domingo, 29 de setembro de 2019

Observações em torno de um discurso


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Pode-se dizer que o discurso de Jair Bolsonaro nas Nações Unidas, no último do 26 de setembro, dividiu-se em seis partes:

A primeira, ou seja sua apresentação perante as nações que compõem as Nações Unidas, o presidente fez-se ver como o redentor da pátria brasileira. Segundo ele, coube-lhe afastar o socialismo, termo usado de forma constante, da política brasileira. O fez de forma radical jogando tanto a Fabian Society quanto o partido Bolchevique, bem como Tony Blair e Vladimir Lenine como se da mesma sacola fossem.

Ignorou o governo de Michel Temer, este sim responsável pela arregimentação das forças parlamentares que levaram ao impedimento político de Dilma Rousseff e o abandono do governar com pretenções socialistas. Ainda no governo Temer medidas corretivas tais como o congelamento do gasto orçamentário e a modernização da lei trabalhista vêm à mente.

Bolsonaro se outorgou mais do que por enquanto merece.

Quando à sua diatribe contra a Venezuela e Cuba, justificada na essência mais não na forma, umas poucas frases bem costuradas teriam bastado. Se uso dos médicos cubanos como exemplo …...... não foi feliz, pois estes prestaram relevantes serviços a população marginalizada do país, hoje novamente abandonada por falta de substitutos. Afinal, 3.000,00 dólares por ano e por médico não parece ser fora de propósito haja visto a importância dos benefícios alcançados. Deveria Bolsonaro ter-se fixado no financiamento do porto de Mariel e outros similares, à Angola e Bolívia, estes sim emblemáticos do excesso ideológico do governo Lula.

Seu uso contínuo do termo “socialismo” como ogre político econômico não valorizou suas palavras, pois mais pareciam misturar, como se fossem uma só entidade política, sistemas de esquerda e regimes cleptomanos. Pareceu ignorar todos os matizes dos diversos sistemas socialistas, alguns respeitáveis, como na Escandinávia e outros execráveis como em Cuba e Venezuela. Enfim, transmitiu Bolsonaro à uma platéia sofisticada imagem de limitado conhecimento, desvalorizando a eficácia do discurso.

Abrangendo a Amazônia, refletiu a preocupação nacional quanto à inquestionável soberania brasileira sobre a região. O puxão de orelha em presidente estrangeiro, justo. Desnecessário, porém, dirigir-se à Srta. Kalapalo, pessoa por todos desconhecida e não merecedora desta atenção. Pequeno detalhe que revela pouca ou incompetente assessoria. Onde estava o Chanceler?

Já, outra parte acentua o combate à corrupção, novamente recorrendo ao maniqueísmo econômico e ideológico como causa. Ao fazê-lo, Bolsonaro diminui a eficácia de sua mensagem, uma vez que, o correto seria atribuir-se à direção e aos quadros do Partido dos Trabalhadores a avalanche corruptora que por pouco não afoga o Brasil. Nada tem de ideológico mas sim de predatório.

Merece destaque o reconhecimento perante o público internacional da inegável contribuição do Juiz Dr. Sergio Moro. E isto no momento em que a estrutura legal que permitiu o processo redentor se encontra em sério risco de desmoronamento, onde forças políticas de todos os matizes e crenças, tanto governistas quanto de oposição, se afincam nesta tarefa. Teria a gentil menção um objetivo anestésico sobre o agraciado, espécie de compensação por uma traição?.

Quanto à mortandade que o crime violento traz, arroga-se o presidente o mérito pela redução dos assassinatos no seis meses de seu governo. Justo perguntar-se se esta bem vinda tendência não corre o risco de ser revertida uma vez liberada a posse indiscriminada de armas, conforme nova lei de sua responsabilidade? A história ainda não chegou ao seu fim, mas o mérito terá sido antecipado?

Já a parte final faz bom relato sobre a histórica fidelidade brasileira aos princípios que nortearam a criação das Nações Unidas e o engajamento e colaboração do Brasil ao longo de sua história.

O encerramento segue os padrões tradicionais de privilegiar seus aliados mais próximos. Em seguida volta-se ao cenário nacional onde, nos poucos parágrafos, menciona “ideologia” quatro vezes, tendo por efeito confundir o ouvinte uma vez que dá ao vocábulo a condição de adjetivo negativo e não de substantivo neutro. Já, a citação bíblica de “João 8.32: E conheceis a verdade, e a verdade vos libertará.” mereceria um contexto mais claro em discurso de tão importante teor. Sobretudo ao constatar-se que a humanidade ainda busca encontrar a verdade, termo fugidio que depende de quem a busca.

Contudo, ao finalizar seu discurso vê-se o toque do “guru” Olavo de Carvalho, onde cria-se uma diferenciação imprópria entre colaboração entre nações, vide globalização, e soberania nacional. Como se a primeira negasse a segunda. Parece ignorar que a globalização permitiu, em muitos momentos da história moderna, gerar extraordinária prosperidade.

E assim encerra seu discurso:

“Esta não é uma Organização de Interesse Global !! É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer !!” (sic)

O Planeta, possivelmente um pouco confuso pela afirmação, promete meditar...

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