domingo, 26 de março de 2017

Ética e Sociedade

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O Grito,  por Edvard Munch

Se a formulação da ética tem por objetivo acentuar a harmonia, o comportamento equilibrado dentre os segmentos que compõem a sociedade assim propiciando a evolução civilizatória, o mesmo se aplica à estética, que também busca o equilíbrio e harmonia na construção daquilo que pode se chamar de Bello, seja na forma, nas cores, nos sons, que parecem apontar para o ethos cívico. Assim, uma e outra caminham juntas, auto-alimentando-se.

A arte, habitualmente, busca a expressão estética dos grandes temas do então presente. Do equilíbrio harmonioso que oferece como denominador comum, possível inferir-se a harmonia ou, inversamente, o conflito que prevalece na sociedade que a cria. Ao ocorrer o esgarçamento da ética esta não tarda em gerar a resposta estética. Na desarmonia expressa pela arte contestatária reside a denuncia do desvio que contamina a sociedade, desvendando o mal feito e a hipocrisia prevalente que não mais sustentam o edifício social.

A chaga aberta na ética brasileira revela-se, cada vez mais profunda. A partir da incontida busca pelo poder aliada à anomia jurídica, alastra-se a teia que captura a extensão dos quadros partidários. Também, no lado empresarial responsável, na medida de sua relevância econômica, evidencia-se a ruptura do equilíbrio ético, onde é clara a dissonância na partitura que deveria equilibrar os interesses do capital, do trabalho e do consumo, elementos essenciais à perenidade do sistema. Ao repudiar a ética que exige harmonia desestabiliza-se a base moral, invalidando leis, subordinando o bem comum à ganância imediatista.

Não raro, observa-se manobras societárias, conluios gerenciais, acertos cartelistas e, na dimensão mais abjeta, a conspurcação do produto vendido com o intuito de, ao enganar o consumidor, potencializar o beneficio de um segmento às expensas dos outros. Desmoraliza-se, assim, a crença no capitalismo, força essencial, quando aplicada dentro dos limites da ética, para o desenvolvimento da sociedade.

Já, as forças empresariais que poderiam influir para o aperfeiçoamento do projeto-nação, parecem elas prisioneiras de pueril simplismo, na ilusão de evitar o inevitável: a prestação de contas imposta pela pela resposta político-social. Suas formulações e comportamento conflitam com a busca de solução abrangente, onde tanto o topo quanto a base da pirâmide sócio-econômica são inter dependentes na criação de uma nação próspera. Pelo contrário, buscam nas manobras essencialmente imediatistas amealhar fortuna e poder, ignorando que os benefícios ganhos, se não compartilhados na dimensão macro, inviabilizarão politicamente a perenidade de suas ambições.

Tais comentários poderão ser por muitos desprezados por estarem alheios à realidade vigente, de pouco valor prático. Contudo, evocando ditado inglês que reza “The sight of the gallows sharpens the mind”* oportuno será lembrar quão próximas estão as eleições presidenciais, e os perigos que encerram.



*A visão do patíbulo aguça a mente

sábado, 18 de março de 2017

EUA, China e Rússia: um novo quadro estratégico

Esta coluna publica, com especial prazer, as observações do Embaixador Luis Felipe Seixas Correa a respeito da ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e suas repercussões internacionais.


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A política é surpreendente. A vitória de Donald Trump nas recentes eleições presidenciais americanas comprova a imprevisibilidade do futuro. Ele teve a intuição de aproveitar o ressentimento acumulado nos últimos anos, tanto dos setores do big business norte-americano, indústria, comércio, finanças, com as políticas postas em prática pela Administração Obama, quanto da classe média baixa e branca, e logrou seu objetivo com muita clareza. Seu discurso de posse revela uma acentuada dose de voluntarismo. Muitas palavras, muitas generalidades, pouca ou nenhuma indicação de como poderá implementar os seus desígnios. Fica a sensação de que Trump advoga uma espécie de nacional-capitalismo, e fica a preocupação de que poderá provocar conflitos e confrontos dos Estados Unidos no mundo. Seu lema, America First, é algo que não condiz com o discurso político do Pós-Guerra, nem com a Carta da ONU, que estabelece o Princípio da Igualdade Soberana das Nações. São intenções que se cumprem, mas que não se enunciam, jamais, assim tão claramente. 

