sábado, 29 de setembro de 2018
Justiça e eleição
Trava-se mais um conflito do que uma disputa eleitoral. Na guerra entre esquerda e direita, a primeira vítima foi o centro. O centro, aquele que prefere à razão à emoção, aquele que entende tanto a necessidade de medidas sociais quanto respeita as leis que regem a economia democrática, aquele que respeita o cidadão em vez de impor-lhe as pseudo virtudes tanto da ditadura do mercado quanto da imposição do distrubutivismo.
Como se não bastasse, constata-se a cegueira ideológica, onde candidatos se transformam em salvadores apesar de suas modestas qualidades e notáveis defeitos.
Diante da nação surge um candidato aventureiro em postura messiânica, prometendo tudo aquilo que agrada o seu curral; um homem falho prometendo o bom caminho sem bem conhecer sua geografia.
Do lado oposto, um homem prisioneiro das idéias de seu partido, responsável pela institucionalização da corrupção endêmica como instrumento de perpetuação de poder. Sua ideologia já levou o país ao precipício econômico, e, por consequência, à pobreza dos milhões de desempregados.
Ao contemplar o futuro de um país, a eleição presidencial é o ápice da escolha política. O cidadão deve buscar, com seu voto, o binômio do bem estar presente e futuro no que concerne o pessoal e o coletivo.
Sem ética um país e seus cidadãos não podem prosperar. A Justiça é a pedra angular que sustenta a abóboda cívica, pois ela é, em última análise, a que permite a igualdade entre os cidadãos. Afasta a lei do mais forte, seja ele econômico, seja ele político. Desta base poder-se-á erigir um sistema que permita ao país retomar um rumo civilizatório. Sem ela ter-se-á a continuidade da desorganização social e econômica.
Ora, a desmontagem defendida pelo Partido dos Trabalhadores das conquistas trazidas pela "Lava Jato", onde o poderoso não mais escapa às dívidas contraídas para com a sociedade tornar-se-ia um retrocesso irreversível. Já se faz sentir, na atuação de número relevante de ministros que compõem o Supremo Tribunal, a tentativa de derrubada dos institutos que ainda contêm e revertem o descalabro moral que assalta a nação.
Estes trabalham incessantemente para a derrubada da prisão em segunda instância e da Ficha Limpa. Se assim ocorrer, ter-se-á o retorno de todos aqueles que se revelaram ineptos e indignos na sua trajetória pública e privada.
Assim, a eleição tem menos a ver com as qualidades e defeitos do candidato individual do que com àquilo que os move no cenário político. Ao votar, o risco de erro pessoal parece ser menos grave do que o risco de erro institucional.
sexta-feira, 21 de setembro de 2018
O pinto do Trump
Dr Sigmund Freud |
Nem a mais desvairada previsão teria superado a realidade: o surgimento da genitália do presidente dos Estados Unidos da America tornar-se parte do debate político do país.
A polarização da política americana chegou a tal ponto que todas as barreiras da compostura e decência estão sendo derrubadas. Em extravasão de ódios e repulsas os oponentes do presidente republicano não hesitam levar à mídia as escapadas amorosas (ou nem tanto) do primeiro mandatário. Escancarar o noticiário, acolhendo um(a) player de tão baixo nível moral pode ferir o alvo mas desmoraliza igualmente os propagadores de tão deprimente evento.
Ao observador atônito cabe a tentativa de buscar um pouco de ordem na reflexão; para onde leva a guerrilha partidária de "no holds barred"(1) que se apossou da arena política? O custo parece ser alto, pois a desmoralização do homem fere a dignidade da presidência e avilta a própria democracia.
Dificilmente os futuros presidentes escaparão da desmoralização do cargo, conseguirão restabelecer a dignidade da função face à uma realidade mediática cada vez mais invasiva, derrubando as fronteiras erigidas pela prudência. Para o bem comum, nem tudo deve ser dito. Vale lembrar o ditado que reza: "L'hypocrisie est l'hommage que le vice rend à la vertue" ou seja, o escancaramento mediático valida e autoriza o vício mediante sua banalização enquanto a hipocrisia reconhece o dano que causa a falta ao importar-se com o recato.
Longe de ser um debate teórico, a atual anomia moral que paira sobre o governo Trump alia-se à impulsividade do ser imperioso e a ignorância que lhe nega a reflexão. Suas atitudes impensadas aliadas ao recrutamento de auxiliares de categoria inferior colocam os Estados Unidos em rota de colisão econômica e militar com a China e seus aliados. Neste clima de crescente tensão bastará uma chispa inesperada e indesejada para resultar em conflito.
