São muitas as
características que dão a uma nação sua personalidade. Nos
Estados Unidos seria o dinamismo, na Alemanha, talvez a eficiência,
na Inglaterra muitos diriam a habilidade política, na França,
possivelmente, a intelectualização.
No Brasil, o traço
predominante seria a tolerância. Traço dúbio, pois tanto
engrandece como diminui. Se, por um lado, na sua história, o
conflito tende a encontrar solução pacífica, em muito destoando da
maioria das nações, por outro, ao transpor-se a visão histórica
chega-se ao comportamento comunitário, onde a visão
é bem outra.
Naquilo
pertinente à cidadania, na interface entre o cidadão e sociedade,
observa-se a fluidez de conceitos, a relativização das regras de
comportamento, a flexibilização das leis, a rejeição da
severidade. Escorrega-se para o Mais ou Menos.
Para o brasileiro, o
indivíduo, suas vontades e conveniências alcançam nítida
prevalência sobre os interesses do conjunto. Como se numa imensa e
subconsciente conspiração o brasileiro se amolda à linha de menor
resistência, onde o Bem, se caro for, é substituído pelo Possível,
de bem menor custo. Perde-se, na transferência de um para o outro, o
ímpeto da determinação que o processo civilizatório exige
Como em
todas sociedades, a opção tida por amena, confortável, que rege o
procedimento sócio-político nada mais é do que o reflexo do
comportamento coletivo das elites. Às elites dominantes cabe optar
pela abrangência, pela intensidade e pela severidade, das regras que
a sociedade sob seu domínio deve seguir. Se seus mores
refletem a tolerância e favorecem a convivência com o ilícito,
impossível ter-se uma sociedade onde prepondere o estrito respeito à
Lei. Porém, ao fazê-lo, coloca-se o futuro em risco, onde filhos e
netos abdicam da evolução devida.
O
descalabro evidenciado nestas últimas semanas onde bandidos e
policiais desafiam a lei em busca de benefício próprio, bem
refletem o estado de anomia que assalta o país. No primeiro caso, a
rebelião reflete a des-priorização do binômio Código Penal e a
realidade física carcerária. No segundo, explora-se o monopólio da
força armada, concedido pelo Estado, em benefício próprio.
A
inadequação das penitenciarias revela a velocidade no
encarceramento supera a capacidade de absorção pelas prisões, as
quais, por decisão da sociedade, não merecem a ampliação exigida.
Tolera-se a superlotação, tolera-se o descontrole que dela resulta,
tolera-se a transferência de poder dos carcereiros para os líderes
traficantes. Quando da inevitável consequência temos recriminações
e ranger de dentes.
No caso da
greve iniciada pela policia militar pecou-se pela não aplicação da
lei, que classifica como Motim o abandono, por parte força armada,
de suas obrigações. Inaceitável ter-se a Sociedade tornada refem por batalhões por ela municiada. Constatou-se um governo tímido,
acuado. A anedótica barreira de mulheres à entrada dos quartéis
para assegurar aos policiais a sua recusa de deles sair resultou, é
claro, da tolerância concedida aos grevistas. Ora, em tempos de
emancipação das mulheres, não há que tratá-las como se flor de
estufa fossem, e sim como cidadãs responsáveis por seus atos. A
cumplicidade no crime cometido parece manifesta. A remoção dos
obstáculos, com a tropa federal adentrando os quartéis teriam, em
pouco tempo, restabelecido a ordem. Evitar-se-ia a onda de
assassinatos e saques que impôs o terror à população de Vitória.
Estes
dois nefastos acontecimentos refletem o pathos
liberandi que domina a sociedade
brasileira. Esta, em boa parte, resulta da generosidade de sua
geografia, de seu clima, de sua demografia. São fatores que
conspiram em prol da leniência que, não raro, entoxíca o corpo
social. Assim, agravam-se os obstáculos que barram o caminho do
progresso material e cívico da nação, tendo por responsáveis
àqueles segmentos das elites que hesitam quando da necessária
aplicação da lei.
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