O que pensam os adeptos de Trump é que a política externa do Governo Obama caracterizou-se por uma retração da presença norte-americana no mundo, pela aversão ao emprego do poderio militar, pela redução dos gastos com Defesa, pela rejeição da tradicional ideia de serem os Estados Unidos uma força moral no mundo, pela busca de algum diálogo com o mundo islâmico e pela tentativa permanente de evitar que crises internacionais perturbassem a promoção da agenda doméstica do Governo Obama, que sempre foi a sua prioridade. 

É verdade que a política externa conduzida por Obama terá sido aproveitada pela Rússia e Putin pôde assumir a liderança em todas as frentes geoestratégicas de seu interesse, principalmente na Europa do Leste e no Oriente Médio. É também certo que a retirada das forças norte-americanas do Iraque, que já se encontrava razoavelmente pacificado e sob a influência direta dos Estados Unidos, criou um vácuo, que veio pouco depois a ser preenchido pelo ISIS e pelo Irã. Ao Irã, Obama proporcionou a preservação do seu programa nuclear e o fim das sanções, o desbloqueio dos bens. Portanto, com uma significativa vantagem estratégica e econômica para os iranianos. Na Líbia, a interpretação liderada pelos Estados Unidos, mas liderada na expressão muito interessante que passaram a usar, to lead from behind, liderada por trás, pelos Estados Unidos, gerou também um vácuo que veio a ser ocupado pelo ISIS. E, eu ouvi também esse comentário em recente viagem pelos Estados Unidos, muita reação ao reatamento com Cuba, que terá dado sobrevida e prestígio renovado ao castrismo, alentando a esquerda latino-americana, justamente no momento em que se encontra combalida pelo enfraquecimento de suas posições no Brasil, na Argentina, na Bolívia e pelo progressivo esfacelamento da Venezuela. 

Diante dessas preocupações, não é de estranhar que o apoio da franja mais nacionalista dos Democratas tenha se sentido defraudada, tanto mais porque a candidata do partido, Hillary Clinton, tendo sido Secretária de Estado, foi considerada a responsável por esses, que muitos consideram erros cruciais da política do Obama. Não creio que essa propalada interferência russa nas eleições norte-americanas seja mais do que um bode expiatório lançado pelos Democratas para justificar a derrota e constranger Trump. Trump já declarou, repetidas vezes, que não tem motivos para antagonizar Putin, mas negou maior proximidade com o presidente russo. Na prática, pode-se prever que tenderá a manter boas relações com a Rússia, principalmente em torno daquela que será a prioridade da política externa norte-americana no seu início, o combate ao terrorismo islâmico. A cooperação com a Rússia é indispensável para esse objetivo, mas dificilmente se tratará mais do que uma aliança tática em um teatro definido, e, sobretudo, uma “afinidade”, entre aspas, que enfraquece a União Europeia e protege a Rússia de novos episódios como a Ucrânia. 

Trata-se, sob todos os aspectos, de uma aproximação, creio eu, que é surpreendente, mas que não deixa de ter motivações táticas. Putin é um líder forte, que traz consigo duas heranças também fortes, a do comunismo, que acabou, e a da antiga Rússia Imperial, que não acabará jamais. Seu comportamento atualmente vai pelo lado da Rússia Imperial, algo que ficou evidente na reação à tentativa da Aliança Ocidental de cooptar a Ucrânia e chegar perto demais da Rússia. Mutatis mutandis, foi o que aconteceu inversamente na Crise dos Foguetes de Cuba, onde os Estados Unidos traçou uma linha dura e se preparou para um conflito nuclear com a então União Soviética. Os Estados Unidos ganharam no conflito de Cuba e a Rússia ganhou na Ucrânia. Ambas as crises demarcaram os limites a que podem chegar as ameaças a uma e outra superpotência nuclear. 

