domingo, 7 de agosto de 2016

O enigma Erdogan

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A Turquia, ainda que Europeia, é um poderoso player no Oriente Médio. Do ponto de vista histórico, demográfico, de sua extensão territorial, e do poder de seu exercito. Ainda, a antiga sede do Império Otomano, outrora inimigo, tornou-se importante aliado do Ocidente.

Esta aliança foi construída, sob liderança dos Estados Unidos, nos idos da Guerra Fria, tendo em vista a excepcional posição geográfica da Turquia. Seu domínio dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos lhe concede-lhe a chave das portas que se abrem sobre o Leste do Mediterrâneo. Ainda, sua soberania sobre a margem Sul do Mar Negro submete a Rússia à fragilidade estratégica. Por estas razões a Turquia hoje participa da OTAN.

Estas condições dariam a qualquer líder condições excepcionais e suficientes de poder; porém, para Recep Erdogan parece não bastar. Para entender este presidente torna-se necessário compreender a história moderna daquela nação. A partir da laicidade imposta por Kemal Ataturk à Turquia, derrotada na primeira Guerra Mundial, o país despiu-se da influência religiosa na condução dos negócios de Estado. Seguiu-se quase um Século Ocidentalização e modernização, aproximando o país dos patamares europeus. 

Concedendo-lhe justo crédito, Erdogan, ao longo de seu extenso mandato validado pelas urnas desde 2003, promoveu notável melhoria dos fundamentos econômicos do país. Por outro lado, apesar de revindicar participar da União Européia, não teve sucesso graças à rejeição de uma Europa Cristã ao Islã. Embora Ancara tenha se disposto, para tal, seguir a cartilha exigida por Bruxelas, alterando leis, ajustando-se ao FMI, não conseguiu seu intuito. Terminou por sofrer sério revés. Viu-se frustrada pela rejeição implícita, ainda que não formalizada. Perdeu seu projeto Europeu.

No campo político, voltou-se, então, para o teatro ao qual foi relegado; o Oriente Médio. Não mais sendo a laicidade elemento impositivo volta-se o líder Turco para sua natural inclinação pela Islamização. Rejeitado pela Europa, prepara-se para enfrentar os desafios impostos pela região em que se insere.

Complementando este quadro, a participação da Turquia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)* torna irretorquível sua intima relação com o Ocidente no que tange prioridades militares. Sobretudo, permite-lhe uma proteção incomparável contra qualquer agressor, ainda que não lhe favoreça iniciativas autônomas. 

Contudo, fora desta “bolha” de proteção encontram-se as organizações terroristas. Hoje, seu principal objetivo político-militar parece ser a neutralização do PKK, partido político onde se insere a insurgência Curda. Precaver-se, ainda, das incursões do Estado Islâmico torna-se essencial ainda que observadores vejam, neste assunto, comportamento dúbio.

Já, extra-fronteiras, parece ser o intuito de Ancara influir na reconstrução de uma Síria pós-Assad. Tal desiderato acentuaria sua influência junto aos demais Estados Árabes. Ainda, sua ligação com a Irmandade Muçulmana, disperso por toda a região, traz a tona novo fator a ser avaliado.

Contudo, o presidente Turco está longe de conquistar plena estabilidade interna, essencial à implementação de objetivos externos. Seria imprudente descartar-se a resiliência de forte corrente anti-governo no exército, tradicionalmente laico. Em manobras ousadas e bem sucedidas, Erdogan reduziu a influência dos generais, porém as condições que permitiram a recente tentativa de um golpe de estado, ainda que debelado, revelam relevante corrente de descontentamento no oficialato.

A pergunta parece pervasiva nas ruas de Istambul e Ancara: a esta insatisfação somar-se-ia uma presumida cumplicidade do Pentágono? Estaria Washington preocupada, a ponto de intervir no destino político deste aliado que se torna, progressivamente, mais desconfortável? Até que ponto o evidente amálgama politico-teológico constatado em Ancara poderá romper a confiança do estamento politico-militar norte-americano? Neste momento e nesta região tudo é possível.

*Apesar da incogruência geográfica



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