para mais creches, mais postos de saúde, mais iluminação, mais retirada de lixo. Voltando ao cinema, que o empregador da bela atriz financie sua construção, assim demonstrando a solidariedade do capital privado no trato da cousa pública.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A República da Rocinha


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Apesar de intervenção corajosa das UPPs de Beltrâme, o que se seguiu foi a falência do programa pela incúria do governo do Rio de Janeiro. As medidas preconizadas de valorização da cidadania de seus habitantes, através da instalação de creches, postos de saúde, escolas e, ainda, mediante o ordenamento da vida civil foram adiadas e, em seguida, esquecidas. Os policiais mal supervisionados por seus oficiais, mal instalados e mal protegidos em terra que ao cair do sol tornava-se hostil, aos poucos se deixaram ir na direção do facilitário, talvez do suborno, e, por vezes, da cumplicidade. O projeto faliu graças ao maior defeito brasileiro, o desprezo pela manutenção, seja de ideias, seja de construções.

Hoje, a Rocinha não faz parte do estado brasileiro. Tornou-se a Republica da Rocinha, a RdR. Seus líderes declararam sua independência. São hábeis; com o Brasil seguem uma relação comercial aberta, uma união aduaneira total. Adotam uma versão própria do espaço Shengen onde sua fronteira com o Brasil é porosa e tolerante. Contudo a minúscula nação decreta seus impostos, sobre o transporte, sobre a energia do gaz, sobre as transações imobiliárias, sobre o comércio, sobre o uso da internet. Impõe suas próprias leis. Seu judiciário é constituído pelo núcleo do poder executivo, onde prevalece a pena de morte, por tortura se necessário for. Sua prefeitura a chamam de Associação. Seu governo obedece a meritocracia, onde o mérito obedece sua própria definição, pautada pelos interesses do comando. É responsável por sua própria segurança, formado por exército eficiente de viés guerrilheiro. À sua fronteira esgotam-se as leis do Brasil.

Porém, a secessão gera uma guerra permanente entre a FADAR (forças armadas da rocinha) e a polícia e o exercito brasileiros. Os últimos combates desta semana vem revelando a maestria dos combatentes da FADAR face às polícias do Estado. Em movimentos dispersos, porém coordenados, tem mantido à distância as pseudo forças de repressão. E isto no meio de uma guerra civil dentro da própria Republica da Rocinha!

Pouco autores teriam a imaginação de construir tamanho cenário do absurdo. Já do lado de cá da fronteira, observa-se, ao longo da semana, uma notável demonstração de descoordenação entre a polícia do Estado do Rio de Janeiro e o Exército Brasileiro. Já, ao findar-se a semana de conflitos, as duas entidades parecem ter chegado ao entendimento. Porém, para não desagradar os oponentes na Rocinha, tiveram o cuidado de revelar, pela televisão, seus planos de ataque. Informam o inimigo, com cortesia admirável, quando e onde vão atacar, identificado data para o cerco e a quantidade de tropa envolvida.

Contudo, quando da vitória, esta será passageira. Ao retirarem-se as ditas forças da ordem tudo voltará ao “que era antes no quartel de Abrantes”. Sem uma ampla reforma social, urbanística e administrativa, que conquiste a confiança e o apoio de seus habitantes, a República da Rocinha perdurará.



sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Um novo mundo


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O Século XXI promete uma profunda mudança no quadro da geopolítica, onde protagonistas desaparecem ou cedem espaço a potências recém-chegadas, redesenhando antigas formações.

Foi gradual dissolução do Império Britânico, onde o Sol jamais se punha, sob cuja bandeira imperava a Pax Britânica em mundo dominado por uma só potência. Sua derrocada iniciou-se em agosto de 1914, ao deflagrar um conflito que iria arruinar a Grã Bretanha e sacrificar no altar de Marte a sua jovem elite, o seu futuro. O desastrado Tratado de Versalhes encerrou o primeiro capítulo deste relato, reiniciado em setembro de 1939 por uma Alemanha ávida de vingança. O término da segunda. Guerra Mundial soa como se réquiem fosse, e o enterro dá-se quando da entrega à Índia das chaves de sua independência. Rui, assim, o mais poderoso império desde os tempos Romanos.

Seguiu-lhe o Império Francês, exaurido, também, pela guerra recém-finda. A derrota no vale vietnamita de Diem Bien Fu prenuncia sua extinção, efetivada quando do abandono da Argélia.

Duas potências, as vencedoras do segundo conflito mundial, preencheram o vácuo deixado por Ingleses e Franceses. Os dois vitoriosos, os Estados Unidos entronizado como líder do Ocidente Cristão-Capitalista e a União Soviética, Ateu-Socialista, herdeira das terras do Leste Europeu e da Ásia, compartilharam o planeta.