Trump, por sua personalidade, parece entender bem esse tipo de reações. Veio praticando ao longo de toda sua vida uma espécie de capitalismo agressivo, que ataca até o momento em que percebe os limites da força do competidor. Vai seguir, muito provavelmente, essa norma nas relações com a Rússia de Putin, que, diga-se de passagem, com o lento desgaste da Sra. Merkel, é hoje, talvez, o único grande líder europeu, independentemente do que possamos pensar das suas políticas. Mais recentemente, seu envolvimento no conflito da Síria revelou determinação e capacidade de arregimentar forças para buscar transformar uma realidade que ameaçava os interesses estratégicos da Rússia. Eu acho que a evolução das relações entre os Estados Unidos e a Rússia dependerá, fundamentalmente, de como progrida a luta contra o terrorismo islâmico. Se o ISIS for derrotado pelos dois países em coordenação, virá a questão da partilha das esferas de influência na Síria e no restante da região, e muitas outras situações que poderão colocar os dois partidos, os dois países, em situações opostas. 

Pelo que eu pude observar, em conversas com diversos interlocutores em recente viagem aos Estados Unidos, há duas correntes de opinião entre os eleitores republicanos de Donald Trump. Uns esperam que ele seja na Casa Branca o Trump de sempre: radical, agressivo, movido por suas próprias opiniões, centralizador e convencido de que a distância entre a administração pública e os grandes negócios é muito reduzida: um capitalista clássico! Outros acreditam que a fanfarra de campanha não passa de fanfarra de campanha mesmo e que, no poder, Trump será contido pelo establishment do Partido Republicano: direita sim, ma non troppo! Outros ainda acreditam que o vice-presidente Mike Pence, por seu tino político e seriedade, seria uma garantia de que, na hipótese de um eventual impeachment de Trump, não haverá necessidade, como houve no caso de Nixon, de se afastar o vice e eleger outro. 

Em recente artigo no New York Review of Books, encontrei uma apreciação notável: “Trump é um improvisador, um ator, um criador de novas realidades, um homem prejudicado pelo seu próprio narcisismo, um músico, um dançarino mágico. Nem ele mesmo sabe ou pode imaginar o que vai acontecer”. Isso, para o presidente do país mais poderoso do mundo, é muito mais do que preocupante: é assustador! Minha impressão é de que, tanto os Republicanos quanto os Democratas oscilam entre um e outro ponto de vista. Alguns otimistas, outros menos. Muitos pessimistas, uns poucos menos. Todos, porém, parecem acreditar que boa parte da vitória de Trump derivou da reação negativa à personalidade de Hillary e aos pontos obscuros de certas práticas do casal Clinton. Muita gente acredita que Joe Biden teria ganho. O que se pode perceber é uma imensa ansiedade. Para onde vai o país? Como liderar o chamado “mundo livre” com uma dose intensa de radicalismo personalista? Como será Trump capaz de se relacionar com o mundo, com as lideranças nacionais na Europa, na Ásia, e na América Latina? 

Um enorme problema para Trump será a China, outra das facetas que devemos abordar nesse encontro e sua iniciativa de falar pessoalmente com a Presidente de Taiwan foi um expresso desafio ao equilíbrio das relações entre os dois países. Um gesto que havia sido negociado com o lobby de Taiwan em Washington, liderado pelo ex-senador e ex-candidato a presidente republicano, Robert Dole, foi mais uma provocação do que uma mudança de política. Trump vem criticando muito insistentemente as restrições comerciais da China e determinadas práticas invasivas de Beijing. 
Não poderá esquecer, porém, que Beijing é o maior comprador da dívida norte-americana e que boa parte do crescimento do mercado consumidor americano depende das importações da China. 

Atualmente, nota-se que os Estados Unidos jogam um jogo de curto prazo, condicionado pelas idiossincrasias de cada administração, enquanto a Rússia e a China jogam no longo prazo, sem a pressão do calendário eleitoral e das disputas políticas internas. Assim, pode-se identificar uma tendência de que esses dois países, Rússia e China, se comportem com cautela nos momentos em que os Estados Unidos estão sob um governo mais assertivo, como o de Trump, esperando os momentos de governos mais fracos em Washington, para avançar em alguns passos em suas agendas. 