Chega-se, emfim, ao tema deste artigo. Terá a conformação do membro masculino importância na sua configuração psicológica. Talvez. Mas o passar dos anos nos ensina que conhecer os fantasmas que habitam o subconsciente de um presidente é coisa séria demais para ser ignorada. Em era nuclear, onde o destino do planeta é ameaçado, todo cuidado é pouco.
1. Vale tudo
sábado, 15 de setembro de 2018
Redesenhando os inimigos
Nuvens negras se
acumulam e os Estados Unidos podem evitá-las.
300.000 soldados russos
e 60.000 militares chineses encontram-se nos confins da Ásia, onde a
Rússia e a China fazem fronteira.Estes exercícios militares, os
maiores já vistos desde o término da guerra fria, incluem tanques,
aeronaves, e demais apretrechos bélicos.
A mensagem parece
clara: ”não interfiram em nossa
segurança, ou haverá guerra!”
Já faz muito tempo,
enquanto Gorbachov desmontava o colosso Soviética, surgiu
um clima de paz entre as duas grandes potencias, a
União Soviética e os Estados Unidos da America. Promessas
foram trocadas e a paz anunciada. Enquanto
os exércitos do Pacto de Varsóvia eram desmobilizados e Moscou
se retirava dos países do Leste Europeu, os Estados Unidos,
por intermédio de seu Secretario de Estado, James
Baker, dava ao líder russo a garantia a
desmobilização da OTAN.
Enquanto
persistia a paridade de forças, fáceis
eram as juras de amor. Deu-se a substituição democrática de
Gorbachov por Boris Yeltsin. Simultaneamente,
desmontava-se a União Soviética, e sua
sucessora, a Rússia, abria mão de
seus mensos territórios conquistados à
época dos Tsares. Foram-se o imenso Cazaquestão e os demais “Stãos”. Foram-se a Georgia, a Armênia e
o Azerbaião.
Nos primeiros
momentos a política adotada por Washington rendeu importantes
frutos. Co-optou a gratidão das nações do Leste Europeu,
aproximou-se das recém independizadas repúblicas ex soviéticas, e,
sobre tudo, passou a exercer forte e direta influência sobre o
próprio presidente russo, Boris Yeltsin.
Cenas de explícita simpatia, entre Bill
Clinton e Boris Yeltsin, percorreram todas as mídias do planeta.
Assim,
as negociações que se iniciaram com
interlocutores de poder equivalente
tornou-se, em pouco tempo, um diálogo
entre poderes desiguais. A
partir de 1991, face ao hegemônico Estados
Unidos a Rússia perdia seu poder, tanto
militar quanto econômico. A transição de
uma economia comunista para capitalista, instalada por Boris Yeltsin,
causou, à época, o colapso de sua economia.
A partir deste
desequilíbrio de forças houve fundamental
mudança nos objetivos que orientavam os Estados
Unidos. Estes, incólumes em
seu poder, confrontou-se com uma Rússia
exaurida. Deixara de ser uma ameaça, tornando-se
uma presa fácil. O diálogo deixara de ser
entre potencias, mas sim entre o poderoso e o débil
interlocutor.
De imediato, manteve-se
a OTAN, cooptando-se novos parceiros
componentes da Europa Oriental; seguindo-se sua expansão
até o limite das fronteiras russas e de
estados tampão que protegiam a Rússia..
Não mais era tempo de concessões mas sim de imposições. Neste
momento os Estados Unidos passaram a priorizar, não mais uma relação
baseada na interlocução pacificadora e
integradora, mas sim na subordinação
de Moscou aos seus interesses de curto
prazo. Abandonou-se uma política de paz duradoura.
Ainda
no governo Yeltsin, a boa vontade mutua foi desfeita pelo ataque à
Sérvia, centenária aliada de Moscou, visando a independência do
Cosovo, até hoje contestada e incompreendida. Ainda, a interferência de Washington na rebelião
interna da Chechênia, parte do território russo, levou Yeltsin a afastar-se de Clinton. Já
no governo de Vladimir Putin, a situação degradou-se coma
interferência americana na Georgia e na Urânia, pretendendo
“otanizar” estes países limítrofes. Inevitavelmente, levou à
queda das boas relações.
Já
no continente asiático, o quadro geo-político revela crescente
hostilidade entre os Estados Unidos e a China. Neste contexto
torna-se importante, senão crucial, a captura diplomática da
Rússia, seja por Washington seja por Pequim. Quem com a Rússia se
aliar terá por prêmio a inquestionável preponderância nuclear e o
benefício geográfico-estratégico graças à incomparável extensão
de seu território Ainda, a permitir-se por omissão a consolidação da aliança
russo-chinesa a soma dos dois exércitos ampliaria exponencialmente o poder e influência geo-politica do
recém-formado bloco.
