segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


Fábula diplomática

Eram 10 horas da manhã, do dia 7 de outubro de 2013. Neste dia radioso,que só o Rio sabe nos brindar, o vôo 342 da American Airline pousou no nosso tristemente decadente Aeroporto Tom Jobim. Pamela Smith, excitada e radiante desceu a escada da aeronave, tropeçou no segundo degrau e pensou “Calma, Pam, não é hora de torcer o pé”. Levando sua mochila seguiu os intermináveis corredores que, por fim, a levava ao escrutínio da Polícia Federal.
- Passaporte, por favor
Pam, como toda menina de 16 anos procurou o documento, mergulhado no fundo de sua bolsa, misturado a um conjunto inacreditável de objetos díspares. Finalmente o  apresenta ao sisudo guardião de nossa fronteiras.
- Qual a finalidade da viagem? Você só tem 16 anos, é menor; onde está a autorização de viagem? Onde vai residir?
- Estou a passeio e vou morar na casa de minha tia, com autorização de meus pais. Está tudo escrito nesta carta.
- Mas a carta está em inglês, não serve. Acho que Você pretende ficar por aqui e, provavelmente, trabalhar ilegalmente. Não acredito em Você.

Pamela pouco entendia o inglês truncado do Agente Teixeira, mas compreendia que algo terrivelmente errado estava por acontecer. Porque não haveriam de acreditar no que dizia. Afinal tinha o visto em situação regular, e a carta explicava o resto. “Ai meu Deus, o que está acontecendo? Tenho que buscar ajuda. Tenho que chamar minha tia.”
O policial chama seu superior e explica o sucedido.
- É assim, Dr. Flávio, não me cheira nada bem.
- Concordo Teixeira. Ela vai para a “salinha” e lá ficará até ser encaminhada para a detenção em  São Cristóvão.  Ah, não esqueça o procedimento,  nada de telefonemas. Fica  incomunicável até a remoção.
- Certo, Dr Flávio
O Agente Teixeira encaminha Pamela para a “salinha” onde permanecerá com outros desafortunados até uma eventual liberação.
- Cuida desta aqui, Lorimundo, até a remoção. Nada de telefone, certo?

Depois de dois meses no Centro de Detenção, com direito a um telefonema quinzenal, limitado a cinco minutos, para a família, Pamela Smith foi finalmente libertada.  Dois policiais a escoltaram  diretamente ao Galeão, onde  o avião para o retorno da  deportada  já estava na pista.

Difícil de acreditar, não é... E com razão. Na vida real Pam pediria para  telefonar ao Consulado Americano, o que lhe seria concedido. Duas horas depois do susto estaria na casa da querida tia, feliz e aliviada. O Cônsul, satisfeito por ter cumprido seu dever ao proteger uma cidadã norte-americana, seria, posteriormente, elogiado pelo seu chefe. Para coroar seu êxito, dias depois recebia um envergonhado pedido de desculpas da Policia Federal. Final feliz

Já a estória real é bem outra. Aconteceu com uma moça chamada Verônica Silva, e não Pamela Smith. Verônica tem 16 anos, e ao chegar à Miami, com seu bom visto, sua cartinha em português e o endereço de sua tia mereceu a implacavelmente burra aplicação dos “procedimentos “, aqueles que ignoram transparência e respeito no trato humano, no cuidado com uma menina solitária. Sem telefonema permitido, rumou para a prisão (denominada de “abrigo”), só saindo depois de dois meses, de 1440 longas horas, para sua deportação.

Triste contraste. Onde estavam nossos excelentes diplomatas...como evitar tal mal trato a cidadã brasileira, menor de idade, sem que protesto formal e público mereça imediata divulgação.. .sem que uma ação do Chanceler junto ao embaixador americano ocorra... não exigindo explicação de como se pode prender sem crime... Tanta gente no Poder, podendo tão pouco.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013


A transformação norte-americana


A eleição de Obama, e sua recente reeleição, chama nossa atenção para as mudanças demográficas que ocorrem nos Estados Unidos. Expressiva maioria de latinos e asiáticos, aliados à 91% do eleitorado negro levaram à Casa Branca a antítese do poder WASP. Ainda, os jovens  de todas as raças viram em Obama um futuro mais sensível para com suas aspirações. Parecem, também, ter reconhecido os esforços de Obama para ampliar o acesso às universidades e a conseqüente mobilidade social.

De posse dessas informações, talvez caibam algumas especulações em torno do futuro próximo dos Estados Unidos da América do Norte. Pela segunda vez consecutiva, no período de quatro anos, o estamento WASP  foi incapaz de eleger seu presidente. E isto apesar da profunda crise econômica que ainda assola aquele país. A insistência dos republicanos, intimamente associados com a raça branca, ao defender o radicalismo social, isento de solidariedade política e fiscal, acentuou a clivagem que se torna, cada vez mais, ideológica e fracionária.

