sábado, 27 de maio de 2017

Terrorismo


Em junho de 1914 um terrorista matou um príncipe. A reação do Estado ferido foi feroz. Quatro anos mais tarde 17 milhões de mortos e vinte milhões de feridos foi a conta macabra. Em setembro de 2002 terroristas mataram tres milhares de inocentes; hoje, quinze anos depois, mais de meio milhão já morreram nas pobres montanhas e areias do Oriente e nas prósperas avenidas do Ocidente sem que um fim se vislumbre.

Resultado de imagem para maps of middle eastHoje, tem-se o terrível atentado em Manchester, onde a suprema crueldade ao atingir crianças e jovens acentua a urgente necessidade de repensar-se a melhor formula de combater-se a praga do terrorismo internacional. Não apenas a morte o acompanha, mas, também, as imensas levas de refugiados, em fuga das áreas conflagradas, ameaçam o equilíbrio politico e social das sociedades que as acolhem.

O terrorismo é um protesto levado ao ápice do absurdo. Ele viceja no obscuro terreno da violência incontida, adubado pela visão radical e exponencial do maniqueísmo, onde só uma verdade existe, confrontada pelo oposto execrado. Ainda que para combatê-lo o uso da força seja essencial, não pode ser eliminado somente por ela.

Neste momento, a derrota do Estado Islâmico é prioritária, e exige a concentração de todas as forças dispostas à sua eliminação. Ainda, toda ação armada visando outros objetivos que não o terrorismo, deve ser interrompida, não apenas por desviar do objetivo primordial, mas, também, ao manter-se, estará propiciando o surgimento e o alastramento de novos focos terroristas.

Na essência, o terrorismo internacional Islâmico parece decorrer do conflito entre os interesses geo políticos Ocidentais e os dogmas das múltiplas seitas religiosas Islâmicas.

Em resposta à derrubada das torres gêmeas de Nova York, fez-se a invasão do Afeganistão em 2001. Não satisfeitos em eliminar a Al Qaeda naquele país, com a posterior morte de Osama Bin Laden já no Paquistão, continua a mais longa guerra empreendida pelos Estados Unidos, onde, por quinze anos mata-se e morre-se. Não, apenas, o inimigo, mas, em decorrência das “perdas colaterais”, tornando a região em cemitério de civis e celeiro de terroristas. Após tão longo conflito, o objetivo norte-americano parece haver-se perdido ao passar do tempo, restando, talvez, a única necessidade de resguardar seu prestígio ao manter vivo o governo moribundo em Cabul.

Em 2003 iniciou-se a invasão do Iraque e derrubada de Saddam Hussein. Novamente, o exército derrotado teve por companhia imenso contingente de mortos e feridos civis, estímulo ao terrorismo. No desdobrar de uma paz imperfeita transferiu-se o poder dos Sunitas derrotados aos Xiitas vencedores. Surgiu, finalmente, o germe da contestação sob a forma do monstruoso Estado Islâmico.

Já. em 2011, em decorrência de objetivos até hoje pouco esclarecidos, os Estados Unidos, a França e a Grã Bretanha, decidiram apoiar o incipiente movimento rebelde na derrubada do regime líbio. O sucesso alcançado resultou  na fragmentação política e armada das facções existentes, prevalecendo até este momento. Em consequência, a Líbia tornou-se mais um foco de terrorismo internacional. 

Há poucos dias o presidente Donald Trump visita a Arábia Saudita. Imune às lições da história, promete-lhe vendas de novas armas no valor de 110 bilhões de dólares, cujo poder bélico em muito excede as necessidades de sua auto-defesa. Junta-se ao Rei Salman al Saud em discurso hostil ao Irã, desprezando o fato de ter sido recém eleito presidente o moderado Hassan Rohani, o que proporciona boas condições para entendimento pacífico entre Washington e Teerã. Cria-se, assim, condições favoráveis para mais uma guerra que, como naquela contra o Iraque, revelou-se contrária aos interesses do Ocidente.

A prosseguir a política americana no Oriente, Médio e Próximo, a região continuará sendo a incubadora de terroristas. A realidade impõe à Washington e seus aliados europeus uma revisão da política até agora adotada naquela região, abandonando a derrubada de reis e presidentes, rejeitando a tentação de “construir Estados”, e privilegiando o diálogo com todas as nações, a análise de seus temores, e uma melhor compreensão de suas aspirações.

