sábado, 19 de outubro de 2019
Tump face ao mundo mutante
Não parece haver divergência quando se comenta que o mundo está ficando louco. Sobretudo quando se constata que a nação mais poderosa do planeta elege por seu líder um especulador imobiliário, manchado eticamente por um longo currículo de estrepolias empreendidas nos mercados imobiliários de duvidosa reputação, dis-se prostituídos, de Nova York e arredores.
Já muito foi dito sobre sua ascensão à presidência, perdendo feio no voto popular mas ganhando no Colégio Eleitoral, este constituído, ironicamente, para evitar que aventureiros conquistassem a presidência. Seu partido, o Republicano, composto de políticos sóbrios e contrários à aventuras, familiarizados com o mundo e sub mundo dos negócios, imaginou poder dominar a estrela ascendente dentro de uma linha sóbria de sua conveniência. Porém, de manso cordeiro deparou-se com um touro incontido e selvagem, derrubando procedimentos, tradições, comportamentos.
Não apenas no cenário interno o Donald desmontou o edifício de regras que a dignidade presidencial impõe. Acentuou a degradação do diálogo bipartidário, que já se instalara quando confrontando Obama, mas, também, no plano internacional aposentou toda pretensão à cordialidade diplomática instrumento eficaz para o sucesso de negociações. Criou e institucionalizou o uso da força, seja econômica seja militar, para dobrar os adversários e até mesmo aliados. A busca por interesses legítimos de parte a parte, gerando oportunidades de acordo com vantagens relativas foi praticamente abolida. No seu livro, "The art of the deal", revela sua brutal filosofia negocial, que hoje é aplicada em todos seus contenciosos, internos ou externos.
Pouco se fala, contudo, sobre um de seus principais defeitos, sua profunda ignorância; aquela que lhe tolhe uma minima visão cultural que lhe permita a escolha de bons colaboradores e a priorização de objetivos. Lhe falta também a empatia, ou seja, o talento que lhe permite colocar-se na situação e interesses do interlocutor. E o resultado decepcionante destas deficiências torna-se cada vez mais evidente.
Na política interna, Donald Trump peca por não conseguir formar e manter uma equipe eficaz. Pelo contrário, praticamente todos os cargos importantes de seu governo foram sujeitos à surpreendente rotatividade. Chefes de gabinete, ministros e assessores estão em continua mudança. O Pentágono, até o momento, ainda não tem seu comando definido. No setor de segurança interna, a CIA, o FBI, o Ministério de Segurança Nacional e o Ministério da Justiça já sofreram mudanças tensas, e por aí vai... Sua atuação até o momento lhe causou a perda da maioria que detinha no Senado. Ainda, a sombra do impeachment paira sobre sua cabeça. No campo econômico, apesar de suas tentativas fiscais e tarifarias, a atividade econômica não parece deslanchar.
Na área internacional, sua visão ultrapassada, mercantilista, vê o comercio internacional como um jogo de soma zero. Não entendendo que nele se inclui benefícios diretos e indiretos dentre os quais a formação de alianças que trazem para os Estados Unidos relevantes benefícios políticos e econômicos. O uso febril de sanções econômicas contra este ou aquele estado pode impor a submissão, porém ao preço de uma lealdade perdida. A guerra tarifária, em busca de vantagens imediatas, empreendida por Trump parece desorganizar um edifício construído através de décadas a partir do término da Segunda Grande Guerra. Sob a égide deste sistema, erguido pelos vencedores, permitiu-se aos Estados Unidos uma era de inigualável de prosperidade. Tentar congelar a distância que separa o gigante americano das demais nações mediante um conflito tarifário trará àquele país perda de eficiência e produtividade, quando deveria buscar na inovação e na melhor distribuição de renda os elementos que garantam a manutenção qualitativa de sua liderança.
O desdém que o presidente norte-americano dedica às Nações Unidas, instituição que privilegia o diálogo, revela um estado de espírito que remete à épocas anteriores onde o nacionalismo exacerbado teve por fruto as guerras cruéis que tanto feriram o planeta.
O espírito concorrencial que ora domina Trump não parece levar em conta que nada poderá conter o crescimento dos dois gigantes asiáticos, a China e a India, cujas populações se aproximam à um terço daquela do planeta. É uma questão de tempo. O uso de políticas agressivas e excludentes servirá para criar um clima de crescente hostilidade ao longo dos anos, prometendo conflitos que seriam evitáveis por políticas que valorizem a colaboração.
Em vez de confronto, mais valerá à política externa norte americana, face ao inevitável remanejamento geo-político que decorre da expansão asiática, aproximar-se de países gigantes como o Brasil, favorecendo seu crescimento econômico, não com tratados militares, mas, sim, com abertura de mercados e compartilhamento de tecnologia. E para o Brasil, o desafio seria de beneficiar-se de tal abertura sem, contudo, comprometer seus interesses legítimos de nação independente.
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5 comentários:
Excelente!
De certa forma pode ser extendido a outro personagem...
Parabéns, Pedro!
Abs
Esqueci de me identificar. Mas acho necessário.
Abs do José Otavio Carvalho
Obrigado pelo comentário, José Otavio. De fato ha muita semelhança.
Abraço
Pedro
Realmente é inacreditável que tal figura - não obstante às peculiaridades do sistema eleitoral americano cujo objetivo, como bem ressaltado por você,seria justamente evitar que um aventureiro chegasse ao poder - tenha conseguido se eleger e permanecer como chefe do Executivo da maior potência do planeta, praticando todas as incríveis sandices que se sucedem num crescente assustador. Lá como aqui, bem como o as ocorrências na Europa, Ásia e adjacências, confirmam sua opinião, com a qual compartilho, de que o mundo está ficando louco e temo não possa, impunemente, suportar tantos desatinos...
Fraternal abraço
Pedro Augusto Guimarães
Obrigado pelas excelentes observações, meu caro Pedro Augusto.
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