A Europa pós-Brexit, a esta altura, está à procura de um papel mais afirmativo no mundo. Busca evitar outras ameaças como poderão ser uma eventual saída da Itália (pouco provável, mas não impossível) e da Grécia, que poderá voltar à agenda. Em nenhum dos países da Europa Ocidental parece prevalecer a determinação que engendrou a União Europeia e transformou o mundo. 

É crucial para o Reino Unido guardar a força, o prestígio e a independência da praça financeira de Londres, ameaçada pelo centralismo europeu, ortodoxo de origem germânica do Banco Central Europeu. 

É crucial também evitar a invasão de refugiados, sobretudo islâmicos. O Reino Unido parece retornar, assim, a seus imperativos históricos de guardar uma certa distância da Europa Continental e de, eventualmente, acirrar um país contra o outro. Sempre comento que o Brexit não me surpreendeu. O que me surpreendeu, na realidade, foi a entrada do Reino Unido na União Europeia. Nada mais forte do que as tendências históricas e geoestratégicas de cada país para definir as suas linhas de política. 

A tendência de Trump, a meu ver, será a de reforçar a aliança anglo-saxã (Reino Unido, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) que dá as cartas no mundo desde a queda do Império Napoleônico. A visita de Theresa May, amanhã, a Washington, é prova da prioridade dessa aliança, que derrotou duas vezes o poder germânico, derrotou a União Soviética e agora enfrenta o Islã radical. 

O Japão, por sua vez, não deverá acarretar maiores desafios para a Administração Trump , cuja tendência será muito provavelmente no sentido de fortalecer as posições defensivas de Tóquio no que se refere às pretensões expansivas da China no Mar da China, objeto de frequentes litígios. 

Quanto ao combate ao radicalismo islâmico, o que deve-se esperar é um comprometimento maior do poderio militar dos EUA. Liderar pela frente e não por trás, como foi a política empregada por Obama. Certamente não será essa última a política do futuro Secretário de Defesa, conhecido pela alcunha de “Cachorro Louco”. 

No que diz respeito à América Latina, os olhos da futura administração estarão prioritariamente voltados para o México e para os temas migratórios em geral. O muro, que Trump decidiu, assinou o instrumento ontem, o decreto ontem, Executive Order, que decidiu construir na fronteira, para evitar o influxo dos “males” proveniente do país (emigrantes ilegais, drogas, dinheiro sujo, violência entre outros) é, acredito que seja mais um símbolo do que uma realidade possível. Curiosamente, diz-se que o México estaria sim, disposto a construir e pagar o muro para evitar o influxo de norte-americanos que eventualmente desejam escapar do radicalismo trumpista. O que se pode prever, a essa altura, é uma concentração maior de interesses do México na América do Sul, algo que não é necessariamente favorável ao Brasil, mas que poderemos discutir eventualmente. 

O Brasil, a esta altura, infelizmente, está longe do radar da futura administração. Nos meios empresariais americanos é evidente, porém, a preocupação com a crise brasileira e com o desempenho da nossa economia. Caberá eventualmente ao Brasil configurar e propor um projeto de ativação das relações bilaterais, assim que sejamos capazes de saber o que queremos, se é que queremos alguma coisa. 

Em recente artigo, o brasilianista Albert Fishlow assinalou com muita propriedade, que, em seu discurso de posse, no espírito agressivo de outro presidente americano a quem ele tem sido comparado, Andrew Jackson, Trump rejeitou a Ordem anterior, em direção a um novo populismo. Não fez referência à recuperação econômica após a Grande Recessão, não lembrou um papel positivo do sistema financeiro, não deu crédito a cooperação com os aliados por meio do Tratado do Atlântico Norte e tampouco se referiu aos tratados presentes, como o Acordo Nuclear com o Irã e os relativos a mudanças climáticas. 