A experiência tem revelado que não será pelas armas que os valores locais serão mudados; devem ser respeitados ainda que firam a sensibilidade Ocidental. Inútil a tentativa de democratizar o que não quer ou não pode ser democratizado. Se o os países da região clamam por modernidade, que o façam por conta própria, sem intervenção dos “estrangeiros”.

As áreas onde mais viceja o terrorismo são aquelas que sofreram e ainda sofrem intervenção armada: a Líbia, o Iraque e a Síria (outrora, ambos laicos), e o Afeganistão. Os países mais “estáveis”, livres do terrorismo, mantendo boas relações com o mundo Cristão, são as monarquias feudais e dogmáticas da região, apesar de mais afastados dos valores Ocidentais.


segunda-feira, 22 de maio de 2017

A importância do Lava Jato

Tendo em vista a extrema relevância da matéria abaixo, de autoria do cineasta e articulista José Padilha, este Blog estima ser seu conteúdo de interesse de seus leitores.

"A importância da Lava-Jato
Vinte e sete enunciados sobre a oportunidade de desmontar o mecanismo de exploração da sociedade brasileira
01) Na base do sistema político brasileiro, opera um mecanismo de exploração da sociedade por quadrilhas formadas por fornecedores do Estado e grandes partidos políticos. (Em meu último artigo, intitulado Desobediência Civil, descrevi como este mecanismo exploratório opera. Adiante, me refiro a ele apenas como “o mecanismo”.)
02) O mecanismo opera em todas as esferas do setor público: no Legislativo, no Executivo, no governo federal, nos estados e nos municípios.
03) No Executivo, ele opera via superfaturamento de obras e de serviços prestados ao estado e às empresas estatais.
04) No Legislativo, ele opera via a formulação de legislações que dão vantagens indevidas a grupos empresariais dispostos a pagar por elas.
05) O mecanismo existe à revelia da ideologia.
06) O mecanismo viabilizou a eleição de todos os governos brasileiros desde a retomada das eleições diretas, sejam eles de esquerda ou de direita.
07) Foi o mecanismo quem manipulou as massas para eleger: o PMDB, o DEM, o PSDB e o PT. Foi o mecanismo quem elegeu José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.
08) No sistema político brasileiro, a ideologia está limitada pelo mecanismo: ela pode balizar políticas públicas, mas somente quando estas políticas não interferem com o funcionamento do mecanismo.
09) O mecanismo opera uma seleção: políticos que não aderem a ele têm poucos recursos para fazer campanhas eleitorais e raramente são eleitos ou re-eleitos.
10) A seleção operada pelo mecanismo é ética e moral: políticos que têm valores incompatíveis com a corrupção tendem a ser eliminados do sistema político brasileiro pelo mecanismo.
11) O mecanismo impõe uma barreira para a entrada de pessoas inteligentes e honestas na política nacional, posto que as pessoas inteligentes entendem como ele funciona e as pessoas honestas não o aceitam.
12) A grande maioria dos políticos brasileiros tem baixos padrões morais e éticos. (Não se sabe se isto decorre do mecanismo, ou se o mecanismo decorre disto. Sabe-se, todavia, que na vigência do mecanismo este sempre será o caso.)
13) A administração pública brasileira se constitui a partir de acordos relativos a repartição dos recursos desviados pelo mecanismo.
14) Um político que chega ao poder pode fazer mudanças administrativas no país, mas somente quando estas mudanças não colocam em xeque o funcionamento do mecanismo.
15) Um político honesto que porventura chegue ao poder e tente fazer mudanças administrativas e legais que vão contra o mecanismo terá contra ele a maioria dos membros da sua classe.
16) A eficiência e a transparência estão em contradição com o mecanismo.
17) Resulta daí que na vigência do mecanismo o Estado brasileiro jamais poderá ser eficiente no controle dos gastos públicos.
18) As políticas econômicas e as práticas administrativas que levam ao crescimento econômico sustentável são, portanto, incompatíveis com o mecanismo, que tende a gerar um estado cronicamente deficitário.
19) Embora o mecanismo não possa conviver com um Estado eficiente, ele também não pode deixar o Estado falir. Se o Estado falir o mecanismo morre.
20) A combinação destes dois fatores faz com que a economia brasileira tenha períodos de crescimento baixos, seguidos de crise fiscal, seguidos de ajustes que visam conter os gastos públicos, seguidos de novos períodos de crescimento baixo, seguidos de nova crise fiscal...
21) Como as leis são feitas por congressistas corruptos, e os magistrados das cortes superiores são indicados por políticos eleitos pelo mecanismo, é natural que tanto a lei quanto os magistrados das instâncias superiores tendam a ser lenientes com a corrupção. (Pense no foro privilegiado. Pense no fato de que apesar de mais de 500 parlamentares terem sido investigados pelo STF desde 1998, a primeira condenação só tenha ocorrido em 2010.)
22) A operação Lava-Jato só foi possível por causa de uma conjunção improvável de fatores: um governo extremamente incompetente e fragilizado diante da derrocada econômica que causou, uma bobeada do parlamento que não percebeu que a legislação que operacionalizou a delação premiada era incompatível com o mecanismo, e o fato de que uma investigação potencialmente explosiva caiu nas mãos de uma equipe de investigadores, procuradores e de juízes, rígida, competente e com bastante sorte.
23) Não é certo que a Lava-Jato vai promover o desmonte do mecanismo. As forças politicas e jurídicas contrárias são significativas.
24) O Brasil atual está sendo administrado por um grupo de políticos especializados em operar o mecanismo, e que quer mantê-lo funcionando.
25) O desmonte definitivo do mecanismo é mais importante para o Brasil do que a estabilidade econômica de curto prazo.
26) Sem forte mobilização popular, é improvável que a Lava-Jato promova o desmonte do mecanismo.
27) Se o desmonte do mecanismo não decorrer da Lava-Jato, os políticos vão alterar a lei, e o Brasil terá que conviver com o mecanismo por um longo tempo."        
      

