quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O Complexo e o Simples



O importante texto a seguir reflete tanto a atual realidade quanto a tendência modernista da crescente simplificação da comunicação verbal e escrita que ameaça o pensamento e sua transmissão. Esta simplificação tem, por vezes, um conteúdo ideológico, onde o "simples" adquire valor da inclusão "democrática", rejeitando o complexo como o apanágio dos privilegiados. A ver...   


“O QI médio da população mundial, que sempre aumentou desde o pós-guerra até ao final dos anos

 90, diminuiu nos últimos vinte anos. É a inversão do efeito Flynn.
Parece que o nível de inteligência, medido pelos testes, diminui nos países mais desenvolvidos. 

Pode haver muitas causas para este fenómeno. Um deles pode ser o empobrecimento da linguagem.
Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da 

linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as subtilezas linguísticas 

que permitem elaborar e formular pensamentos complexos.

O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, 

particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: 

incapaz de projeções no tempo.
A simplificação dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos 

de "golpes mortais" na precisão e variedade de expressão.
Apenas um exemplo: eliminar a palavra "signorina/senhorita/mademoiselle" (agora obsoleta) não 

significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a 

ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.
Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e 

menos capacidade de processar um pensamento. Estudos têm mostrado que parte da violência nas

esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.
Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível.
Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece.

A história está cheia de exemplos e muitos livros (George Orwell - "1984"; Ray Bradbury - "Fahrenheit 

451") contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o 

número e o significado das palavras.
Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras. Como

construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem uma 

conjugação com o futuro? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no 

tempo, passado ou futuro, e a sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que 

poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, 

realmente aconteceu?

Caros pais e professores: Façamos com que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam e escrevam. 

Ensinemos e pratiquemos o idioma nas suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. 

Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade.
Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem dos seus "defeitos", 

abolir géneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do 

empobrecimento da mente humana. Não há liberdade sem necessidade. Não há beleza sem o 

pensamento da beleza."


Christophe Clavé¹

 

1) CHRISTOPHE CLAVÉ, Professeur de stratégie & management, INSEEC SBE (AGEFI)1


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