Ao contrário, segue Fishlow, o presidente insistiu nos seus temas de campanha, como a promessa de denegar o pântano político de Washington, o que incluiria tanto a ala republicana quanto a democrata. Enfatizou o retorno da produção das indústrias nacionais, com maciços instrumentos e infraestrutura. Ao enfatizar, no discurso, o tema da América em primeiro lugar, America First, o discurso reiterou a necessidade, ainda estou com Fishlow, o discurso reiterou a necessidade de trazer de volta a riqueza investida no exterior e a garantia de novos empregos para reduzir as importações. Isso, comentou o autor, lembrou a postura de Charles Lindbergh nos Anos 30 e do isolacionismo que ele apoiava. 

Eu volto a perguntar se nós estaríamos diante de uma espécie de nacional-capitalismo que poderia, como o nacional-socialismo, conduzir a desastres incalculáveis. E aqui encerro. O resultado de todas essas variáveis, bem poderá ser, na expressão de Ian Bremmer, o mundo do G0. Um mundo sem lideranças globais, seja em cooperação, seja em confrontação. Seria um contrassenso histórico, mas não é impossível que aconteça, e isso tornaria ainda mais prováveis os conflitos. A esta altura, é praticamente impossível prever o futuro, sobretudo, que ainda não aconteceu. De toda forma, como dizia sempre um amigo meu, americano, que trabalhava com political forecasting. No meu negócio, dizia ele, o importante não é fazer previsões corretas, mas sim previsões frequentes.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Os ventos da Holanda

Bons ventos sopram da Europa. Contrariando o pessimismo espelhado na imprensa global, parece não ter chegado o momento da desconstrução do maior experimento civilizatório do Ocidente, a União Européia. Prometendo o fim das guerras entre países e alianças e, ainda, permitindo a livre circulação de seus cidadãos Europa a-fora chega-se à gradual polinização cultural dentre todos, derrubando mitos e preconceitos, ódios e intolerância, e barreiras psicológicas erguidas durante milênios na luta por supremacia regional.

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Será na Holanda que se verá a redenção do conceito Europa una? Em voltas com uma eleição radical, onde a questão imigratória tornou-se o tema decisivo e o embate intenso a ponto de provocar agudas tensões internacionais. Tanto Mark Rutte quanto Recep Erdogan buscaram vantagens ao eclodir o confronto diplomático. O holandês, no seu áspero tratamento de dignatários turcos, conquistou votos xenófobos que teriam ido para Wilders, enquanto o turco obteve os votos nacionalistas de seu país ao explorar o inusitado tratamento recebido por seus ministros.

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Geert Wilders

A resultante derrota de Geert Wilders na Holanda revela que ainda é possível derrotar as forças retrógradas que se manifestam na Europa, que refletem o animus político que vem se acentuando nos últimos anos. Adubado pela tempestade econômica gerada em Wall Street em 2007/08 cujos efeitos em seguida invadiram o Velho Continente, criou-se um ambiente de temor generalizado pela sobrevivência das classes média e trabalhadora, massacradas pelo desemprego. Assim, fez-se natural direcionar tal reação ao campo político, refletindo o repúdio a qualquer espécie de concorrência pelos minguados postos de trabalho. À invasão vinda do Leste europeu somou-se o crescente fluxo de refugiados expulsos de suas terras pelas guerras iniciadas por George W. Bush onde o objetivo de regime change aliado à tecnologia dos bombardeios aéreos teve por resultado colateral a massificada matança de civis.

Hoje, a modesta, porém estável melhoria nos prognóstico econômicos europeus, onde o crescimento real do PIB regional já se manifesta, poder-se-ia prenunciar a paulatina reversão da intolerância ainda hoje prevalecente. Ainda, a iminente derrota do Estado Islâmico acoplada à tendência de estabilização da Síria reduzindo o morticínio e o consequente êxodo migratório poderá atenuar a ameaça que hoje sofre a Europa.

É provável que o ocorrido na Holanda venha a exercer influência no quadro eleitoral francês. O clima exaltado que decorreria da vitória dos radicais holandeses já perdeu algo de seu ímpeto, assim contendo a ascensão de Marine le Pen. Já, os efeitos da trapalhada de François Fillon se fazem sentir, amputando suas aspirações. Resta a questão: quem herdará os votos perdidos dos Les Republicains? Emanuel Macron parece contente.


domingo, 12 de março de 2017

Perigos e armadilhas


Mapa de Médio Oriente

O Oriente Médio não promete descanso. Os Estados Unidos mantém um ritmo de intervenção que só faz aumentar a confusão reinante. A cada inimigo que combate, cria outros, desta forma assegurando a perenidade dos conflitos naquela parte do mundo.