sábado, 20 de maio de 2017

Pernas quebradas


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Desde Montesquieu os governos republicanos buscam pautar-se pela formula dos três poderes. Como se tripe fosse, a estrutura do Estado se sustenta nas pernas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Mas não estamos na França nem nos Estados Unidos onde seus pensamentos foram aplicados com rigor.

No caso do Brasil, o processo toma rumo mais complexo, que tem por efeito nublar a clareza institucional desta democracia. Sua moderna história republicana, sempre atabalhoada, reflete a dificuldade de implementar com eficácia o processo democrático face ao despreparo educacional das massas e a incontida ganância de importantes segmentos das elites. Na realidade, ambas refratárias ao comprometimento cívico. Ainda que tal lacuna seja compreensível quanto ao segmento inferior da pirâmide social, a mesma leniência não pode se aplicar ao seu ápice.

Nem nos anos autoritários de Getúlio Vargas nem no Regime Militar observou-se o nível de corrupção que abraçou a Nova República. Naquelas etapas, apesar de ditatoriais e repreensíveis, o conceito de servir ao Brasil estava presente. Já, libertada a classe política, muitos de seus membros trouxeram consigo as trouxas e trapos infectados pela corrupção da era Juscelino, revelando atores ávidos por descontar o tempo contido e perdido pelo represamento militar, assim descortinando o terreno fértil para sua faina. O voto do analfabeto, dos jovens ainda imaturos de 16 anos, dos eleitores semi-famintos no lumpen, em quadro de voto obrigatório, abriram ao populismo e demagogia o fértil campo eleitoral, onde tanto a palavra enganadora quanto o dinheiro corruptor compram o assento parlamentar.

A angariação de centenas de milhões de reais em espúria ligação político-empresarial sustenta o atual sistema eleitoral, adentrando as portas do Congresso, comprando decisões legislativas permitindo vantagens políticas e financeiras aos conspiradores.

Verifica-se, assim, o inevitável colapso do Congresso, onde a epidemia corruptora graça, retirando sua legitimidade face ao povo brasileiro. Apesar de poucas exceções, deputados e senadores perderam o respeito da Nação.