O surgimento do Tea Party com sua visão simplista onde o Estado deveria  tornar-se quase irrelevante, desaguou no distanciamento de interesses comuns necessários à amálgama de uma sociedade. Tal doutrina, que ignora o caráter social e solidário que cabe à nação moderna,  se implementada, teria mergulhado o país em profunda recessão. O corte do seguro de saúde amplo, a inexistência do auxilio desemprego, a erradicação do programa  de cupons alimentares teriam efeito devastador, tanto econômico como político e social. Contudo, não parece haver protesto quanto à generosidade dos subsídios, tanto agrícolas como industriais, que oneram, também, o erário.   

Nos últimos vinte anos o ganho real da classe média foi diminuto enquanto os 20% mais ricos hoje absorvem mais de 50% do acréscimo de riqueza anual gerada no país. Tal disparidade já vem se refletindo no acesso à educação superior e na conseqüente  perda de mobilidade social norte americana. Desmonta-se a teoria Republicana, onde todos tem a oportunidade de prosperar, basta querer estudar e trabalhar. Ora o estudo inferior leva ao emprego inferior assim gerando o circulo vicioso da desagregação da unidade nacional.

A observação da evolução da economia norte americana revela que a progressão do país depende de uma classe média, em processo de crescente prosperidade, através de política fiscal equitativa. Os avanços decorrentes da eliminação dos grandes gargalos, graças em boa parte aos “robber barons” do Século XIX,  num país que buscava a autonomia e pujança industrial concentrada em poucos, não mais se justifica. É hoje um culto post medieval, defendido pela post aristocracia. Pelo contrário, é e será o motor do Consumo, embasado na crescente classe média, que trará o melhor benefício àquela  nação americana.

O governo Obama pretende reverter esta tendência, mas encontrará no partido opositor tenaz resistência. O Partido Democrata defende cautelosa redução de gastos acompanhada de aumento de imposto restrito às camadas mais favorecidas, na busca da redução do mega-déficit. Já o Sr Boehner, líder dos Republicanos na Câmara dos Deputados, derrotado no embate do Precipício Fiscal, insiste na redução de despesas, centrado naquelas de teor social enquanto rejeita qualquer redução das ciclópicas despesas em armamento e subsídios.  Neste engessamento ideológico o país se aproxima de novo obstáculo fiscal, a elevação do teto de endividamento dos Estados Unidos.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013


Mais uma guerra

Desta vez é a França. Num súbito impulso neo-colonialista, François Hollande, decide intervir no Mali. Trata-se de um país artificial, gerado pelos interesses coloniais franceses no Século XX, onde a metade Norte, composta de Árabes, se defronta com a metade Sul habitada por negros.





REPÚBLICA DO MALI


  
À primeira vista a intervenção parece razoável. Afinal, os Tuaregs e seus companheiros islamitas radicais resolveram tomar conta daquele país semi-desértico, impondo as práticas intolerantes dos Salafitas. Tentam derrubar um governo negro, pró Ocidental, não muito democrático, liderado por um general que depôs, manu militari, seu antecessor. Colocam em risco as relações comerciais, que incluem a exportação de ouro e urânio,  que fluem para a França.

Ainda, a intervenção militar francesa recebeu o apoio de todos (quase) líderes políticos franceses. A extremada Le Pen, os direitistas Fillon e Coppé deram ao socialista François Hollande apoio integral. Rara união.

Porém qual será o preço? Terá Paris avaliado bem a duração e extensão do conflito que se inicia? Esperamos que sim, porém os fantasmas Iraquianos, Afegãos e Líbios (outra aventura começada pela França de Sarkozy)  rondam os planos mais bem concebidos, os prognósticos mais otimistas.

Dominique de Villepin, talvez o mais sábio e ignorado líder francês, levanta dúvidas, alerta para as armadilhas que esperam seus conterrâneos. Quantos homens, quanto tempo e quanto capital serão tragados nesta missão, em momento de clara fragilidade para o erário Gaulês. A recente história nos mostra que intervenções armadas estrangeiras em nações independentes, mesmo após a vitória declarada, raramente atingem a paz a que se propõem.

De qualquer forma, vamos torcer para que dê certo. 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Venezuela

Não estou dentre os admiradores de Hugo Chaves. Trata-se de um novo tipo de ditador, que consegue driblar as definições de democracia sem exclui-la. Exerce a ditadura da maioria. Assim, beneficia-se de conceitos incompletos que definem uma democracia onde, se aperfeiçoada no futuro, deverá conter clausulas impositivas de expressão minoritária. Mas este é assunto longo e complexo que aqui não cabe.