No momento, Washington revela, em toda a plenitude, sua aliança com os curdos. Já na época em que combatia a resistência Sunita iraquiana, os Estados Unidos formaram aliança com aquela “nações” concedendo-lhes autonomia em troca de colaboração militar. Hoje, este entrosamento estende-se à guerra contra o Estado Islâmico.

Simultaneamente, em luta incessante pela sua independência, os Curdos recorrem ao confronto armado contra os países que lhes são soberanos, a Turquia, a Síria, o Iraque e o Irã, o que lhes vale o epíteto de “terrorista” tendo em vista os métodos utilizados. Hoje, a ação militar que une os Estados Unidos e os “pesh mergas”, braço armado Curdo, redunda, conforme a visão turca, em séria ameaça.

Ancara considera a autonomia armada curda atentatória à sua segurança e, portanto, inaceitável. Este contencioso poderá ter por consequência o esgarçamento das relações com Washington, comprometendo a eficácia da OTAN naquele teatro.

No Iraque, o que começou por uma aliança com o Curdistão iraquiano contra as forças pró Saddam Hussein, terminou por Washington promover sua virtual independência. À autonomia política se soma a econômica, onde a exploração de petróleo se dá de forma independente, ainda que inconstitucional, do governo central. É de se prever robusta reação de Bagdá uma vez cessada a ameaça do EI na região.

Ao combater o governo de Damasco através de um anêmico grupo de rebeldes intitulado Exército Livre da Síria, Washington investe forte capital político-militar em projeto destituído de qualquer relevância bélica. Tão frágil é o instrumento escolhido pelo Pentágono que sua atuação, para que tenha eficacia, se dá mediante alianças com grupamentos mais poderosos dentre os quais a própria Al Qaeda. Ou seja, macula sua reputação em boa parte daquela região sem que, por contrapartida, possa atingir seu objetivo de derrubar o presidente sírio. Ainda, lhe fornece armamento sofisticado cujo destino final será, muito provavelmente. o arsenal de grupos radicais alheios ao controle do Pentágono.

Ora, ainda que imprudente fazer-se previsões sobre o futuro de região tão conturbada, é provável que Hassan Assad mantenha-se no poder, gradualmente fortalecido pelo aliado russo e, novo desdobramento, pelo beneplácito de uma Turquia, há pouco hostíl. O alheamento dos Estados Unidos no diálogo com player desta relevância não parece ser compensado pelas vantagens duvidosas de sua derrubada

É improvável que Donald Trump tenha estabelecido qual a estratégia a seguir no Oriente Médio. A prosseguir no atual rumo os Estados Unidos tornar-se-ão progressivamente caudatários dos objetivos estratégicos da Arábia Saudita naquela região que privilegiam o enfraquecimento ou a eliminação dos estados xiitas. Washington, ainda que perceba, já se torna mais uma peça no xadrez da família Al Saud como revela seu envolvimento na guerra contra o Iêmen.*

Enquanto os Estados Unidos se debatem nas areias movediças da Mesopotâmia e adjacências, os nativos observam e apreendem. De pouco proveito teriam sido as alianças firmadas com Washington por serem elas dúbias e inconstantes. Enquanto a política externa norte americana oscila entre a real politik e anseios pueris por valores inaplicáveis que levam, justamente, à dubiedade observada, as capitais árabes, turca e persa próximas ao conflito sentem-se, quando não traídas, ameaçadas pela inconsistência observada.

Por subproduto deste emaranhado de objetivos conflitantes e ações desastradas tem-se o êxodo árabe em direção ao Velho Continente, trazendo por consequência a desestabilização da União Européia.

Enquanto isso, a palavra fica com Donald Trump.