Há poucos dias, foi a vez do Executivo. As acusações (a serem comprovadas) feitas ao presidente Michel Temer por um empresário cafageste, cujos bilhões foram amealhados mediante benesses concedidas pelo governo Lula, pretendem comprometê-lo e, quiça, afastá-lo do cargo. Encontra-se a República prestes a perder a legitimidade do Executivo, deitando por terra o processo ora em andamento de reformas essenciais ao bem estar do Brasil.

Se, de fato, soçobrar a presidência, fica a Nação dependente do último esteio, último recurso, última perna do tripé institucional: o Supremo Tribunal Federal. Ainda que o respeito à Constituição, como guia para ultrapassar os obstáculos à normalidade administrativa seja impositivo, também é verdade que no Tribunal reside o último refúgio da dignidade e da legitimidade institucional do país. 

Assim, recomendável  será encontrar, em suprema urgência e com o apoio de todas as classes representativas, inclusive a classe política, formula que permíta recorrer à imparcialidade do Supremo Tribunal Federal. Recebendo este mandato sua presidente saberá conduzir a Nação no interregno que levará às próximas eleições diretas.



domingo, 14 de maio de 2017

O Domínio do fato


O recente interrogatório a que foi submetido o ex presidente Lula revela um líder político a tudo alheio. De nada sabe, um torno de si nada acontece, a ninguém concede relevância, nem mesmo a si próprio. Como se fosse levado a isto ou aquilo sem que de sua vontade dependesse.

Resultado de imagem para foto de lula no depoimentoAo presidente de uma das maiores empresas do país Lula da Silva atribui o ânimo de vendedor de apartamento, como se sua presença no local do negócio nada mais fosse do que reles operação comercial. Reformas milionárias onde até elevador é instalado, nada mais significa do que mais um pequeno empurrão para fechar uma venda não realizada. Não explica como o custo de tais reformas por ele demandados, tanto no triplex como no sítio, nunca foram cobrados nem ressarcidos. Ah!, é verdade, Lula da Silva nunca quis aquele apartamento e o sítio não é dele. Era só Léo Pinheiro tentando faturar mais uma venda e, assim, polindo o seu histórico profissional. Ao ex-presidente não lhe pareceu incomum ter vendedor de imóvel de tamanha importância?

Quanto aos desmandos na Petrobrás nada sabe o ex-presidente. Apesar de ter indicado os sucessivos presidentes de seu órgão máximo, o Conselho Administrativo. Apesar de conviver diuturnamente com seus correligionários, José Sergio Gabrielli, e Dilma Rousseff e de dezenas de quadros operacionais intimamente ligados ao PT, o ex-presidente nada sabia. Apesar do dinheiro-duto despejar milhões e milhões de reais, quando não dólares, nos cofres de seu partido e em suas campanhas eleitorais, Lula da Silva nunca se surpreendeu nem se perguntou como e porque tamanha bonança.

Ainda, em nada lhe aflige a enxurrada de denuncias de atos ilícitos envolvendo seu nome e os de seus comandados, acusações que relatam fatos que convergem para assegurar-lhe o bem estar pessoal e a sua continuidade no poder. De nada sabe. Acuado, sob risco de ver-se em terreno pantanoso, não hesita atribuir responsabilidade à sua defunta esposa. Nada de grave, dirá, coisas de mulher. Não me consultou...

Contudo, o brilhantismo de sua defesa tem por corolário identificar o ex presidente Lula da Silva como despreparado para o exercício do poder. Ou bem falta ele para com a verdade, tornando-se desonesto e indigno de confiança, condição essencial ao cargo de Presidente da nação, ou bem revela-se incompetente, incapaz de identificar e conter a imensa corrupção praticada por seus partidários que se apoderaram da máquina pública sob o seu comando.

Pelo que é inconteste conhecimento, Luis Inácio da Silva comandava, em seu estilo popular e democrático, os diversos níveis de sua base eleitoral e administrativa. Conhecia-os intimamente, olho no olho. Seu diálogo era pessoal, aberto, por vezes íntimo. Conhecia-os pelo nome, perguntavam-nos. sobre suas mulheres e filhos. E sobre todos exercia seu domínio

Em todos os momentos de seu reino, Lula exerceu o Domínio do Fato. Inteligente, astucioso, tudo sabia, tudo conhecia. Ainda que, até o momento, livre de evidências concretas, seu comando direto sobre políticos como José Dirceu, Antonio Palocci e o restante da pirâmide de poder valida a tese de seu absoluto e férreo Domínio. Por consequência, é inescapável a sua responsabilidade e sua culpa.

