A América do Norte parece estar, neste momento, sob o arrasto inicial de duas poderosas forças que se formam, sugerindo para breve futuro modificações tectônicas na conformação política daquele país. Não são auto-exclusivas nem, tão pouco, necessariamente convergentes; parecem ser autônomas porém ambas desestruturantes e reestruturantes.
A
primeira reflete profunda e crescente alteração na composição
étnica da nação Americana. Seu início no Século XVI trouxe às
novas terras os desbravadores e colonos ingleses à Virginia e
adjacências, formando-se uma economia agrícola. Foram seguidos
pelos Peregrinos, também britânicos, já ao nordeste da colônia,
onde a vocação e a geografia os levaram à pequena agricultura, ao
comercio e, posteriormente, à indústria. Eram todos brancos. A
importação de negros para trabalharem a terra não alterou a
equação étnica, pois nem categorizados como humanos o eram. Quanto
aos indígenas, eram eles os inimigos, assim descartados de qualquer
contribuição civilizatória.
Sob
o comando destes homens seguiu-se a independência das 13 colonias,
transformando-se, em 1776, no embrião da mais poderosa das nações.
Instalava-se o modelo político suportado pelos costumes e práticas
de um povo irretocavelmente branco. Durante o Século XIX ocorreram
as grandes imigrações europeias, trazendo mão de obra, ciência,
arte, bem vindas com a condição de integrarem-se à American Way of
Life. E assim foi feito. Em 1900 a
população norte americana era composta de 88%
de brancos.
Constata-se,
hoje, uma fragilização da preponderância cultural herdada dos WASP
(White Anglo Saxon Protestant), fato que revela um crescente
desconforto, tanto no âmbito social como no político. Hoje a
participação dos herdeiros culturais dos fundadores viu-se reduzida
para 63,7%. Causa-se, ainda, ansiedade a previsão de que, hoje, mais
de 50% das crianças nascidas nos Estados Unidos são
geradas por famílias pertencentes às minorias.
No
ritmo atual prevê-se uma
maioria não branca em 2050. Seria, talvez ingênuo, senão
imprudente, descartar-se a importância deste terremoto étnico. Como
se processará o ajuste que reflita tal mudança, ou, ainda, de que
forma saberá o estamento branco impedir que tal mudança se reflita
na equação de poder que lhe convêm? Até que ponto medidas que
neguem as naturais consequências de uma alteração do perfil
demográfico poderão afetar a pureza democrática?
A
conquista da candidatura Trump reflete, em boa parte, o mal-estar que
se instala no eleitorado branco nas suas esferas mais populares e
menos sofisticadas. O apelo explicito contra a imigração e, ainda,
a demonização dos hispânicos tão bem recebida por parte
considerável do eleitorado Republicano revela um processo de
arregimentação contra a tendência indesejada.
A
segunda vertente envolve uma reação contra a precipitosa queda da
participação das classes médias e inferiores no total da riqueza
gerada pela nação. O "American Dream", uma realidade em
tempos já longínquos não mais oferece as condições que favoreçam
a ascensão social e econômica para o americano médio. Observa-se
o inverso, o enorme acumulo de riqueza e de oportunidades no topo da
pirâmide. A lógica fiscal e regulatória implementada a
partir da era Reagan parece ser, em boa parte, responsável
pela estagnação, quando não queda, da renda real das classes
trabalhadoras.
A
exportação de emprego através da crescente globalização, a
substituição de postos de trabalho pela expansão da automação e
robotização, a equação fiscal favorável às classes superiores,
a falta de investimentos e manutenção da infraestrutura, o alto
custo da educação universitária, e, ainda o astronômico custo das
guerras, todos estes fatos conspiram para a estagnação, quando não
deterioração, da qualidade de vida da relevante maioria dos
cidadãos.
O
sucesso, ainda que não vitória, da candidatura Sanders nas
Primárias revela o grande represamento da insatisfação popular por
ele liberado. Seu eleitorado, composto de cidadãos de todas as
etnias, com menos de 40 anos de idade, revela que, a falta de medidas
corretivas poderá prenunciar um crescente protesto, desaguando,
talvez, em reformulação no seio partidário e no discurso político.
Hillary
Clinton, provável vencedora do pleito presidencial, viu-se compelida
, face a expressiva votação a favor de um "level playing
field"*, adotaria diversas iniciativas defendidas por seu
oponente, no sentido de aliviar as dificuldades enfrentadas pela
massa eleitoral Democrata. Revisão fiscal, revisão dos tratados
comerciais celebrados, maiores e menos onerosos créditos para a
educação, revisão do salario mínimo estariam dentre as medidas
revindicadas.
Ainda,
relevante notar-se que o eleitorado que sustenta o partido Democrata
distancia-se, étnicamente, da base dos Republicanos. Conta com um
relevante contingente Caucasiano, mas, na margem, será o eleitor
Latino e Negro que lhe concederá a vitória.
A
clivagem entre as duas forças políticas, acentuada pela ação do
internet social, parecem revelar um ambiente político conflituoso no
futuro, considerando-se o conteúdo racista que pode agravar-se. Os
recentes episódios entre policiais brancos e contestadores negros
revivem tempos difíceis, porém num contexto bem mais agudo do que
no passado, favorecendo a disseminação de ações anti sociais de
crescente violência.
Resta
saber se, eleita presidente como provável parece, Mrs. Clinton
saberá reduzir as tensões que se acentuam, tanto no campo econômico
quanto no demográfico.
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