quarta-feira, 28 de abril de 2021

Novos tempos, novos rumos




Por quanto tempo perdurará a Pandemia? Quando chegar ao seu fim, quais serão as consequências? Voltará o planeta aos seus velhos hábitos, onde o infindável ciclo de alegria e tristeza, de esperança e decepção será o leit-motif da existência humana? Mais do mesmo, hoje maquilhado pela ubiquidade  digital, onde a espuma cibernética formatará uma falsa realidade? 

Ou, ainda, profundas dificuldades econômicas trazidas pela recessão  deverão mobilizar  as crescentes camadas hoje insatisfeitas pelo fosso crescente da desigualdade, estas verbalizadas e  turbinadas pelas redes  digitais, alimentando o protesto  público contra o status quo político e social?

Ou não? Ter-se-á um Mundo que se desperta para uma alvorada que rejeita as trevas da sistêmica iniquidade humana? Onde o acúmulo do sofrimento trazido pela Peste abra as portas da solidariedade, da generosidade, da empatia? Talvez. Pouco provável. 

Confrontados com as perdas fiscais, os países líderes demonstram preocupação em restabelecer um equilíbrio, politico e econômico, sustentável. Constatam a expansão do endividamento público que  se aproximam, quando não ultrapassam, o valor do PIB. Prenunciam medidas distributivas que mais se aproximam da vertente Keynes do que a de Friedman.

Torna-se necessária a revisão das imperfeições tributárias ora existentes, que vêm favorecendo, ou mesmo acelerando,  a concentração da riqueza nacional às custas de formulas, gerando uma deformação social sistêmica. Os atuais modelos das economias de mercado, tendo os Estados Unidos por paradigma, não mais acreditam em "trickle down economy". Na realidade, sob o sistema anterior  "the economy trickled upward". O "efeito Buffet" onde o bilionário revela pagar menos imposto do que sua secretária, não mais parece tolerável.

Quais serão as consequências políticas desta crescente clivagem, hoje extrema, entre as classes prósperas, enriquecidas durante a pandemia e as remediadas, por ela empobrecidas? 

Vários países, dentre os quais os Estados Unidos, enunciam revisões importantes no seu código fiscal, visando acelerar a adoção de instrumentos (tanto na esfera individual quanto na corporativa)  que facilite maior irrigação de recursos e oportunidades para as camadas inferiores, castigadas pela pandemia.  

Ainda, tal revisão focaria em privilégios e anomalias consentidas (loop-holes) na taxação de ganhos individuais e corporativos,  locais e internacionais. Em resuma, a busca de um "level playing field".

Caso os representantes do sistema vigente para desprezem a tomada de medidas para atenuar, primeiro, e reverter em seguida, as perversas condições post-crise, ter-se-á, provavelmente, uma  redistribuição de poder no quadro político-eleitoral. As redes sociais  aí estão para excitar relevantes parcelas da opinião pública.

Reconfortar-se na ilusão do "sempre foi assim" seria um grave erro, pois  ignorar a revolução  na informação digital, onde o "tapete" para debaixo do qual se varriam as más práticas tem, hoje, seu tamanho cada vez menor.


   





domingo, 18 de abril de 2021

Nuvens escuras

 



Em  novembro de 2022,  quando das eleições parlamentares americanas,  ter-se-á febril campanha buscando reformular o tênue equilíbrio partidário hoje existente. Determinará, para os anos seguintes; se Joe Biden será um líder ou um mero coadjuvante. Mas até então, qual será a Política Externa do "super-power".

O Mundo de hoje pouco parece com os idos tempos quando a Organização das Nações Unidas era respeitada, tendo os dois lados do tabuleiro interesse em valorizá-la. O capitalismo e o comunismo se digladiavam, mas, em momentos de crise aguda, buscavam na ONU o modus operandi para evitar a hecatombe nuclear.

Talvez a desmoralização da visão internacionalista e respeito às suas regras  tivesse, na invasão do Iraque por George W. Bush, o seu início. Mais e mais Washington procurou, em ações unilaterais, o instrumental para atingis seus objetivos. Donald Trump, uma vez eleito mergulhou a instituição internacional na mais profunda irrelevância.

