terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Morte e Destruição


                                                                Os cavaleiros do Apocalipse

Me parece haver exagero ao prever a capacidade da Russia em levar a guerra além das fronteiras ucranianas. Pelo contrário, uma das revelações surpreendentes trazidas por este conflito é, justamente, a capacidade militar limitada de Moscou. A nova Russia, ex União Soviética, é uma pálida imagem do que foi o poderio militar soviético. 

Ainda que os comentários de muitos analistas internacionais retratem a Russia como expansionista, nota-se que após o colapso da União Soviética o governo russo mudou sua postura, abrindo as portas ao diálogo com as potências Ocidentais. 

Relevante lembrar as estreitas relações entre o primeiro presidente da "nova" Rússia, Boris Yeltsin, com o presidente norte-americano, Bill Clinton. A seguir, os presidentes sucessores mostraram-se comedidos; Medvedev manteve boas relações e Putin, em sua primeira fase, chegou a oferecer aos Estados Unidos o uso de bases militares em seu território. 

Este clima positivo nas relações entre Washington e Moscou foi revertido ao tentar Washington se imiscuir na repressão de Moscou à rebelião Chechênia. Mais adiante, o conflito de interesses entre as duas nações se acentuou quando da intervenção de Moscou na revolução Síria em apoio ao seu governo, entrando em choque com os Estados Unidos e seus aliados rebeldes. 

O atual conflito teve sua gênese na pretendida expansão da OTAN, visando a inclusão da Ucrânia no pacto anti Rússia. Citando o notável analista internacional, Henry Kissinger, tal ato traria um "clear and present danger" para a Russia. A seu ver, Washington não deveria promover tal avanço por levar Moscou à imprevisível reação. 

E assim aconteceu. Ainda que justificada ao opor-se à esta iniciativa, errou Moscou ao abandonar as negociações e invadir seu vizinho.

Hoje, tem-se a Ucrânia recebendo contínua e bilionária ajuda militar dos Estados Unidos, em clara estratégia visando esgotar a capacidade bélica de Moscou e. simultaneamente, enfraquecer internamente a base política de Putin. Contudo, ao prolongar o conflito, Washington não parece levar em conta a contínua e crescente destruição, humana e material, à que está submetida sua aliada. 

O prolongamento da guerra poderá levar ambos os lados à exaustão política e militar, onde uma paz negociada se torne a melhor solução. Já se observa declarações de alguns países europeus, estes pressionados pelos efeitos negativos sobre suas economias, defendendo a busca de um armistício. À estes juntam-se a China, India e Brasil.

Outro cenário seria o crescente perigo que envolve a continuação dos combates, o qual, seguindo a lógica da guerra, sabe-se como começa, mas não como acaba. São inúmeras as variáveis que podem contribuir para uma escalada, tanto tática quanto estratégica. 

Uma iminente derrota de Kiev poderá trazer explícita intervenção Ocidental, onde suas tropas trariam a globalização ao combate; inversamente, a ameaça à integridade territorial da Russia, devendo-se nela incluir a Criméia, poderá nuclearizar a sua resposta. 

O mundo, neste momento já enfrenta uma borrasca econômica, onde a contribuição negativa da guerra é inegável. A persistir no atual rumo, abrem-se os portões à endêmica incerteza, tanto política quanto econômica.

Mais uma vez a diplomacia tem seu lugar, mediante a cooptação, tanto das  nações individuais quanto no foro das Nações Unidas, em busca da razão perdida. 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Risco Nuclear





A guerra iniciada por Wladimir Putin desafia as previsões iniciais, onde o colosso Russo submeteria a  Ucrânia à sua vontade. Pois não aconteceu. Pelo contrário, o ímpeto inicial dos blindados russos, chegando às portas de Kiev, foi contido pelos ucranianos, transformando o que pretendia ser uma vitoriosa blitz-krieg em derrocada. As longas colunas dos tanques invasores não só foram contidas mas foram rechaçadas  e, em grande parte, destruídas.

Assim desfez-se o plano de Putin, onde um ataque vitorioso sobre a Ucrânia resultaria em submissão do governo derrotado e, por consequência, eliminando a possibilidade de ter a OTAN em suas fronteiras.  

A partir de então, as forças de Kiev passaram à ofensiva, a qual persiste até este momento, onde as tropas russas retrocedem face ao sofisticado armamento recebido dos Estados Unidos e Europa. Revelando a perda de iniciativa no campo de batalha bem como a crescente ameaça de ceder parte substancial de território até agora sob seu domínio,  Moscou tentou, sem sucesso, negociar uma trégua visando uma paz negociada.