*Recentemente publicado pelas Nações Unidas, “the war in Yemen has caused the largest humanitarian crisis in the world.”



domingo, 5 de março de 2017

O dilema francês


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François Fillon
Mais um mês e quinze dias e o primeiro turno das eleições francesas ter-se-á realizado. Contudo, o quadro que define o centro direita francês não está definido. A prevalecer a atual conformação, François Fillon, seu candidato, não reúne suficiente preferência para chegar ao segundo turno. Com seus 17% de intenção de voto, situa-se, neste momento, em terceiro lugar, bem próximo ao quarto.

À sua frente, Marine le Pen (27%) e Emanuel Macron (24%) navegam tranquilos em direção ao segundo turno. A se desenrolar este cenário, a disputa será entre a extrema direita do "Front National", e da terceira via socialista do “En Marche”.

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Allain Juppé
Após longa hesitação, o comando do Les Republicains contempla, seriamente, a substituição do candidato Fillon por Allain Juppé, tarimbado politico, hoje prefeito de Bordeaux. Em apoio a esta opção, a direção partidária baseia-se nas últimas pesquisas que lhe concedem 24,5%, desde que ausente o até agora desafortunado candidato. Nesta configuração, Le Pen ganharia o primeiro turno, porém Juppé parece ter a vitória assegurada na etapa seguinte.


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Macron e le Pen
Resta convencer o candidato sitiado à renunciar à sua candidatura. Caso o arranjo não se complete, a França parece destinada a ser comandada por uma virago estremada prestes a derrubar o edifício Europeu ou por um quase imberbe aprendiz de feiticeiro pronto para engendrar novos experimentos.


Porém, sendo a política imersa em circunstâncias imponderáveis, mais vale colocar a barba de molho e conter prognósticos impetuosos. No entanto, o futuro da França iluminada parece estar em jogo. 

quarta-feira, 1 de março de 2017

Oscar e Moonlight


Resultado de imagem para photos on oscarSem dúvida os tempos mudaram e com eles a aceitação de novas visões que compõem a vida moderna. A compreensão de comportamento antes tidas como desvio abriram as portas da sociedade para milhões de seres antes enclausuradas por crueis convenções. O ser intimidado. sem poder revelar a sua verdadeira face.

O filme Moonlight que agora recebeu o maior prêmio de excelência, o Oscar, é notável exemplo na luta pela aceitação das demais opções, não mais contidas pela dita “normalidade”. Assim, produziu-se um belo filme onde ótimos atores levam a platéia atraves de uma estória sofrida, imersa na pobreza, contida nos limites das barreiras raciais, onde o protagonista busca seu caminho intimista e sobrevivência econômica.

É aí que a coisa se complica. Respeitando o direito do individuo, à sociedade não cabe censurar-lhe as preferências sexuais. Pelo contrário, tal qual movimento pendular, o estigma de outrora hoje se manifesta em torrente cultural, substituindo o opróbio pela compreensão e até mesmo pela valorização. Atribui-se à este liberto, não sem razão, acentuada sensibilidade bem distinta daquela habitualmante atribuida ao macho alfa, não raro acusado de prepotência, agressividade, insensibilidade, etc...

Resultado de imagem para photos of film moonlightQue assim seja. Cabe, contudo, questionar-se o fio da meada descritiva, onde o jovem e frágil negro tem por protetor fortuito um simpatico adulto cuja profissão é a de traficante de drogas tendo a mãe do menino por cliente. Não tarda, este morre. Goes with the job.*

Neste momento, o diretor do filme encontra-se numa encruzilhada. O herói, confrontado pela decepção, escolherá o caminho da “normalidade”, ou seja, dentro dos limites da ética e da moral, ou bem optará pela trilha mais fácil, emulando seu protetor?

Não cabe, aqui, comprometer o espetáculo, revelando seu final. Não, melhor deixar ao espectador o beneficio da surpresa, sabendo, no entanto, que na primeira opção o filme tornar-se-ia, talvez, vítima do lugar comum, arriscando a indiferença. Por outro lado, emergindo o protagonista como herdeiro do crime, teria ele demonstrado não ser tão sensível assim, pois de sua faina colher-se-iam vidas destruidas.

Será que o embroglio ao final do espatáculo refletiu, sublinarmente, esta dúvida...


*Faz parte do jogo