A Teoria do Domínio do Fato é explicada por Claus Roxin[1] baseada em algumas vertentes. Inicialmente, segundo sua obra, o autor é quem realiza direta e imediatamente, no todo ou em parte, uma conduta típica descrita na lei penal como incriminadora, sendo inerente ao domínio da ação. Além dessa questão, é o domínio funcional do fato, apresentado nas situações de coautoria. E por fim, ocorre quando o autor executa o fato delituoso utilizando-se de outrem como instrumento. Se assim for, está presente a autoria mediata através do domínio da vontade, mesmo que não executada pessoalmente a conduta típica, ainda assim, se perfaz sobre ele a autoria. Destarte, este domínio materialmente considerável está tão marcante ao ponto de permitir a realização de tal fato, podendo inclusive decidir sobre sua interrupção, modificação ou consumação.”

domingo, 7 de maio de 2017

Macron presidente!


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Encerra-se assim o ciclo eleitoral francês para a presidência. Deu nova força à União Europeia, ameaçada pelos movimentos radicais no Continente e pela infiel Grã Bretanha e seu Brexit. Restabeleceu-se o equilíbrio do Ocidente, e tranquilizou-se, ainda que temporariamente, alguns temores geo-políticos que afligem o planeta.

Nem tanto pela vitória de Emmanuel Macron, chefe do En Marche!, cuja juventude política e a ainda desconhecida capacidade administrativa o torna vulnerável, mas sim pelo voto anti Front National. Sua visão pan-europeia e sua oposição à força desagregadora de Marine le Pen, comprometida com a derrubada do edifício europeu, atraiu os votos dos eleitores de outros partidos.

Não foram poucos os arautos em busca do passado para, na sua imagem, construir o futuro. Preferem a dispersão dos interesses, a desarmonia competitiva do antigo nacionalismo, as muralhas que protegem projetos fracassados. O retorno ao jogo das alianças competitivas, ao retrocesso do mercantilismo, aos clamores pelas purezas raciais, à intolerância do diferente negam  a modernidade imposta pelo Século XXI. Le Pen e seus correligionários descartam a inevitabilidade da globalização, impelida pela revolução tecnológica da comunicação. O Front National, hoje derrotado, propugnava o retorno às condições que já levou o mundo ao mais sanguinário dos séculos, o Século XX.

Seria bem possível que, em algumas chancelarias houvesse os que torceram contra Macron; a Inglaterra teria facilitada suas negociações de divórcio com uma Europa enfraquecida, aliando sua própria deserção àquela da França “frontiste”. Wladimir Putin teria em Le Pen uma aliada que lhe abriria as portas para a discórdia dentre os europeus, assim dificultando a continuidade das sanções que ora lhes são impostas. Possivelmente, agradasse, também, a Donald Trump, cuja visão de um Estado egocêntrico se aproxima da visão de Marine Le Pen.

Mas não aconteceu. Emanuel Macron oferece à França uma mensagem temperada, de “terceira via”, onde nem o socialismo tradicional nem capitalismo neo-liberal terão primazia. Seu discurso busca atenuar os excessos do primeiro e conter as ambições do segundo. Contudo, nada é certo antes das eleições parlamentares.

Macron ganhou as eleições, porém seus votos vieram, em relevante proporção, da direita derrotada e frustrada por François Fillon. A derrota dos Les Republicains foi selada ao insistir sua Direção em manter o candidato desmoralizado em vez de garantir uma inescapável vitória com Allain Juppé. Estes votos terão alto preço quando da formação da coalizão governante.

Ainda, os eleitores do proto comunista Mélenchon também contribuíram para a vitória do En Marche! Sua adesão termina aí. Estes serão, tudo indica, implacáveis inimigos de Macron nas eleições legislativas.

Já os eleitores do Partido Socialista difícilmente serão solidários à Emmanuel Macron. Justo seria estimar-se que parte apoiará o exministro do governo Hollande, e outra, a mais radical, cerrarão fileiras com Mélenchon, líder da “France inssoumise”.