O conflito entre os dois polos, que parecia iminente e cujas consequências apontavam para novo morticínio e destruição, foi evitado por um fator tecnológico: a Bomba Nuclear. Somente a perspectiva de Armagedon (1) salvou a humanidade de mais uma catástrofe humanitária. O conceito de MAD (2) reconhecido pelas partes, impos limites ao contencioso. Assim, a Pax Britânica teve por sucessora a Pax Nuclei.

Hoje, neste Século XXI, o mundo exibe nova conformação que se inicia pelo colapso financeiro da União Soviética, assim derrubando o edifício da Internacional Socialista. Tomba, também o equilíbrio bi-polar até então reinante.

Assim, os Estados Unidos da América , no apagar das luzes do Século XX, assume o manto soberano de líder inconteste. Inebriado pelo hubris de sua singularidade, os Estados Unidos se lançam em guerras impopulares junto à seus aliados, onde o enorme custo financeiro e em vidas não atingem seus objetivos de pacificação e submissão. No Oriente Médio e Próximo, prolongam-se por décadas as guerras(3), em combate intermitente e vitória fugidia. Por consequência expande-se e internacionaliza-se o terrorismo confrontando Washington com enigma indecifrável. Â este cenário sombrio junta-se, hoje, a petulância desafiadora da Coreia do Norte, sem que o jejuno Donald Trump pareça capaz de compreender a complexidade de sua situação. Por resultado, dissemina-se uma imagem de incapacidade diplomática e hesitação militar.

Apesar de seu inigualável poder bélico, constata-se uma redução do poder político de Washington no cenário internacional, deixando um vazio a ser preenchido pela consolidação de novos blocos cuja influência nos destinos do planeta se torna evidente.

O bloco formado pelas União Européia, com seus 400 milhões de habitantes, um PIB próximo à 16 trilhões de dólares e uma extensão de 4 milhões de km2 apresenta uma massa político-econômica de inconteste relevância internacional. Tanto Angela Merkel quanto Emmanuel Macron já manifestaram suas preocupações quanto a atrelamento da Europa face à crescente insegurança gerada pela indecisa e variável política externa norte-americana. Defendem, com propriedade, acentuar o rumo independente, inclusive no que toca a futura estruturação militar do continente.

A ascensão da China, tanto econômica quanto política e militar, se embasa em população que excede 1,3 bilhões de habitantes, um PIB acima de 6 trilhões de dólares e um território de 9,5 milhões de km2. Suas forças armadas e capacidade termonuclear inspiram o respeito suficiente para não curvar-se perante pressões externas, assim preservando sua capacidade de iniciativa internacional. Sua influência econômica na região é crescente, mediante instrumentos financeiros e comerciais tais como a China-Asean, expandindo, ainda, sua presença militar na região às expensas do status norte-americano. Ainda, projetos ambiciosos tal qual a nova Rota da Seda em direção à Europa demonstra a audácia e a técnica na conquista de novos mercados, tornando mútuos os interesses criados.

Já a Rússia se apresenta como um quarto bloco. Herdeira empobrecida do venerável Império Russo, depois Soviético, e apesar de seu modesto PIB abaixo de 2 trilhões de dólares, e uma pequena população de 145 milhões, o país é o mais extenso do planeta com seus 17 milhões de km2, possui moderno arsenal nuclear e convencional que a torna relevante nas questões internacionais. Sua recente absorção da Crimeia como contraponto à expansão da OTAN e sua eficaz intervenção na Síria em favor do governo Bashar Assad, revela excepcional habilidade de planejamento e execução político-militar. Nesta área, observa-se sua aproximação com a Turquia, apesar de ser ela membro da OTAN porém descontente com o apoio norte-americano aos separatistas Curdos. Ainda, a aproximação de Moscou a Teerã reforça o eixo Xiita que inclui o Iraque e a Síria, em oposição aos interesses dos Estados Unidos, próximos aos governos Sunitas da região, estes sob o comando da Arábia Saudita.

Essa nova conformação internacional exigirá crescente habilidade e cautela dos Blocos no trato dos interesses conflitantes e disseminados mundo afora. A busca por mercados preferenciais e influências militares será intensa, o que poderá beneficiar países como o Brasil, já que tal pluralidade lhe oferece o benefício da concorrência por vantagens, sejam políticas, sejam comerciais.

Contudo, no que tange a segurança nacional, a proximidade cultural e geográfica e militar deverá garantir uma relação estável Brasília-Washington, porém permitindo ao Itamaraty um campo de negociações mais amplo e vantajoso.