Mais ainda, a influência que seu pensamento Bolivariano exerce sobre núcleos políticos no Brasil e Argentina é de difícil compreensão. A disparidade demográfica, econômica, histórica entre a Venezuela e os dois gigantes do Cone Sul em nada nos aproxima das fórmulas políticas engendradas pelo Coronel paraquedista.

Resta, portanto, a indagação quanto a  inconveniente aproximação excessiva de nosso estamento político aos destinos venezuelanos. Se, por uma lado é de nosso interesse a aproximação econômica com nosso vizinho do Norte, tal se aplica àquele país, e não pode ser restrito ao governante de plantão. Nossas relações internacionais devem visar a perenidade dos interesses mútuos, e jamais ficarem refém do atual, e portanto temporário benefício que depende do atual presidente.

Se o envio de representante do governo Dilma à Havana foi audacioso porém aceitável, tornou-se impróprio ao envolver-se o Professor Garcia em matéria constitucional de país que não é o seu. Falou demais e mal, pois tratou-se de ingerência em assuntos que extravasam o interesse nacional. Repito, as portas do diálogo construtivo com a Venezuela devem manter-se abertas, tanto com o atual como também com o futuro governo daquele país, seja ele situacionista seja ele de oposição.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Nossos Heróis

Um excelente filme norte americano, Lincoln, deverá chegar às telas em breve. São muitos os filmes estrangeiros que já vimos, elevando reis e rainhas, aventureiros e generais, cientistas e artistas à condição de heróis de suas pátrias. No entanto, nossa realidade parece ser bem outra; talvez exista no imaginário brasileiro a propensão a diminuir os nossos grandes homens. Não esqueço os bons filmes sobre Heitor Villa-Lobos e os irmãos Villas-Bôas, porém, no geral estamos mais para Macunaima...

Como personagem notável para filme histórico e de ação temos nosso D Pedro I. O primeiro imperador é visto, com razão, como mulherengo malcriado, pouco acima de moleque. Contudo, dar independência a esta nação-continente no lombo de cavalo e burro, no convés de barco a vela, supera qualquer empreitada semelhante em todas as Américas. Vale lembrar que em 1822 o Brasil era, de longe, o maior pais do Mundo Novo, superando, em muito, os Estados Unidos. Uma vida cheia de "suspense". Seu fim heroico na conquista do trono de Portugal, encontra poucos paralelos nas muitas biografias encampadas por Hollywood!

Outro personagem, mais "cabeça" seria o segundo Imperador.  D Pedro II, ridicularizado como sendo um filósofo distanciado da realidade; no entanto deu ao país o sentido de moralidade pública e de modernidade, tanto no respeito probo à democracia constitucional quanto à adoção das novas tecnologias de transporte e comunicação. Lutou, dentro dos limites da paz civil,  pela liberdade dos escravos toda sua vida, tolhido que foi pela dura oposição do parlamento, dominado pela elite rural. Deu estofo ao país em guerra, onde as perdas de vida, 37% do exercito nacional, ilustrou a imensidão do esforço, enfim vitorioso. Teve romances discretos, o que apimenta a história. Expulso do país, morre com dívidas, de tristeza pelo seu amado Brasil. Termina seus dias em Paris, onde o republicano governo francês lhe concede excepcionais honras militares. Belo conto...

E assim vamos, história afora, com grandes homens como José Bonifácio, Caxias, o Marechal Rondon, Carlos Chagas, Oswaldo Cruz, Mario de Andrade, Cândido Portinari e inúmeros outros, todos com vidas desafiadoras, cheias de altos e baixos, matéria prima para o bom cinema.

Que nossos cineastas nos escutem.  Vamos torcer!

   

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O impasse do Fiscal Cliff

Muito reclamamos de nossos parlamentares, e com razão; porém observamos no parlamento norte americano a irresponsabilidade chegar aos píncaros. O embate ideológico que se trava em Washington subverteu a melhor das qualidades daquela nação: o Pragmatismo. Do alto de suas fortalezas partidárias, Republicanos e Democratas  abandonam o que mais é necessário neste momento, o bipartidarismo essencial para retomar o rumo da recuperação econômica da nação.

Ou será este impasse um sintoma inicial da fratura demográfica e étnica que paulatinamente, porém inexoravelmente, se constata nos Estados Unidos. Fica uma pergunta: fosse Obama da raça branca, enfrentaria ele a constante e irredutível oposição do partido Republicano?