sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Dano Colateral


Mapa de Irã


Dia 8 de janeiro de 2020 foi o dia em que a guerra poderia ter começado. Não fosse a competência de um espião norte-americano revelando à matriz o envio dos foguetes iranianos em direção às suas bases no Iraque, assim permitindo sua evacuação, hoje a história seria diferente. A morte de uma dezena de militares americanos impeliria Donald Trump à escalada e ao conflito incontrolável. 

E como soe acontecer, esta guerra seria consequência de decisões erradas, tomadas intempestivamente, há anos atrás. Neste caso, a decisão teria sido a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear celebrado pelas seis maiores potências do planeta mais o Irã. Impulsivo e ignorante, Donald Trump desprezou as razões que levaram tão poderosas nações, cada qual com seus interesses a proteger, a concluírem, em rara unanimidade, que mais valia um acordo anti-nuclear com Teerã do que um incêndio no Oriente Médio.

Este acordo reverteu o ambiente de crescente hostilidade entre o Irã e os países Ocidentais, tendo os Estados Unidos por protagonista. A partir da assinatura do tratado, procedeu-se a interrupção das  sanções econômicas, o Irã recuperando somas vultosas antes congeladas nos bancos ocidentais, e reabrindo seu comercio sem o impedimento anterior. Caminhava-se para a normalização e a pacificação do Oriente Próximo e Médio.

Mas não foi essa a opinião de Trump. Este, incomodado com o arsenal de foguetes revelado pelo Irã, e instado por seu aliado Netanyahu que se sentia, com razão, ameaçado, decidiu forçar a re-negociação do tratado em questão. Ambos preferiram ignorar que tais foguetes são armas de dissuasão, defensivas, uma vez que sem o apoio de "boots on the ground" são de benefício passageiro, insuficiente para lastrear aventuras militares. Do ponto de vista de Teerã, eliminados os foguetes, tanto Israel quanto os Estados Unidos, ambos com longo histórico intervencionista, poderiam atuar sem o risco de retaliação.

Com base na sua falta de base, onde, para ele é história, povos, costumes, e valores daquela região "é tudo a mesma coisa", Donald Trump não soube avaliar o essencial ao fazer a guerra: conheça seu inimigo, sua terra, suas águas, seus céus.(1). Desprezou a resiliência Persa, sua capacidade de estender sua influência e suas alianças através do Oriente Médio, suas relações com a Rússia e a China, solidárias ao opor-se, ainda que à socapa, à hegemonia norte-americana.

Assim, o presidente americano decidiu iniciar uma operação de "Maximum Pressure" sobre a liderança Iraniana, tendo por objetivo levá-la à mesa de negociação. Para tal, mobiliza seu incomparável poder militar com seu temível arsenal de sanções econômicas de forma à impor suas condições.

Diversos incidentes, de parte a parte,  se seguiram, culminando no assassinato do General Soleimani.  Chega-se, então, ao dano colateral. Foguetes para cá, foguetes para lá, e acontece o trágico, a morte de 176 inocentes, canadenses, iranianos, ingleses, passageiros insuspeitos, vitimas de armas
infalíveis, auto-acionadas, em busca permanente do inimigo.  Nem por isso deixarão de existir novas escaramuças, as quais, se envoltas em circunstâncias inesperadas, poderão renovar a angustia da guerra.

Já, do ponto de vista brasileiro, em nada lhe beneficia engajar-se nesta liça. Apesar de sua extensão, o Brasil é um pais economicamente e militarmente débil. A criação das Nações Undas trouxe ao mundo uma fundamental mudança nas regras que regem o comportamento das nações. Apoiar esta notável instituição é essencial ao resguardo do fraco perante o forte.

Ainda que sujeitas às pressões dos poderosos, não mais tolerada é a subtração de soberania tão em voga até o término da primeira guerra mundial. Na valorização das entidades multinacionais, na diversificação de sua influência diplomática e de seus mercados reside a segurança nacional.


1. Sun Tzu

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