(1) A batalha final entre Deus e os pecadores
(2) Mutual assured destruction ou Destruição mútua assegurada
(3) Cumpre 15 anos a guerra no Afeganistão



sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Donald e Kim

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Desde as últimas observações desta coluna, o conflito, por enquanto verbal, entre Pyongyang e Washington vem se exacerbando. Agora, a última palavra é de cunho tecnológico: Termonuclear. Esta é a denominação para a última bomba desenvolvida e testada com sucesso pelo regime norte coreano.

Por resultado tem-se a escalada diplomática, apimentada pelos comentários desencontrados de Donald Trump, que ora defende o diálogo, ora a fúria de uma retaliação. De seu lado, o sinistro e rechonchudo Kim mantém o tom desafiador. Como se estivesse tratando com país de terceira categoria, não demonstrando o menor receito de desafiá-lo. Pretenderá ele levar Donald à mesa de negociações e extrair um tratado de Paz que ha sessenta anos escapa aos dois vizinhos? 

Mas por trás do pano que esconde os bastidores da platéia, ambos os lados sabem que estão patinando em gelo fino. A qualquer momento as ríspidas palavras podem se tornar bombas de verdade.

De seu lado, Kim Chang-uh e seu estado maior apostam (ou blefam?) em manter o adversário desequilibrado pelo inesperado, assim ganhando tempo. Tempo para dar às suas armas a confiabilidade e o upgrade que paralise a resposta violenta do opositor. Busca construir uma versão mirim do MAD* que garantiu a convivência durante a Guerra Fria.

A isto, assistem Xi Jinping e Vladimir Putin, com um misto de satisfação e temor, o desenrolar do contencioso. A ameaça coreana lhes favorece por desequilibrar os Estados Unidos criando uma incerteza que se traduz por fraqueza. Ainda, leva Washington a recorrer, tanto a Beijing quanto a Moscou, para a contenção de Pyongyang. 

Por ouro lado, a eclodir o conflito, sua extensão será imprevisível bem como a contenção de danos aos países limítrofes, China e Rússia. Ainda, a eventual queda, ou morte, de Kim trará a instabilidade de uma sucessão desconhecida.

Já, no campo norte-americano, o problema torna-se bem mais grave. De início, a preeminência da nação, até bem pouco líder do planeta, se deixa arranhar por um impetuoso aventureiro. Vê-se confrontada, não por uma potência, mas sim por um minúsculo país cuja população corresponde à um décimo da sua, cuja economia tem dimensão distrital, com exército antiquado, e marinha e força aérea nulas.

Ora, a autocontenção bélica não é uma característica norte-americana; por muito menos os Estados Unidos invadiram o Iraque. Nem seu “commander in chief”, Donal Trump, parece ser de natureza pacífica. Portanto, é razoável presumir-se que, se até este momento nenhuma ação militar foi deslanchada, esta aparente calmaria dever-se-ia à um cuidadoso estudo dos riscos militares decorrentes de ataque à Coréia do Norte:
  • identificar a localização precisa dos mísseis coreanos, muitos destes sobre lançadores móveis em constante movimentação
  • planejar a neutralização da artilharia convencional ao longo do Paralelo 38 ** que ameaça a Coréia do Sul
  • mapear a infraestrutura nuclear, tal como estoques, laboratórios, centrifugas, etc...
  • interditar todo transporte e comunicação, e mais importante
  • neutralizar a capacidade retaliatória dos mísseis coreanos que escapem ao primeiro ataque.
Talvez seja este último item a principal razão para a hesitação observada em Washington. Conquanto o exército norte americano possua foguetes anti-mísseis para interceptação em baixa altitude, os experimentos realizados em misseis para interceptação estratosférica tem sido duvidosos. Estaria protegida a base norte-americana de Guam? Será esta a razão real para a surpreendente paralisia militar yankee?

*    Mutual Assured Destruction
**  Fronteira informal que até hoje separa as duas Coreias


domingo, 3 de setembro de 2017

Um novo referencial



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Talvez seja justo dizer-se que os referenciais que hoje pautam a vida da sociedade brasileira distanciam-se acentuadamente d'aquelas que orientavam as gerações passadas.

A partir do término da Segunda Guerra Mundial observa-se o retrocesso da cultura europeia que guiava o Brasil letrado. Por exemplo, têm-se a francesa no Rio de Janeiro, a italiana em São Paulo, a germânica no Sul do Brasil que, mixada coma cultura portuguesa, determinava os valores que emanavam de suas elites.

