Talvez a mais difícil tarefa entregue
ao recém eleito presidente norte-americano é administrar o vespeiro
Oriente Próximo. Desconhecedor da sua história e cultura, confunde
nacionalidades e etnias, crenças e religiões, fronteiras e regiões,
ódios e alianças. Avesso à compreensão do cinza, busca no branco
e preto o caminho da solução. À este quadro mental une-se a
natureza impulsiva de Donald Trump melhor descrita no idiomático
“shoot from the hip”.(1)
Lançando-se em viagem à Arábia Saudita, buscou no reino Wahhabita, o mais radical dos reinos regionais e que originou a Al Qaeda, a consolidação de sua mais relevante aliança. Ao conferir
um empréstimo de 110 bilhões de dólares para aquisição de ainda mais
armamentos, permite ao Rei Salman a liderança sobre os estados sunitas da região.
Consolida-se, assim, o projeto há
pouco iniciado pelo jóvem Príncipe bin Salman, de transformar seu
país, de uma posição de satélite e súdito dos Estados Unidos para uma nação autônoma e determinante de seu próprio destino. Deixa de ser imperativa a convergência com a política norte-americana. O fará em consonância com os
seus antigos mentores, mas, se necessário, saberá privilegiar seus
interesses.
Ao romper relações e bloquear
economicamente o Catar, a Arábia Saudita revelou sua natureza autoritária, impositiva e
assertiva, agindo sem o benefício do diálogo e da negociação. Sem conceder a Doha qualquer pré-aviso, Riad determinou o bloqueio econômico do seu, há pouco, aliado. Declarou ser inaceitável o apoio do Emir catar, Halmad al-Thani, à Irmandade Muçulmana e à Al
Jazeera, agência de notícias estatal, por vezes crítica de seus vizinhos. Assim,
levou perigosa intranquilidade à Turquia, aliada dos Estados Unidos
na OTAN, e ao Irã, onde presidente moderado e favorável ao diálogo
com o Ocidente acaba de ser eleito.
Desprezando o fato do Catar ser, também, seu aliado e abrigar sua
maior base aérea na região, Trump deixou-se influenciar pelos
argumentos do Rei Salman, concedendo-lhe o beneplácito para ato
desagregador dentre seus aliados no Golfo Pérsico. Fragilizou uma importante aliança estratégica e tornou-se menos confiável.
Fortalece-se, assim, o poder de Riad mediante crescente capacidade
bélica e política. O consequente rompimento de equilíbrio de forças tem, ao longo da
história, aberto as portas ao conflito. Tendo em vista a vitriólica
retórica do reino sunita dirigida ao Irã e demais regiões sob
comando xiita, parece razoável esperar-se o agravamento das tensões
regionais, podendo chegar ao confronto armado contra o Irã.
Por absurdo que possa hoje parecer, a agravar-se o contencioso não seria impensável ver-se, num futuro próximo, uma aliança tácita, senão explicita, entre Israel e a Arábia Saudita, dentro do princípio semita de que inimigo de meu inimigo meu amigo é. A permissão de Riad ao sobrevoo de aviões israelenses abriria as portas a arrasador ataque aéreo às instalações militares no Irã, relegando à longínquo futuro qualquer projeto nuclear porventura projetado por Teerã. Difícil medir-se a extensão das mútuas retaliações ao deflagar-se tal incêndio.
Trump parece estar perdendo o controle
sobre os acontecimentos na mais perigosa região do planeta, onde
grassa o terrorismo. O cavalo Saudita parece ter tomado o freio em
seus dentes; ao cavaleiro (ou será cow-boy?), cuidado.
(1) Atire de primeira
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