sexta-feira, 15 de julho de 2016

Duas vertentes

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A América do Norte parece estar, neste momento, sob o arrasto inicial de duas poderosas forças que se formam, sugerindo para breve futuro modificações tectônicas na conformação política daquele país. Não são auto-exclusivas nem, tão pouco, necessariamente convergentes; parecem ser autônomas porém ambas desestruturantes e reestruturantes.

A primeira reflete profunda e crescente alteração na composição étnica da nação Americana. Seu início no Século XVI trouxe às novas terras os desbravadores e colonos ingleses à Virginia e adjacências, formando-se uma economia agrícola. Foram seguidos pelos Peregrinos, também britânicos, já ao nordeste da colônia, onde a vocação e a geografia os levaram à pequena agricultura, ao comercio e, posteriormente, à indústria. Eram todos brancos. A importação de negros para trabalharem a terra não alterou a equação étnica, pois nem categorizados como humanos o eram. Quanto aos indígenas, eram eles os inimigos, assim descartados de qualquer contribuição civilizatória.

Sob o comando destes homens seguiu-se a independência das 13 colonias, transformando-se, em 1776, no embrião da mais poderosa das nações. Instalava-se o modelo político suportado pelos costumes e práticas de um povo irretocavelmente branco. Durante o Século XIX ocorreram as grandes imigrações europeias, trazendo mão de obra, ciência, arte, bem vindas com a condição de integrarem-se à American Way of Life. E assim foi feito. Em 1900 a população norte americana era composta de 88% de brancos.

Constata-se, hoje, uma fragilização da preponderância cultural herdada dos WASP (White Anglo Saxon Protestant), fato que revela um crescente desconforto, tanto no âmbito social como no político. Hoje a participação dos herdeiros culturais dos fundadores viu-se reduzida para 63,7%. Causa-se, ainda, ansiedade a previsão de que, hoje, mais de 50% das crianças nascidas nos Estados Unidos são geradas por famílias pertencentes às minorias.

No ritmo atual prevê-se uma maioria não branca em 2050. Seria, talvez ingênuo, senão imprudente, descartar-se a importância deste terremoto étnico. Como se processará o ajuste que reflita tal mudança, ou, ainda, de que forma saberá o estamento branco impedir que tal mudança se reflita na equação de poder que lhe convêm? Até que ponto medidas que neguem as naturais consequências de uma alteração do perfil demográfico poderão afetar a pureza democrática?

A conquista da candidatura Trump reflete, em boa parte, o mal-estar que se instala no eleitorado branco nas suas esferas mais populares e menos sofisticadas. O apelo explicito contra a imigração e, ainda, a demonização dos hispânicos tão bem recebida por parte considerável do eleitorado Republicano revela um processo de arregimentação contra a tendência indesejada.

A segunda vertente envolve uma reação contra a precipitosa queda da participação das classes médias e inferiores no total da riqueza gerada pela nação. O "American Dream", uma realidade em tempos já longínquos não mais oferece as condições que favoreçam a ascensão social e econômica para o americano médio.  Observa-se o inverso, o enorme acumulo de riqueza e de oportunidades no topo da pirâmide. A lógica fiscal e regulatória  implementada a partir da era Reagan parece ser, em boa parte,  responsável pela estagnação, quando não queda, da renda real das classes trabalhadoras.

A exportação de emprego através da crescente globalização, a substituição de postos de trabalho pela expansão da automação e robotização, a equação fiscal favorável às classes superiores, a falta de investimentos e manutenção da infraestrutura, o alto custo da educação universitária, e, ainda o astronômico custo das guerras, todos estes fatos conspiram para a estagnação, quando não deterioração, da qualidade de vida da relevante maioria dos cidadãos. 

O sucesso, ainda que não vitória, da candidatura Sanders nas Primárias revela o grande represamento da insatisfação popular por ele liberado. Seu eleitorado, composto de cidadãos de todas as etnias, com menos de 40 anos de idade, revela que, a falta de medidas corretivas poderá prenunciar um crescente protesto, desaguando, talvez, em reformulação no seio partidário e no discurso político.

Hillary Clinton, provável vencedora do pleito presidencial, viu-se compelida , face a expressiva votação a favor de um "level playing field"*,  adotaria diversas iniciativas defendidas por seu oponente, no sentido de aliviar as dificuldades enfrentadas pela massa eleitoral Democrata. Revisão fiscal, revisão dos tratados comerciais celebrados, maiores e menos onerosos créditos para a educação, revisão do salario mínimo estariam dentre as medidas revindicadas.  

Ainda, relevante notar-se que o eleitorado que sustenta o partido Democrata distancia-se, étnicamente, da base dos Republicanos. Conta com um relevante contingente Caucasiano, mas, na margem, será o eleitor Latino e Negro que lhe concederá a vitória. 

A clivagem entre as duas forças políticas, acentuada pela ação do internet social, parecem revelar um ambiente político conflituoso no futuro, considerando-se o conteúdo racista que pode agravar-se. Os recentes episódios entre policiais brancos e contestadores negros revivem tempos difíceis, porém num contexto bem mais agudo do que no passado, favorecendo a disseminação de ações anti sociais de crescente violência.

Resta saber se, eleita presidente como provável parece, Mrs. Clinton saberá reduzir as tensões que se acentuam, tanto no campo econômico quanto no demográfico.




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