Porém sua proposta não teve écho. Zelenski, passando de cômico de televisão à herói da pátria agredida, insiste em manter o impulso ofensivo de suas tropas. Conquanto França e Alemanha, líderes incontestes da União Europeia, apoiam a suspensão do conflito, já Washington vê na continuidade da guerra a vantagem no desgaste militar, político e econômico da Russia. Assim, mantém um continuo fluxo de armas altamente sofisticadas, permitindo ao exército Ucraniano o domínio no campo de batalha. O desgaste russo, tanto político quanto bélico, é inegável.

Revelando insuspeita fraqueza tanto estratégica quanto tática quando de sua ofensiva inicial, o exército russo não soube neutralizar e conter as forças inimigas. A continuar o conflito, onde as tropas ucranianas, generosamente abastecidas pelas potências Ocidentais, representam constante ameaça às fronteiras russas, necessário será prever-se qual a direção e intensidade da resposta do Kremlin. 

Os efeitos políticos e psicológicos da hipótese de ameaça ao território russo podem  provocar na sua liderança decisões impulsivas e emotivas. Hipóteses radicais, tanto políticas quanto militares, não devem ser descartadas. A ser contida e revertida a atual ofensiva das tropas russas, duas hipóteses afloram.  Tanto a deposição de Putin com a ascensão de novo governo pacificador, quanto, inversamente, o uso de armas táticas nucleares para conter e derrotar as armas ucranianas tornam-se possíveis. 

No caso da última hipótese, não deveria ser descartada a retaliação simétrica dos Estados Unidos, assim aumentando exponencialmente o risco de uma guerra nuclear.  A partir de tal fato, Europa e China poderiam ver-se forçadas a ações, defensivas ou ofensivas,  atreladas às suas alianças, assim alastrando um conflito que não deveria ter existido. 

Como reflexão sobre os fatos recente, tanto a estratégia de cooptação da Ucrânia pela OTAN, impulsionada por Washington como elemento de extrema pressão sobre a capacidade defensiva da Russia¹, quanto a invasão do  território ucraniano pela Russia podem levar o mundo às portas da guerra Nuclear.


1) Vide artigos de Henry Kissinger sobre a matéria.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Um Novo Lula?

 



Lula retorna ao cenário político nacional com surpreendente apetite. Tal qual um Gargantua¹, vem devorando conceitos de vies estremado e, como impõem os organismos, os devolve em insalubres frases de efeito, tal como "Na eleição, os Ricos perderam."

A frase, não só é incorreta, mas, pior, tem o cheiro podre de guerra de Classes, um estímulo ao ódio azedo e irracional além de vilipendiar justamente a classe que mais gera empregos e contribui para a prosperidade do país. 

É incorreta pois a vitória de Lula se deu, não pela a inegável fidelidade dos partidos de esquerda, mas, também, graças ao importante contingente da classa média, e alguns ricos cuja contribuição  certamente superou os 1,5% que derrotaram Bolsonaro.

É fato que um aperfeiçoamento fiscal, visando a supressão de alguns "loop-holes", bem poderia merecer mais atenção do que hoje se verifica. Porém, para corrigir desvios o melhor caminho é o racional, buscando na transparência da realidade fiscal e dos privilégios contrários à equidade arrecadadora o rationale para uma correção de rumo e uma equidade republicana.

Ainda, os arroubos presidenciais chocam o bom senso, revelando um Lula impulsivo às custas da racionalidade que deve embasar a presidência de um país. Sua crítica ao Banco Central não tem cabimento; primeiro por razão técnica pois os juros contra os quais deblatera não são de 13,75% mas, sim, entorno de 7% uma vez descontada a inflação. Ainda, Lula, em sua ânsia demagógica, esquece que é o Banco Central, em sua missão anti-inflacionária beneficia os pobres, por serem eles as maiores vítimas quando da escalada dos preços.

Outra iniciativa de Lula que desafia a compreensão, é a nomeação de Dilma Rousseff para presidir o banco dos BRICS. Jejuna em habilidade e experiência bancária, e, ainda, não se destacando no campo das comunicações, Dilma estará destinada a constantes "faux pas", assim ferindo a credibilidade da instituição sob suas ordens e do Brazil que a indicou.    

