sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O novo Chanceler



De hoje à posse do novo presidente, muita coisa acontecerá, seja seguindo a atual tendência que se observa, seja revertendo-a face à obstáculos insuspeitos.

No memento, contudo, a evolução do processo de transmissão da Presidência parece bem encaminhado. Jair Bolsonaro, contrariando expectativas de muitos, não mais parece tão dogmático. Pelo contrário vem dando sinais de flexibilidade, reconhecendo que muitas das idéias que nortearam sua campanha, merecem revisão.

Tratando-se de política externa, parece ter recuado quanto ao reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Recebeu um choque de realidade ao conhecer a reação negativa do Egito que, em companhia dos demais países árabes, respondem por quantidade importante das exportações brasileiras. Também, deve ter sido aconselhado pelos profissionais do ramo que ao Brasil não interessa ignorar a lei internacional, conforme estabelecida pelas Nações Unidas, uma vez que nela terá o país guarida quando confrontado por estados que lhe superem política e economicamente.

As boas relações com Israel devem prevalecer, como ora ocorre. O reconhecimento de Jerusalém como capital não é exigência para que assim continue. Ainda, a mesma relação construtiva deve se aplicar aos países árabes, mantendo e aprimorando as condições atuais.

Quanto ao Mercosul, o novo governo não deve desprezar os benefícios políticos e econômicos que propicia ao Brasil, ainda que muito deva ser feito para aprimorara e ampliar o alcance potencial desta aliança. Tudo indica que o presidente eleito pretende adotar uma política construtiva.

Agora resta à Bolsonaro a escolha de um ministro que possua a experiência, a maturidade e o profundo conhecimento do que seja a mais conveniente política externa brasileira.

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As linhas acima escritas o foram na véspera da designação do futuro Chanceler, o diplomata Ernesto Araújo.

Embasado nas informações obtidas em entrevistas concedidas e textos por ele publicados, algumas observações tornam-se convenientes.

Sem dúvida o currículo do futuro ministro revela um carreira de sucesso, atuando em nações de primeira grandeza e, ainda, aperfeiçoada por posto nas Nações Unidas. O fato de ainda não ter comandado missões e, portanto, não ter alcançado o posto de embaixador não impede que venha exercer com competência o comando do Itamaraty.

Já, suas declarações à imprensa ou os textos de sua publicação revelam uma predisposição ao pensamento enfático, senão radical.

Sua divisão do mundo entre um Ocidente a ser protegido contra as ameaças que parecem advir das regiões euro-asiáticas, suscita indagação quanto à sua razoabilidade, uma vez que da Ásia provém fluxos comerciais e financeiros essenciais à prosperidade do Brasil. Tanto a China quanto a Rússia hoje representam dois polos de poder político-econômico que não devem ser ignorados nem hostilizados.

Sua declarada admiração pelo presidente Trump (que acaba de impor, unilateralmente, tarifas ao Brasil) e pelo filósofo (auto didata segundo o próprio) Olavo de Carvalho, talvez o melhor expoente da visão maniqueísta, sugere uma visão impositiva que, se implantada no âmbito das relações internacionais, pareceria negar a bem sucedida tradição da diplomacia brasileira.

Sua declaração ”O projeto meta-político significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história” e sua exumação da obra de Samuel Huntington alertando para o Choque de Civilizações remete ao período das Cruzadas. O escudo que preconiza em seus escritos, portando a Cruz e a Espada, se traduz em conflito, mais adequado ao Ministério da Defesa do que ao Itamaraty. Ora, a razão de ser da diplomacia é, justamente, evitar-se o conflito.

O diálogo é o mais eficaz antídoto ao conflito, e o conflito moderno pode tornar-se nuclear. Não parece ser a hora de experimentos exóticos.

O que o novo Chanceler defende se reveste, possivelmente, das melhores intenções ainda que revele um “que” de pre-modernidade. O retorno ao “nós e eles” e o abandono da globalização no alvorecer do Século XXI parece um passo atrás.



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