Hoje, nota-se o resultado nefasto do ressurgimento das ambições e paixões nacionais, numa forma perversa de individualismo geopolítico, relegando a ONU à esporádicas declarações no vazio. As regras por ela estabelecidas mais e mais tornam-se letras mortas. 

E se explica. Com a queda do Império Soviético, uma grande quantidade de nações, que em tempo de ameaça vital tinham nos Estados Unidos a sua proteção, tinham por preço sua subordinação. Com o colapso e fragmentação da USSR cessou a ameaça, reduzindo a  subordinação ao Estado Protetor.

Com o colapso do comunismo, veio a queda do inimigo ameaçador. Caiu, também, a anterior dicotomia ideológica. As nações anteriormente subsidiárias à um dos polos, ganharam espaço de manobra que lhes permitisse melhor perseguir seus interesses, subordinando suas alianças à seus interesses geopolíticos e não mais à uma ideologia.

Para compensar o enfraquecimento de seu poder aglutinador e do seu poder suasório, antes ideológico, exercido sobre o "lumpen" das nações subsidiarias, os Estados Unidos hoje recorrem à aplicar, cada vez mais, o constrangimento financeiro e  comercial, e, até mesmo ocasional punição militar.

O ativo boicote de Biden  ao pipeline russo Nord II, não só atinge os interesses comerciais de Moscou, e, mais grave,  contraria o vital interesse de seu aliado, a Alemanha, em busca de des-nuclearização de sua energia. Expões o excesso a que esta sendo levada a politica norte americana  de coação comercial.

No caso da relação Estados Unidos/China, os primeiros manifestam sua clara oposição a que venha o segundo a atingir a superioridade econômica. Como se violação da Lei Internacional fora, Washington acusa a China de pretender cometer tal crime!

Se arroga, assim, o singular direito de impedir que uma nação venha a atingir dimensão econômica contrária a seus interesses. Tal entendimento reporta-se à era Imperial que dominava o mundo, visão  sepultada após a Segunda Guerra Mundial.

Se, outrora, os Impérios recorriam ao bloqueio naval buscando estrangular a economia de adversários, hoje, os computadores do Treasury Department substituem os canhões navais de antanho, bloqueando fluxos financeiros e comerciais de adversários políticos.

Contudo, tais sanções tanto podem coibir comportamento considerado indesejável quanto, pelo contrário, levar a nação penalizada a buscar apoio no campo adversário. Como exemplo, a política de Washington visando a contenção e a submissão da  Rússia, seu maior rival nuclear, tem por efeito levá-la aos braços  de Pequim. Hoje, tanto o militar quanto o econômico entrelaçam os dois países.

Ao fortalecer-se o bloco Sino-Russo, onde o arsenal nuclear russo e suas imensas reservas de energia se somam à China, segunda economia e poder militar do planeta, pode-se  deduzir que o caminho ora seguido por Washington trará mais desvantagens do que benefícios.

Se conflito houver, que se trave no comercio internacional sob as regras da OMC.  Que haja  competição, com limites negociados  sob a égide das Nações Unidas, como já vem sendo feito há décadas.

À persistir o atual diferendo, prenuncia-se escalada em sua intensidade, tornando a Comunidade das Nações refém e vítima involuntária..






terça-feira, 13 de abril de 2021

Razão e Exaltação




Observa-se, ao longo dos últimos anos, uma gradual transformação  no diálogo político nas mais diversas nações que formam o mundo democrático. Excluindo-se as confrontações tectônicas, como o embate Capitalismo-Comunismo ou Democracia-Ditadura onde a escolha entre as facções adquiriam densidade existencial, promovendo violência tanto verbal quanto física, o debate partidário em eleições democráticas guardavam um comportamento tido como civilizado.

Mas o cenário hoje é outro. A agressividade dá o tom. E a causa parece ser o advento das Redes Sociais.  A  primeira condição que aguça a crescente hostilidade que se observa do diálogo político é a atual capacidade dos antagônicos em dialogar em real-time, instantaneamente. Não mais inibidos pelo tempo de receber o input, processá-lo, redigir a resposta no seu e-mail, cuja tréplica tardaria um ou dois  dias, tempo suficiente para a reflexão e revisão da contestação, hoje, os debatedores o fazem em "tempo real". O que é "dito" foi 5G afora e não tem volta. A instantaneidade da resposta on line impede a reflexão prudente e atenuante. 