Lula ainda goza de simpatia no ambiente nacional; pode retomar a racionalidade de seu primeiro mandato,  porém, a persistir nos gestos carentes de razoabilidade, verá seu apoio em forte queda, deixando-o com o PT e similares ideológicos, tornando-se uma minguante bancada.  Justo supor-se que cresce a importância do Congresso como filtro.

Parafraseando o notável Talleyrand a respeito dos Bourbons quando de sua volta ao Trono Francês: "ils n'ont rien oublié, et rien appris", assim renasce o novo Lula: nada esqueceu, nada apreendeu. Espero estar errado.


1) "Gargantua", de François Rabelais, 1534

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Tempos Inquietos

 




"Since the Cold War, however, the United States’ military frontier has advanced much farther eastward. Regardless of how Russia’s brutal war in Ukraine ends, the United States has committed itself to sustaining a robust military presence on Russia’s doorstep. If alive today, Kennan would note the danger of cornering the Russians to the point where they might lash out. He would also gesture toward the United States’ multiple problems at home and wonder how this exposed presence in Eastern Europe accorded with the long-term foreign and domestic interests of the American people."

Foreign Affairs

By 

January 27, 2023



O texto acima aborda o perigo que deriva do atual conflito entre Russia e Ucrânia, citando as preocupações de George Kennan, extraordinário diplomata norte-americano e expert em assuntos envolvendo as relações de seu país com a então União Soviética. 

Importante notar, que este notável analista internacional, foi o primeiro a alertar o Presidente Eisenhower sobre o crescente perigo que a União Soviética trazia ao Ocidente, propugnando uma politica de  contenção vis-avis a expansão comunista. Porém, anos depois, voltava a alertar Washington para o perigo da expansão da OTAN em direção às fronteiras russas.

Sessenta anos transcorridos, em novo capítulo, se repete a antiga ameaça, o avanço das fronteiras da OTAN buscando a cooptação da Ucrânia.

Já falecido, Kennan não mais opina, porém tem-se por substituto o notável Henry Kissinger, profundo conhecedor das tensões e limites no jogo geopolítico.   Repete ele a advertência de seu antecessor, desaconselhando as políticas expansionistas de Washington e OTAN, alertando para o crescente perigo que tal estratégia encerra.

De volta  aos tempos atuais, em Setembro de 2021,Vladimir Putin perseguia junto à Washington, sem sucesso, garantias contra a cooptação da Ucrânia para a OTAN. Defendia a neutralização de Kiev,  seguindo os exemplos da Finlândia e da Suécia. Com a recusa norte-americana de respeitar o "status quo" da região, esta coluna, sob o título "Brinkmanship", previa a crescente probabilidade de violenta reação russa, lembrando quão imprudente seria encurralar um Urso¹.

Poucos meses depois, Putin, cai na armadilha habilmente urdida pelos Estados Unidos ao cometeu o sério erro político/militar de invadir a Ucrânia. Ainda,  confronta-se com inesperada resistência das tropas ucranianas, estas gradualmente reforçadas por armamentos de última geração provindos do  Ocidente. Cria-se, então, as condições para uma  imponderabilidade no campo político-estratégico da região, condição indutora de reações de parte a parte envolvendo crescente intensidade e violência. 

Assim, pode-se estimar que, caso as forças russas sejam rechaçadas na direção de suas fronteiras, deixando a integridade do território russo sob ameaça, pode-se prever uma revisão dos meios militares em uso no conflito.  Em consequência, ter-se-ia uma relevante reação das forças politicas e militares em Moscou, prenunciando mudança na estratégia e revisão dos riscos aceitáveis. Desde a escalada tático-nuclear nuclear no campo de batalha até, no âmbito político, a improvável substituição de Putin tornam-se possíveis, senão prováveis.

Neste quadro, relevante revisão estratégica não deve ser descartada, envolvendo, talvez, a entrada da Bielo Russia na guerra. Sua posição ao Norte da Ucrânia oferece importante vantagem estratégica, pois permitiria às tropas de Minsk o avanço na direção de Kiev e o consequente cerco das forças ucranianas hoje posicionadas ao Leste do país. Contudo, com o inverno chegando, a guerra de movimento se subordina às posições fixas a espera de melhores dias.

Já, do lado positivo, um aumento de intensidade do conflito poderá oferecer um ambiente  favorável à negociação de um armistício. A decisão ora cabe à Moscou e Washington.


1) O Urso simboliza a Russia