Talvez seja a impunidade jurídica àquela que melhor define o
doente Brasil. Nada mais comum do que ver-se condenados circulando nos
circuitos sociais e políticos, com plena e arrogante desenvoltura, décadas
depois de sua primeira condenação. Nenhum destes senhores é pobre ou remediado,
pelo contrário, navegam recostados na
opulência ilícita que os colocou na condição de réus condenados.
Estes, ao apresentar recursos após a confirmação da condenação
pela Segunda instância, raramente a
inexistência do crime e sua inocência são arguidos pelo réu. Fixa-se ele na contestação de aspectos processuais redundando,
ainda segundo ele, em cerceamento de seu
direito de defesa, o que invalidaria a
condenação. Assim, a defesa busca nos meandros processuais, não oferecer novos
fatos que levem à inocência do réu, mas, sim, a eventual impropriedade do rito
até então seguido. Sendo generoso o limite de recursos, o réu não mais argui
pela inocência, mas, sim, visa estender
o processo até atingir o objetivo prescricional.
Assim sendo, frágeis parecem os argumento dos que propugnam
a liberdade do réu até o esgotamento de todas as instâncias possíveis. Alegando
temer que fosse encarcerado o réu inocente, preferem ignorar a eficácia das duas primeiras
instâncias e ocultam o teor iminentemente protelatório dos recursos que se
seguem.
Ora, já tendo sido condenado por pelo menos três juízes, o
de Primeira instância e, no mínimo, mais dois dos três Desembargadores da
Segunda instância, difícil conceber não
ter tido o réu a oportunidade de defender-se plena e cabalmente.
Lícita e razoável, a partir desta confirmação da decisão
inicial, é a presunção de culpa e a prisão do réu, ao qual caberá, a qualquer
momento, oferecendo fatos novos relevantes, impetrar recurso e obter, talvez, a
liberdade.
Tendo por objetivo ordenar o comportamento e harmonizar os interesses da sociedade, a lei
não deve ser vista como um corpo autônomo, onde a letra se sobrepõe ao sentido.
O texto, na sua minúcia, não deve
tornar-se uma camisa de força, impedindo o interesse da comunidade.
Infelizmente, neste sentido, enquanto a exatidão da palavra prevalece no código
Napoleônico o embasamento em precedentes prepondera na Common Law
anglo-saxônica. O segundo se adapta e atualiza-se criando novos precedentes
enquanto o primeiro sofre de rigidez, só
sendo alterado pelo formalismo de novo texto.
Contudo, no contexto brasileiro cabe ao Supremo Tribunal
Federal, através de seus acórdãos, promover ajustes que o tempo e a sociedade reclama,
atualizando a jurisprudência. No caso em questão, face à impunidade que decorre
da interpretação restritiva, libertou-se o judiciário da exegesse formalista, assim ajustando-se à nova realidade.
A eficácia da Justiça e sua percepção pela sociedade, tanto
na qualidade quanto na presteza, são condições fundamentais para o desenvolvimento do país.
*Com permissão de Fyodor
Dostoievski
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