domingo, 19 de fevereiro de 2017

Motim e tolerância


São muitas as características que dão a uma nação sua personalidade. Nos Estados Unidos seria o dinamismo, na Alemanha, talvez a eficiência, na Inglaterra muitos diriam a habilidade política, na França, possivelmente, a intelectualização.

No Brasil, o traço predominante seria a tolerância. Traço dúbio, pois tanto engrandece como diminui. Se, por um lado, na sua história, o conflito tende a encontrar solução pacífica, em muito destoando da maioria das nações, por outro, ao transpor-se a visão histórica chega-se ao comportamento comunitário, onde a visão é bem outra.

Resultado de imagem para fotos prisõesNaquilo pertinente à cidadania, na interface entre o cidadão e sociedade, observa-se a fluidez de conceitos, a relativização das regras de comportamento, a flexibilização das leis, a rejeição da severidade. Escorrega-se para o Mais ou Menos. 

Para o brasileiro, o indivíduo, suas vontades e conveniências alcançam nítida prevalência sobre os interesses do conjunto. Como se numa imensa e subconsciente conspiração o brasileiro se amolda à linha de menor resistência, onde o Bem, se caro for, é substituído pelo Possível, de bem menor custo. Perde-se, na transferência de um para o outro, o ímpeto da determinação que o processo civilizatório exige

Como em todas sociedades, a opção tida por amena, confortável, que rege o procedimento sócio-político nada mais é do que o reflexo do comportamento coletivo das elites. Às elites dominantes cabe optar pela abrangência, pela intensidade e pela severidade, das regras que a sociedade sob seu domínio deve seguir. Se seus mores refletem a tolerância e favorecem a convivência com o ilícito, impossível ter-se uma sociedade onde prepondere o estrito respeito à Lei. Porém, ao fazê-lo, coloca-se o futuro em risco, onde filhos e netos abdicam da evolução devida.

O descalabro evidenciado nestas últimas semanas onde bandidos e policiais desafiam a lei em busca de benefício próprio, bem refletem o estado de anomia que assalta o país. No primeiro caso, a rebelião reflete a des-priorização do binômio Código Penal e a realidade física carcerária. No segundo, explora-se o monopólio da força armada, concedido pelo Estado, em benefício próprio.

A inadequação das penitenciarias revela a velocidade no encarceramento supera a capacidade de absorção pelas prisões, as quais, por decisão da sociedade, não merecem a ampliação exigida. Tolera-se a superlotação, tolera-se o descontrole que dela resulta, tolera-se a transferência de poder dos carcereiros para os líderes traficantes. Quando da inevitável consequência temos recriminações e ranger de dentes.

Resultado de imagem para fotos quartel pmNo caso da greve iniciada pela policia militar pecou-se pela não aplicação da lei, que classifica como Motim o abandono, por parte força armada, de suas obrigações. Inaceitável ter-se a Sociedade tornada refem por batalhões por ela municiada. Constatou-se um governo tímido, acuado. A anedótica barreira de mulheres à entrada dos quartéis para assegurar aos policiais a sua recusa de deles sair resultou, é claro, da tolerância concedida aos grevistas. Ora, em tempos de emancipação das mulheres, não há que tratá-las como se flor de estufa fossem, e sim como cidadãs responsáveis por seus atos. A cumplicidade no crime cometido parece manifesta. A remoção dos obstáculos, com a tropa federal adentrando os quartéis teriam, em pouco tempo, restabelecido a ordem. Evitar-se-ia a onda de assassinatos e saques que impôs o terror à população de Vitória.


Estes dois nefastos acontecimentos refletem o pathos liberandi que domina a sociedade brasileira. Esta, em boa parte, resulta da generosidade de sua geografia, de seu clima, de sua demografia. São fatores que conspiram em prol da leniência que, não raro, entoxíca o corpo social. Assim, agravam-se os obstáculos que barram o caminho do progresso material e cívico da nação, tendo por responsáveis àqueles segmentos das elites que hesitam quando da necessária aplicação da lei.

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