quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Tempos incertos





Assalto ao Capitólio


Vê-se o mundo chocado com os recentes eventos ocorridos nos Estados Unidos. Ao final da disputa eleitoral, elegeu-se Joe Biden, porém dando a Donald Trump nada menos do que setenta e cinco milhões de votos. A vitória democrata não foi acachapante, onde o derrotado voltasse para casa humilhado, emasculado políticamente. Não, a derrota do partido Republicano ainda lhe deixa considerável poder político.

Trump, tendo abraçado o radicalismo que ´pretende transformar a nação americana, proponente da Fortaleza América contra o mundo exterior, se retira para Mar-a-Lago, talvez temporariamente.  

No lado oposto à esta visão constrita, fechada, está uma America aberta política e comercialmente ao Mundo; multiracial, solidária,  tolerante...É a América que o mundo deseja como parceiro internacional..

Isto posto, vale indagar como pôde chegar-se ao aberrante experimento político que prevalece há quatro anos? Como um ambiente tradicionalmente respeitador das regras constitucionais permitiu, da noite para o dia, revelar uma face iconoclasta, raivosa, violenta.

Como nada nesta vida é de graça e sim consequência  de atos passados, tal desarrumação nas bases partidárias e nas expectativas que as alimentam  terá razões que atingem o âmago da alma política norte americana. Algumas destas razões serão profundas e históricas. Outras, mais recentes, decorrem de conjugações inesperadas pretendendo lidar com a nova realidade que se forma.

De singular importância, tem-se a questão racial, onde a raça branca americana vê sua constante e crescente perda de protagonismo. Espera-se para 2050, e talvêz antes, que a soma das raças não-brancas se tornem majoritárias. Mais algumas décadas e a perda de maioria criará condições para sua gradual redução de poder político senão econômico.

Outra tendência que se acentua é a concentração de renda no topo da pirâmide populacional, acentuando a insatisfação nas camadas economicamente inferiores porém majoritárias. Estas, em constante conflito com o ilimitado capital do topo da pirâmide, busca a reversão da tendência, levando à potencialmente instável equilíbrio político.

Um terceiro fator negativo que oprime o psique norte americano terá sido a perda, ao longo das últimas décadas, do até então inconteste protagonismo internacional da nação americana: 

         A constituição da União Europeia, cujo PIB e população igualam ou superam os índices americanos; 

         O excepcional avanço chinês, cujo progresso tanto  econômico, comercial quanto militar e, por consequ|ência, político, devendo superar os  Estados Unidos na próxima década; 

         A permanência da Rússia no jogo internacional mantendo o status de maior poder nuclear do planeta. 

A emergência destes núcleos políticos reformula e reavalia o poder relativo econômico e/ou militar, trazendo ansiedade e temor.

Um quarto fator será a queda da tradição de invencibilidade das armas americanas. As últimas décadas tem revelado os Estados Unidos sujeito à derrota (Vietnam) ou impasse militar (Afeganistão).O prolongamento inédito destes conflitos tem turbinado seu custo, tanto em vidas quanto em recursos.

Já, como quinto fator, tem-se sido o congelamento da ascensão sócio-econômica, outrora caracteística dos Estados Unidos. Pesquisas recentes revelam um crescente fosso econômico limitando o acesso à qualidade na educação e na saúde pela classe média. Ainda, o sacrifício fiscal destas classes modestas supera, em muito, àquele dos contribuintes de alta renda (vide efeito Buffet).  

O conjunto destes fatores pintam um quadro, pelas tensões e frustrações que gera, que dificulta o diálogo político equilibrado e construtivo. Pelo contrário, induz à aspereza, intransigência e intolerância no debate político. Contrariamente ao passado não distante, a existência e prevalência das redes sociais disseminam e turbinam as frustrações e ansiedade, enrijecendo posições.

E qual o caminho que se abre? Tem-se, no momento, um presidente derrotado, Donald Trump, que, no entanto,  obteve nada menos do que  74 milhões de votos nestas eleições. Quanto deste apoio provém de segmento respeitadores das regras dos jogo  constitucional, quanto estará propenso à soluções violentas, extra constitucionais? 

Caso Trump seja impeached, e assim perca seus direitos políticos vedando-lhe uma futura vida pública, poder-se-ia esperar o seu ostracismo e gradual esquecimento. Por outro lado,  permanecendo na liça política, algumas hipóteses se desenham:

- manter-se na liderança, ou lutar por ela, fiel ao partido Republicano, ou

- cindir o partido buscando  liderança em nova agremiação de cunho contestatário.

Tais considerações levam em conta que, deixando a proteção do cargo que ora ocupa, Donald Trump provavelmente tornar-se-á alvo de ações legais hostis ao seu patrimônio e à sua liberdade. Será a liderança política, seja qual formato lhe seja possível, que lhe trará tanto um escudo que lhe defenda,  quanto uma espada que lhe abra novos rumos.   


    


 

Um comentário:

Nice disse...

Seguimos nesse jogo....