Estas preferencias comportamentais naturalmente refletiam-se nas instituições que regiam o país, sob o comando destas elites. Estas fluíam para o povo, através da igreja, da família, da acadêmia, das artes e meios de comunicação que moldavam a juventude nacional.

Mas que referenciais seriam estes? A influência da igreja Católica e do conceito de Família formavam a base sobre a qual as elites se sustentavam; constituíam o referencial que guiava a sociedade. Da Igreja provinha o código moral que impunha o conceito do bem comum e da generosidade social; da Família decorria o conceito de honorabilidade e respeitabilidade, elementos importantes na ascensão social, por lenta que fosse. Tal constatação não pretende sugerir que a desonestidade não existisse; longe disto, porém, o comportamento ostensivamente honesto era exigido e permitia uma continuidade sem arestas no convívio social. Este era refratário à disseminação do comportamento”esperto”, versão atenuada da desonestidade, e a sua evidenciação levava à rejeição.

Ainda, a restrita população nos grandes centros demográficos acentuava a relação próxima que existia dentre os membros das diversas classes que compunham a sociedade, revelando a todos os desvios comportamentais. Tais desvios tenderiam a penalizar socialmente, quando não repudiar o faltoso.

Já, a partir do término da II Guerra Mundial, sob influência da vitoriosa América do Norte, incia-se o processo de transformação da base cultural da sociedade brasileira. Turbinada pela vitória do continente novo sobre o antigo, a expansão da influência norte americana é avassaladora. Impulsionada pelas forças gêmeas do comércio e da cultura, novos parâmetros se instalam gradativamente no Brasil.

O Deus Caridoso, que recomendava a humildade econômica e desencorajava o escancaramento da riqueza (com exceção de sua própria) foi paulatinamente substituído pelo Deus |Argentário recém importado, que, por sua vez, santifica o sucesso financeiro ao oferecer-lhe o reconhecimento divino.

A expansão demográfica, a alfabetização geral, a melhoria da saúde pública e das condições econômicas, a expansão dos meios de comunicação resultam em extraordinária mobilidade social, dilui a influência, ao longo do caminho, da sociedade “tradicional”. Esta, agora vista como estreita e rígida, é substituída por uma nova, de extremo dinamismo onde a riqueza explícita torna-se o principal índice de sucesso e aceitação. Forma-se assim um novo referencial de validação social, tornando inevitável a diluição da ética.

Ao fixar-se este novo referencial, as elites antes tidas por responsáveis pela nação, como preço devido pelo poder exercido, veem-se obrigada a abrir as portas da política para o ingresso dos novos contingentes, impulsionados pela enorme expansão do eleitorado e pela crescente monetização do processo. Dentre eles, muitos chegam ao topo da pirâmide, desprezam as limitações impostas pela ética, por ser inibidora de seu sucesso, absolvidos que são pela fortuna conquistada.

Neste processo, o conceito tempo altera-se. A visão política anteriormente predominante era de estender o presente, que a favorecia, pelo futuro afora. Assim atenderia aos interesses da sociedade então dominante, temente de alterações estruturais que colocassem em risco a sua predominância. Inversamente, a nova sociedade vê na renovação de conceitos, estruturas e instituições o continuo surgimento de oportunidades de enriquecimento, rejeitando tudo aquilo que impeça sua progressão.

Assim, a letárgica economia característica do Brasil na primeira metade do Século XX vê-se sobrepujada pela vibrante economia industrial-financeira-virtual dos dias de hoje, que demanda inovação e continua adaptação, não apenas de procedimentos mas, também, de novo referencial que permitam o contínuo ímpeto em direção à prosperidade material. Dentre as vítimas desta modernização sossobra o rigor ético que outrora servia de escudo para a sociedade ora em vias de sepultamento.

Inverte-se, assim, a visão temporal da nova elite, uma vez que a aceleração do processo decisório imposto pelo novo quadro econômico encurta o horizonte de previsibilidade, assim priorizando as decisões de curto prazo, ambiente prevalente e contaminante quando da escolha das prioridades públicas.

A evidencia, hoje, de legislação e decretos em benefício próprio, bem reflete o açodamento da prática política, pois não só a riqueza é venerada, mas a pressa para atingi-la é acelerada, rompendo-se, para tal, as barreira éticas que impeçam este objetivo. 

Voltar ao passado não é possível nem conveniente. Contudo, a perda de referência ética tornar-se-á uma corrosão permanente dos projetos erguidos sobre fundações falsas, cuja ruína é inevitável. A desonestidade endêmica, hoje evidente, corrompe o poder político que, por sua vez, conduz a nação ao caos administrativo, à discórdia dentre as classes da sociedade, ao esgarçamento da Família, à desmoralização internacional. Triste Brasil.