Tal
reformatação no poder entre os dois blocos principais aumenta a
probabilidade de conflitos regionais que caracterizaram as “proxy
wars”(¹) tão frequentes na Guerra Fria. Mas este cenário pode
ser evitado. Ainda há tempo para Washington rever e abandonar sua
política de confrontação com Moscou.
Contrariamente
à China, a Rússia não é uma ameça à segurança nacional
americana, nem tem condições de rivalizar os interesses econômicos
e políticos de Washington. Esta afirmação baseia-se na disparidade
de forças entre os dois países. A Rússia de hoje é pobre(²) e de
pequena população(³). Sua capacidade de defesa contra o colosso
americano restringe-se à retaliação nuclear. Por ser opção de
mútua destruição, pode ela ser descartada.
Havendo
reaproximação entre estas duas capitais reverter-se-ia o perigoso
quadro atual, afastando-se o urso russo da rivalidade que se acentua entre a águia americana e o dragão chinês.
(1) Gerra por procuração
(2) PIB aproximado ao do Brasil
(3) Apenas 145 milhões de habitantes
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
A associação da Embraer com a Boeing
Este Blog tem o prazer de publicar colaboração do Dr. Joaquim Francisco de Carvalho com observações relevantes sobre a pretendida associação da Embraer com a Boeing.
A associação da Embraer com a Boeing, mediante a
criação de uma joint venture em que a
segunda detém 80% do controle acionário, foi objeto de copioso noticiário orquestrado
em tom de propaganda, onde o negócio aparecia como altamente vantajoso para a
Embraer.
Para estear a propaganda, citava-se a associação da
canadense Bombardier com a Airbus, esquecendo que o grupo europeu assumiu não
mais do que 50,1% do controle da sociedade e que o objetivo deste acordo é o de
ampliar o acesso das duas empresas ao mercado de jatos de médio porte (100 a 200
passageiros). Os aviões continuarão a ser produzidos no Canadá (fuselagem e cockpit) e na Irlanda do Norte (asas).
A Embraer foi criada em 1.969 por engenheiros
oriundos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que tinha sido criado
em 1950, em São José dos Campos.
Esta origem e a proximidade geográfica favoreceram uma
estreita cooperação entre pesquisadores e engenheiros das duas instituições, estimulando
o desenvolvimento da tecnologia nacional nos campos da ciência dos materiais,
eletrônica de instrumentação e controle, mecânica fina e de precisão, etc.
Na estruturação desse importante complexo
industrial, foi decisiva a participação do Estado, com sua capacidade de
investimento e compra de equipamentos e, principalmente, sua liberdade para
reinvestir parte dos lucros na transferência e adaptação de tecnologias
provenientes de países desenvolvidos, bem como na formação de engenheiros,
técnicos e operários especializados.
Foi assim que se consolidou no Brasil uma importante
indústria de equipamentos eletromecânicos, criaram-se pequenas e médias
indústrias e formaram-se milhares de engenheiros e técnicos altamente
qualificados, não apenas no campo da construção de aeronaves, mas também em
diversos segmentos industriais, em áreas como construção mecânica, equipamentos
elétricos, mecânica fina e eletrônica de instrumentação e controle. As
indústrias de autopeças e de máquinas-ferramentas, entre outras, progrediram
muito no Brasil, graças a tecnologias desenvolvidas no ITA e na Embraer.
O ativo intangível representado pelo know-how acumulado nessa espécie de “Vale
do Silício” não foi contemplado na associação com a Boeing – e esta não assume nenhum compromisso de manter no Brasil as atividades de
pesquisa/desenvolvimento aqui desenvolvidas.
A Boeing concentra nos Estados Unidos toda a
fabricação de seus aviões. É pouco provável que a joint venture por ela controlada tenha interesse por contratar serviços
com firmas de engenharia brasileiras, muito menos por adquirir componentes
fabricados no Brasil, de modo que, de certeza,
serão extintas muitas empresas-satélites da Embraer, perdendo-se assim milhares
de postos de trabalho qualificado, exatamente
como vem acontecendo com as empresas de energia elétrica, que começaram a ser
vendidas para grupos estrangeiros durante o governo FHC. E por aí vai-se
desindustrializando o Brasil.
sexta-feira, 7 de setembro de 2018
Eleições e contradições
Nunca,
na história moderna deste país, candidatos tão pouco respeitados e
admirados compõem o quadro eleitoral. Na análise individual, a soma
das suas qualidades é, não raro, suplantada pela de seus defeitos.
