domingo, 26 de julho de 2020
Guerra ou Paz
Bill Clinton, ao emergir do lamaçal criado pelo caso Monica Lewinsky e a subsequente tentativa de seu impeachment, salvo que foi pelo voto do Senado, buscou nesta guerra pela independência do Kosovo, então província da Sérvia, desviar a atenção do eleitor. Este, impelido pelo apelo patriótico que a guerra aguça deu ao titular a vitória esperada. Clinton teve pleno sucesso sem correr qualquer risco nesta guerra burlesca, pois o inimigo Sérvia era militarmente insignificante.
O mesmo tema, porém em escala muito maior, é hoje encenado por Donald Trump. Enfrentando crescente rejeição eleitoral causada por seu estilo impetuoso e imprudente no combate ao Covid-19 , busca a reversão desta tendência cadente. O faz recorrendo ao confronto com a China, à pseudo ameaça à segurança nacional. Envolve-se na bandeira em busca do voto patriótico.
Tendo iniciado seu governo em clima de cordialidade e colaboração com o governo chinês, onde troca de elogios era a norma, vê-se uma inversão nesta relação. Porém, os efeitos negativos deste "novo normal" não devem ser desprezados. Um crescente número de empresas chinesas vêm suas operações prejudicadas ou interrompidas por condições leoninas somente agora impostas por Washington.
Dentre elas, a ameaça de exigência de registro de dirigentes de empresas chinesas como "representantes de nação estrangeiras" inaugura uma nova relação que se afasta do campo empresarial para o terreno político. Ainda, o impedimento de acesso do sistema 5G da Huawey ao mercado, e a proibição de venda de chips e outros produtos tecnológico à China inverte abruptamente o histórico comercial entre as duas nações, assim gerando relevantes prejuízos financeiros e estratégicos.
Dentro deste quadro de crescentes obstáculos, contrários ao livre comércio, investimentos e fluxo de capitais evidencia-se a estratégia desnudada de conter-se o ritmo crescente da economia chinesa, hoje já maior do que a norte-americana pelo critério PPP (Purchasing Power Parity). Além de crescentes sansões comerciais e financeira aplicadas a Pequim, até mesmo vedar à China o uso da moeda dólar já estaria sendo contemplado, de acordo com fontes extra-oficiais.
Já no campo militar, o chanceler norte americano, Mike Pompeu, subindo o tom, anuncia ser a expansão chinesa risco para a segurança dos Estados Unidos e da América Latina! Dando "dentes" à retórica, Trump manda fechar o consulado chinês em Houston, dando ao conflito nova dimensão.
Resta a pergunta, qual a reação da China? Quais as "linhas vermelhas" que não poderiam ser cruzadas. A habilidade de Xi Jin Ping está sendo posta em jogo, tanto interna como internacionalmente. Face à corrida eleitoral ora em curso nos Estados Unidos, prudente seria evitar a radicalização. O Primeiro Ministro sabe que as respostas devem ser temperadas pela atual indefinição do quadro eleitoral americano, onde a eleição do Democrata Joe Biden poderá lhe ser benéfica quanto à intensidade da atual controvérsia. O acirramento daria à Trump vantagem indesejada.
Quais seriam as respostas do outrora Império do Meio, e como poderiam elas afetar, não somente o seu adversário, mas, também, as demais nações. A notável expansão comercial chinesa, permeando todos os continentes, dá à atual desavença um conteúdo pandêmico. De uma forma ou outra o atrito USA - China poderá provocar marolas planetárias com poucos ganhadores, se algum.
No cenário econômico, uma interrupção da cooperação comercial traria substanciais prejuízos, tanto à América quanto à China. A dependência mutua é substancial, sobretudo na área tecnológica. Na área agrícola, tanto um quanto outro sofreriam graves perdas com a queda abrupta na venda de grãos. Na área financeira, vale notar a substancial posição chinesa em títulos do Tesouro norte-americano e os efeitos da perda de tal financiador.
Também relevante será avaliar o cenário militar. Pequim não tem como projetar sua força armada muito além de suas fronteiras próximas, tanto no mar quanto na terra. Sua força aérea não lhe permite incursões a grande distância por não ter os pontos de apoio para tal. Poderia manter, e até mesmo ampliar seu domínio sobre o Mar do Sul da China e o mar da China a Leste ao neutralizar as bases norte americanas, tais como Guam, Okinawa, Subic Bay e outras. Porém as hostilidades levariam a perda do livre acesso às rotas marítimas hoje essências à sua sobrevivência.
Como desdobramento estratégico, seria possível uma maior aproximação politica e comercial Pequim-Moscou que abriria as portas à China para as imensas reservas de petróleo e outras matérias primas. Contudo, o temor histórico quanto ao vizinho chinês por sua latente ameaça à integridade russa na descampada Sibéria, levaria o Kremlin a hesitar em maior engajamento militar com seu aliado . Mais um movimento no complexo xadrez asiático.
Já, a marinha americana, com sua arma aérea, secundada, ainda, pela força submarina capacitada para o lançamento de mísseis, seria um adversário insuperável desde que distante das margens chinesas Porém, os "boots on the ground", essenciais à uma vitória militar, não parece possível visto o perfil geográfico e demográfico da China. Os dados, de parte a parte, parecem indicar que, se guerra houvesse, chegar-se-ia a um impasse a ser resolvido politicamente.
E enquanto a inimizade se aprofunda, a União Europeia se vê confrontada coma "escolha de Sofia", onde sua preferência política pelos Estados Unidos se vê atenuada pelo interesse econômico que o mercado chinês lhe traz. Ainda, a cadente ameaça russa à integridade europeia enfraquece, também, os vínculos criados pela OTAN, hoje não mais sacrosanta. Assim, observa-se uma gradual diluição da outrora inquestionável dependência interatlântica. Aliança, sim, mas até que ponto?
As suposições acima nada mais são do que um exercício sobre um tema onde reside a permanência da Paz e sua consequente prosperidade mundial. É torcer para que ambos os lados tenham juízo. Enquanto isso, o mundo não engajado no conflito observa, ansioso, quais serão as consequências.
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