Nos tempos passados, os sábios insistiam: "Pare para pensar". Hoje, a sociedade, sob o culto da velocidade, não mais tolera o "Parar".  Confundindo "Eficiência" e "Eficácia", ganha-se em velocidade com a pressa, porém, com ela,  perde-se a reflexão e a compreensão. 

E assim, entra-se  no Facebook (ou similar) por uma porta que se abre sobre milhares de janelas, que nem um clássico sobrado em rua Napolitana. As comadres e compadres ja parecem ter opinião formada, municiadas por chavões, repetições e enganações. Dentre elas estão os robots que automaticamente se manifestam em textos pré-preparados. 

Adentrando o tema político, o futuro eleitor se adere a seus correligionários, e juntos se lançam ao debate. Argumentos tolhidos pela pressa, a indignação atropelando a análise, o sectarismo toldando a visão.  Em poucos lances o linguajar se azeda, a calma cede à raiva, e abrem-se as portas para a injúria, não raro, pessoal. E assim vai se agravando a intolerância, o maniqueísmo e, enfim, o ódio à ideia alheia.

O conceito de multipartidarismo cede a imposição do unicismo ideológico, febril, pois, nas Redes Sociais não serão os tolerantes e os prudentes que exercerão a influência, mas, sim, os vendedores de panacea que, sob a capa de falsa realidade, engrossam as fileiras dos iconoclastas. 

E o que era somente eletrônico, transborda nas ruas, nas manifestações, nas depredações. O protesto penetrante  e as soluções simplistas. Em tempo real. E assim, chaga-se ao período eleitoral; as facções de viés autoritário já formadas, as ideias e crenças já congeladas, prenunciando a obsolescência da democracia.

Trump, Bolsonaro, Maduro, Orban já exerceram ou exercem o poder, porém as eleições que se aproximam mundo afora revelam o potencial de nova fornada de líderes extremados. Se este Virus eletrônico  não for contido a Razão cedera à Exaltação e negro será o futura das nações.



domingo, 4 de abril de 2021

Vacina e opções




Não são poucas as pessoas que defendem privatizar a distribuição das vacinas. O argumento parece bom, pois defende a liberdade de cada um em obter a própria proteção. Afinal, somos um país de livre mercado.

Porém, importante parece ser examinar o contexto que envolve esta pandemia e a disponibilidade das vacinas. Preliminarmente, a vacina anti-Covid19 não é um produto qualquer pois a urgência de sua oferta está ligada à sobrevivência de relevante parcela da humanidade.. Assim, a presteza, qualidade e quantidade de sua produção e distribuição não pode se restringir aos procedimentos habituais para os demais bens, onde o Mercado determina em que valores e quantidade será o produto disponibilizado e qual a mobilização industrial necessária à sua produção.  

Hoje, tais regras não se aplicam à vacina. Enquanto a demanda abrange a totalidade da população mundial, operada e concentrada em governos,  a oferta  do produto é limitada pela insuficiente capacidade industrial nos países que dominam sua produção.  

Para encontrar o equilíbrio entre demanda e oferta, neste caso, o "preço de mercado" não tem validade dada a imperfeição do equilíbrio desejado. Este distanciamento entre oferta travada e procura ilimitada, impõe ação mediadora que só uma autoridade arbitral será eficaz, ou seja, os Governos ou uma entidade supranacional como as Nações Unidas.

Se deixada a determinação do preço ao Livre Mercado, a demanda do topo da pirâmide econômica elevaria o preço da vacina muito além da capacidade de compra dos segmentos mais pobres. O capital disponível ao segmento capitalizado dominaria a oferta, deixando a massa pública sem acesso e sem um sistema de priorização na sua distribuição, digamos, por idade conforme ora feito.