Este cenário recomenda prudência nas previsões; reflete a monumental tarefa que o presidente recém eleito terá ao formar uma maioria multi-partidária que lhe permita cumprir o projeto prometido a seus eleitores.


terça-feira, 2 de maio de 2017

Repensar a aliança?

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Graças ao Brexit, é provável que  que dentro de dois ou três anos o mapa geopolítico do planeta sofra transformações. provocando inevitáveis reajustes.

No âmbito da União Europeia, a Grã Bretanha tem agido seguindo dois vetores mestres; atender os seus interesses e os do Commonwealth britânico e, em contrapartida ao special relationship que existe entre ambos, facilitar a inserção    dos interesse norte americanos naquela instituição. Retirando-se o Reino Unido da União Europeia, Washington perderá muito da visão íntima e a forte influência indireta até agora assegurada.

Talvez seja este o momento de vir a Europa reavaliar a extensão e profundidade desta aliança com os Estados Unidos que prevalece já faz quase 80 anos.

A Europa pós 2a Guerra Mundial abriu mão de muito de sua soberania no que tange sua política externa, em troca do guarda chuva de segurança oferecido por Washington. Tal troca parecia fazer sentido enquanto existisse a universalista ideologia comunista, esta combinada com o imenso poderio militar da União Soviética. Hoje, a Rússia, sua sucessora, não mais comanda 300 milhões mas sim uma bem mais modesta  população de apenas 145 milhões. Não mais tem condições de ameaçar a União Européia, nuclearizada, com população e PIB muitíssimo superior, com capacidade de mobilizar recursos suficientes para conter qualquer investida. Ainda, em caso extremo, contaria com o apoio norte-americano, este ciente que a Europa é sua primeira linha de defesa.

Cumpre, portanto, indagar-se até que ponto a atual conformação desta aliança, onde prevalece a Organização do Tratado do Atlântico Norte OTAN que, na prática, subordina militarmente  a Europa aos interesses dos Estados Unidos, revela um destoamento de propósitos, senão uma divergência parcial de objetivos comuns.

Nos últimos momentos do Império Soviético, Mikhail Gorbashov demonstrava nítida preferência pela pacificação, não só dando término ao Pacto de Varsóvia como também optando por iniciativa inédita ao desmembrar e enfraquecer seu próprio país sem que tal fosse imposto por força maior. Seguindo seus passos, Boris Yeltsin estabeleceu o sistema capitalista na Rússia com tal ímpeto e desordenamento que a levou à beira da falência. Eliminou qualquer resquício de confrontação com o Ocidente.

Esta transformação e fortalecimento da relação Europa-Rússia, resultou, inicialmente, pela détente  promovida pela Alemanha e em seguida ampliada por investimentos industriais e minerais em direção Leste e pelo fluxo do petróleo russo em direção Oeste.

Neste mesmo sentido anti-bélico caminhou o sucessor, Wladimir Putin, abrindo as portas da Rússia para os investimentos Ocidentais, já mais confiantes pela recomposição econômica alcançada. Sua postura somente endureceu a partir das duas iniciativas promovidas pelos Estados Unidos, trazendo a Europa a reboque, de levar a ameaça militar, pela "Otanização" da Georgia e da Ucrânia, às fronteiras da Rússia. Por resultado rompeu-se o equilíbrio de confiança mútua, reiniciando-se o clima de hostilidade anteriormente sepultado.

A auto imposição de liderança do "mundo livre" impõe aos Estados Unidos uma politica externa assertiva, mobilizando fatores políticos, econômicos e militares que se entrelaçam. Seu campo de atuação é global, portanto seus objetivos em determinada região, como a Europa, podem ser, em ocasiões,  conflitantes com os interesses desta. Em decorrência de sua "responsabilidade", os Estados Unidos tem, ao longo das últimas décadas, participado em incontáveis operações bélicas e o futuro não parece pacífico. Ainda, já é notória sua preferência pela tough diplomacy, opção ineficaz para uma distensão internacional duradoura.

Ao ser criado o projeto da União Europeia buscou-se tanto os benefícios econômicos quanto os antibelicistas. No campo das relações internacionais, sua ênfase prioritária deve ser a da pacificação pela diplomacia. Não que lhe falte capacidade para armar-se e defender-se, porém atrelar-se à formulação bélica como instrumento de política internacional não será compatível com projeto tão admirável.