Mais uma vez, a
campanha presidencial norte americana identifica o inimigo externo
como se fosse um viagra político.
Desta vez o papel coube à
Hillary Clinton na sua busca por um perigo existencial, uma ameaça
iminente cuja face atual é a de Wladimir Putin. Há muito a
perspectiva de paz não soma votos; pelo contrario, o
Vietnam para Nixon, a
União Soviética para Reagan, o sérvio
Milosevic para Bill Clinton, o ogre Saddam Hussein para
George W Bush, todos serviram como
instrumento político na eleição de presidentes americanos.
Seguindo a tradição, Putin torna-se cabo eleitoral de Hillary
Clinton, protetora da America contra o perigo russo.
De fato, o líder
eslavo revela personalidade agressiva; é
destemido, não hesita explorar vantagens geo
politicas e militares. Revelou, também, ter sido o redentor de uma
Rússia desmembrada, desestruturada e empobrecida pela perda das
nações outrora parte do Império Tsarista/Soviético.
Agravada pela
administração caótica de Boris Yeltsin, onde a “Nomenklatura”
comunista era substituída
pela Oligarquia libertária, fez-se com que e o binômio
ineficiência/corrupção apenas mudasse de mãos, sem resolver os
problemas econômicos da nação. Já, nos anos de sua administração, Putin promoveu a recuperação da economia russa, elevando o PIB (PPP) do
país em mais de 500% trazendo o Indice Gini de distribuição de
renda para 42 superando o do Estados Unidos (45).*
No
campo político, Wladimir Putin se beneficia da propensão histórica
que favorece um governo autoritário, ainda que democrático do ponto
de visto eleitoral. Já, o governo das regiões russas, nossos
estados, não é eleito. Assim, contata-se que a democracia russa
difere da ocidental, nem poderia deixar de ser, levando-se em conta sua
história de ininterruptos governos autocráticos.
Resta
a questão se o líder russo representa um perigo claro e iminente
para a aliança Ocidental? Estariam os Estados Unidos e a Europa
sujeitos a um ataque do exército russo? A
resposta viria de uma avaliação a partir de dois prismas, o
defensivo e o ofensivo:
O
cerne da defesa Russa está no seu arsenal nuclear, armamento que só
poderá ser usado no caso estremo de ameaça à sobrevivência da
nação. Mesmo o uso dos misseis táticos nucleares só pode ser
visto como uma decisão de desdobramento extremo. Putin sabe que não
tem condições de defender, com armamento convencional e uma
população de 142 milhões de habitantes, um país com 16 milhões
de kilometros quadrados.
Seu
exército, com sua potencialidade máxima limitada por uma população tão pequena, jamais poderia enfrentar uma
aliança cuja população ultrapassa 700 milhões de habitantes. Sua
capacidade industrial e bélica é uma mera sombra daquela de seus
potenciais inimigos. Seu PIB (PPP), estimado em torno de 3 trilhões é menos de um décimo dos PIB's combinados dos Estados Unidos e
União Europeia. Dedica 3,9% de seu orçamento às despesas militares
contra mais de 4,5%, ou seja, menos de 1/7 do montante absoluto
despendido pelos Estados Unidos.
Sugere
o bom senso que tal disparidade de forças nega, enfaticamente,
qualquer avaliação que coloque Moscou em condição futura de
agressor do Ocidente. Na história quase não se conhece líder nacional,
conhecedor de sua fraqueza face o inimigo, que opte por agredi-lo.Tal
decisão seria condenar o agressor à mais nefasta derrota.
Validando
esta hipótese, constata-se que as duas únicas manifestações
agressivas da Rússia contra os interesses dos Estados Unidos se
deram na forma de defesa preventiva, ou seja ação armada para
garantir as condições mínimas de salvaguarda da nação.
A
pretendida cooptação por Washington da Georgia e Ucrânia para
inclusão na OTAN ultrapassou o que seria a “Linha Vermelha”
concebida como de segurança mínima exigida pela a Rússia**. Estes
limites são de pleno conhecimento da Casa Branca. Portanto, a
tentativa empreendida decorreu de estimativa que os riscos seriam
compensados pelo sucesso. Não foram. Criou-se séria crise cujo
potencial de escalada coloca o mundo próximo a uma conflagração
de grandes proporções.
Ora,
sendo razoáveis os argumentos em favor da auto-contenção russa,
porque o temor demonstrado por Washington? A seguir, algumas razões
prováveis:
- Carry over da hostilidade para com a União Soviética
- Dimensão do arsenal nuclear
- Politica externa não alinhada aos propósitos norte americanos
- Rejeição da expansão da OTAN em Estados Tampão
- Singular capacidade russa no planejamento e execução tático-estratégica no campo militar
Por
outro lado, Moscou tem colaborado com os Estados Unidos em momentos
significativos, aliando-se ao projeto de contenção do ditador
líbio, Muamar Kaddafi; facilitando o transporte de armas e homens da
OTAN através do espaço aéreo russo; oferecendo o nihil
obstat para
instalação de uma base aérea norte americana no Quirguistão, colaborando
com inteligência anti-terrorista e oferecendo colaborar para a
pacificação da Síria.
Se
persistir no caminho da hostilidade, a vencedora democrata estará
estimulando a aproximação de China e Rússia tendo por consequência
a potencialização do poderio de Moscou. A Peking não interessaria
a capitulação russa aos desejos de Washington, por temer o cerco
que poderia resultar.
Resta
a indagação sobre qual a política que Foggy
Bottom**** seguirá.
Caso
Mrs. Clinton reconheça as preocupações russas quanto ao inegável constrangimento que sofre, poderá reformular a equação estratégica ocidental, formando assim a base para uma détente com Moscou,
levando à convergência as relações diplomáticas e comerciais de
ambos os países.
*
Fonte: World Factbook da CIA. Quanto menor mais favorável é o
Indice Gini.
**
A cooptação de Cuba pela União Soviética e a reação dos
Estados Unidos oferece paralelo adequado.
***
Retirar, manu militari, a provincia do Kosovo da nação Sérvia tem
aspectos similares à re-absorção da Criméia pela Rússia.
**** Nome informalmente adotado para designar o Ministério das relações exteriores norte-americano.
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