Tivesse o Brasil  já aderido ao forte grupo que propõe a liberação das patentes anti- Covid 19, permitindo uma forte aceleração na produção da vacina o gargalo hoje existente seria alargado e, posteriormente, eliminado. Tal ocorreu durante outras epidemias, com efeito positivo na estabilidade do preço e na velocidade de produção, esta multiplicada dentre as diversas nações com capacidade produtiva.   

Não se trata de uma medida socialista ou comunista, mas sim de uma solidariedade essencial aos interesses de todos aquelesos que compõem a sociedade. É essencial dar-se prioridade à velocidade no combate deste Virus. Quanto mais perdurar esta pandemia, aumenta exponencialmente (o que já se observa) a criação de novas variantes do virus. 

Se assim for, por sequência lógica, tornam-se elas progressivamente mais resistentes às vacinas anteriores, assim impondo a criação de novas vacinas em ciclo vicioso sanitário. O resultado seria catastróficos para a humanidade. Tal cenário de crescente contaminaçãpo é tornado possível, se não provável, pela crescente interconexão global no trânsito humano, abrangendo raças, culturas e hábitos diversos que ifacilitam a geração de novas infecções.

Porém, não deve ser ignorado o custo incorrido e por incorrer pelo setor privado na pesquisa, produção e distribuição das vacinas em questão, o que exigirá o aperfeiçoamento de fórmula compensatória, cujo onus seria arcado pelo Tesouro dos países beneficiados.  

 


quinta-feira, 1 de abril de 2021

Versão de um voluntário

Fazem hoje 57 anos do início do processo que destituiu João Goulart da presidência, movimento apoiado pela grande maioria da classe média brasileira. Para entendê-lo, necessário se faz ter vivido o colapso que se observava, da ordem cívica, administrativa e econômica graças à emergência de movimentos contestatários, de cunho pré-revolucionário, com a anuência do poder Federal cuja missão deveria ser a manutenção da lei e da ordem. Permissivo, o governo Goulart abriu às portas ao colapso da hierarquia militar e, portanto, da Segurança Nacional e Constitucional.

Carlos Lacerda tornou-se o principal e mais ativo opositor de Jango. Encastelado no Palácio da Guanabara, o Governador proclamava sua contestação, negando a autoridade Federal. 

Naqueles momentos, complementando pequeno contingente policial, chegavam ao palácio jovens jovens de espírito, de diversas idades e procedências, dispostos a colocarem-se como muralha.




Dentre estes estava  este escriba, acompanhado de três amigos; um ex-reporter, Ítalo Viola, um italiano desgarrado, Sergio Piombo, e um pequeno grande valente, Aluísio Leitão. Uma carabina, uma espingarda de caça, uma pistola e um revolver. Não para defender um líder político, não visto nem na chegada nem na partida, mas para defender um modo de vida que nos era caro.

Às quatro da manhã, este pequeno grupo, reforçado pelo inesquecível Arnaldo Borges, partiu, numa Kombi machucada, em busca de mais armas tendo vista a penúria reinante. Alguns as emprestaram, (lembro-me bem da Winchester que Eduardo Defini emprestou-me) outros as negaram (um conhecido colecionador de armas de caça não arriscou suas joias). Durante o périplo e voltando ao Palácio, as invectivas da rádio oficial nos acompanhava,  proclamando a derrota da rebelião e a iminente captura do governador. Mas lá chegamos com modesto arsenal e poucas esperanças. 

E assim passou a madrugada, entre escuridão e boatos, à espera da investida dos Fuzileiros do Aragão. Ao chegar abril, e sua claridade, ouviu-se, o arrastar das cremalheiras dos tanques. Fez-se o silêncio dos defensores, trazendo preocupação e consternação. Situação indefensável. 

Súbito, pela primeira vez ouvimos ordens do General Mandin, aparentemente encarregado da defesa do perímetro. Ordem peremptória: preparem os Cocktail Molotov! Mas nem garrafas nem gasolina havia.  A ironia não nos escapou, mas todos lá ficaram, esperaram com suas armas que, face aos blindados,  mais pareciam brinquedos.

Foi então que, ao longe, viu-se, em lenta marcha, civis portanto faixa contra Goulart à frente de três tanques comandados pelo Capitão Etchegoyen. Goulart fugira. Pano rápido. Fim de uma curta estória, começo de uma longa história.