Ainda,
desde os idos de 1964, nunca o país esteve tão polarizado entre
esquerda e direita. O ódio surge do âmago de propostas ideológicas
conflitantes potencializando às palavras e estimulando a violência.
O inaceitável atentado contra a vida do deputado e candidato Jair
Bolsonaro comprova a supremacia da emoção sobre a razão.
O
colapso da ética no governo, da educação em massa, do respeito
orçamentário, das projeções previdenciárias, da estruturação
político-partidária, aponta para uma falência institucional cuja
correção de rumo parece exigir o esforço de diversas gerações.
O
ingênuo e ineficaz distributivismo tropical se confronta com a
lógica da pre-condição da poupança e do investimento que, por sua
vez, decorre da experiência invernal onde a frugalidade se impõe.
Observa-se
o profundo fosso que separa os que investem seu tempo na busca da
educação e aqueles que, por vezes pressionados por necessidades
básicas, buscam solução no imediatismo, assim abandonando as
oportunidades inserção econômica.
Agravando
um quadro já instável, tem-se a perda da supremacia católica, tão
presente na história brasileira, graças à fragmentação dos
cristãos dentre as mais diversas denominações. A rivalidade pela
captação das almas se dá pelo espiritualismo conservador católico,
de uma lado, e pelo impositivo materialismo calvinista. Mais uma
divisão na sociedade.
Esta
combinação de circunstâncias parece sugerir sérias dificuldades
na preservação da democracia no seu atual formato, com ambos os
lados do espectro político desejando o seu "salvador da
pátria". Busca-se no autoritarismo a solução.
Dando
substância ao pessimismo que se alastra, o Brasil enfrenta uma
expansão demográfica que ocorre nos segmentos de maior pobreza,
onde o baixo nível
educacional
reduz a produtividade da mão de obra nacional. No sentido inverso,
torna-se preocupante o "brain drain" que sofre o país,
onde crescente número de seus jovens da classe média migram para
terras mais promissoras.
No
campo econômico, a PEC 241 que limita, talvez excessivamente, as
despesas orçamentárias parece divergir das prática vitoriosa
adotadas por países desenvolvidos, como Estados Unidos e União
Europeia, no enfrentamento das recessões que assolaram estes
países. Enquanto lá amplia-se a base monetária, expandindo o
crédito, reduzindo os juros, chegando-se à subsídios explícitos
em áreas de influência sistêmica, já no Brasil aperta-se o fluxo
monetário, aumenta-se as taxas de juros, permite-se a criação de
oligopólios, concentra-se a atividade econômica. Em ambos os casos
expande-se a dívida pública.
Não
fora a atividade agrícola e sua contribuição para com as reservas
cambiais do país, e a consequente confiança que inspira, a taxa de
investimentos na economia brasileira seria ainda mais modesta. Por
resultado cai o investimento publico e privado, reduzindo o
potencial, tanto de produção quanto de emprego e consumo.
Como
corolário da "malaise" econômica, o governo busca
reforçar o erário mediante medidas pontuais, vendendo seus ativos
e seu futuro na bacia das almas. A venda da Embraer reflete não
apenas a desnacionalização de empresa bem sucedida, mas,
sobretudo, a venda de parte relevante de seu futuro tecnológico.
Na mesma linha observa-se o arrendamento da base de Alcântara,
outrora núcleo da engenharia espacial no passado, sufocado pelo
veto norte-americano. Na Embrapa, a politização de segmentos
administrativos vem minando a qualidade de sua exemplar atividade na
área agrícola. Desmonta-se, assim, a base tecnológica essencial à
modernização e competitividade do produto "made in Brasil".
Ainda,
a crescente pobreza causa a expansão da criminalidade observada em
todos os quadrantes da nação. A intervenção militar no Rio de
Janeeiro ainda não deu os frutos esperados. A insistência de
criminalizar drogas como a reconhecidamente inofensiva maconha,
alimenta o tráfico e a gestação contínua de novos contingentes
criminais.
Voltando
às eleições, fica a questão: qual o candidato mais apto a
enfrentar tamanho desafio? Se for ele de esquerda, onde as soluções
econômicas preferidas pelo destributivismo radical desafiam o bom
senso e a realidade, ter-se-á um agravamento do quadro atual.
Inversamente,
se o candidato vencedor da ala direita ignorar as exigências sociais
das classes desassistidas ainda vítimas de enorme déficit na
oferta dos serviços públicos essenciais tais como educação,
saúde, habitação, segurança e transporte, então poder-se-á
adiar para um longíquo futuro a redenção deste Brasil.
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