Desafiando aqueles que, há trinta anos, afirmariam: “Não, isto não pode acontecer”, hoje deparam-se com a mais abrangente vigilância, interna e
externa, que o mundo já presenciou. Na trilha do “caso Snowden”, novas revelações
aguçam a intranqüilidade que assalta o espírito, levando a conjeturas sobre a relação entre o Estado e o Cidadão.
No que tange o individuo, vale perguntar se alguém que, por justa
indignação, revela segredos de Estado,
sem que o faça para beneficio próprio ou, ainda, deste ou daquele contratante, é espião ou um
rebelde político (whistle blower). Sua prisão será justificável por razões criminais ou melhor se enquadraria na definição de Prisão Política?
Os segredos revelados escancaram procedimento que seguramente viola o
direito dos cidadãos, dentro e fora de fronteiras. Se a escuta e a perseguição
eletrônica de criminosos ou elementos enquadráveis no que se chamaria
“probabilidade de crime” (probable cause) mereça justificativa, parece
ser difícil argumentar que qualquer vocábulo “suspeito”, pronunciado em
conversa telefônica ou na internet dê ao
Estado o direito de introduzir-se na vida íntima do cidadão inocente, seja ele
Norte Americano, seja ele Brasileiro.
Ora, todas as palavras-chave surgem nas conversas mais inocentes, desde
a “bomba” de chocolate, o “extermínio” dos mosquitos no jardim, às referências ao “terror” de filme de
Drácula. Em suma, a intrusão “a priori” fere frontalmente o direito do cidadão
inocente à privacidade.
Quanto aos efeitos sobre as nações, são eles os mais inquietantes. O
New York Times, jornal renomado, acima de suspeita, revela a escuta ubíqua a
que se submete a sociedade. Esta invasão, sob a supervisão de tribunal secreto,
ainda segundo o diário mencionado, não mais se restringe ao combate ao
terrorismo, mas já avança para o combate ao tráfico de drogas e à lavagem de
dinheiro. Da-se, assim, o que é de mais natural no comportamento dos
homens ou de grupos; a permanente procura pelo expansão de seu poder. Novos crimes
são incorporados, novas palavras-chave
são criadas e a rede de escuta se amplia, cercando o cidadão com as escuras
paredes desta moderna Inquisição
Quanto tempo levará para que se amplie a lista negra ? Até que ponto, aqueles
que criticam o crescente cerceamento individual, poderão eles ver-se envolvidos em represália? Quando
chegará a vez do “crime político”, da opinião discordante? Quanto mais ampla a
cobertura dos serviços de Inteligência
maior a multiplicação das “palavras-chave” captados na internet e ao
telefone, terminando por abranger o
léxico universal. Não existe dúvida quanto à capacidade de disseminação da
cultura Americana, como também é fácil prever-se que, lastreada na expansão
incontida da tecnologia, chegará a vez dos outros países incorporarem, como
válida e justificável, a invasão do
pensamento individual. Daí ao Estado
Totalitário é um pequeno passo.
Em nome da Segurança perde-se a Liberdade. Double speak, já dizia
Orwell.
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