quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Brinkmanship¹




A tradição norte-americana ensina que seus presidentes Democratas tem sido os que mais envolveram o seu país em  guerras.   

Depois da derrota no Vietnam, não mais conquistou vitórias conclusivas; no Iraque, ganhou mais não levou. Hoje, Bagdad não mais obedece à Washington, seguindo seu próprio rumo, em cautelosa  sintonia com o Irã. 

Fracassou quando de sua intervenção na Síria, onde Washington se aliava à várias facções (a Al Qaeda dentre elas!). Neste embate o governo Assad, aliado à Rússia, prevaleceu. E, como último capítulo, deu-se a derrota no Afeganistão, onde inimigos medievais prevaleceram sobre o mais sofisticado exército do planeta.  

Apesar deste histórico, Biden persiste no diálogo ameaçador. Não busca a concórdia negociada entre parceiros,  mas sim um rol de exigências à inimigos, estes bem mais perigosos; no elenco vai-se à China, passando pela Rússia e chegando ao Irã. 

Contudo, Joe Biden hoje enfrenta um Mundo diferente daquele encontrado por seus antecessores mais distantes. O poder dos Estados Unidos, paradoxalmente,  diluiu-se a partir do colapso Soviético, centro de um império expansionista, abrindo espaço preenchido por novos players.

Hoje, tem-se um planeta dividido em quatro grandes blocos géo-politicos: no Ocidente, a America do Norte e a União Europeia; no Oriente, a Rússia² e a China.

O monopólio do Poder, não apenas Poder mas sim o Poder cataclísmico,  não mais pertence à apenas uma Nação. A plena compreensão desta constatação não mais permite o exercício do Poder Hegemônico, ao qual os Estados Unidos se acreditam ungidos. 

Nos dias de hoje, falar-se  em guerra torna-se cada vez mais arriscado. Washington, ao impor sanções e proferir ameaças, aumenta,  gradualmente, a temperatura bélica com estados providos de sofisticado e múltiplo arsenal nuclear.  

Estrategicamente  desequilibrados pelo crescimento econômico da China, por um lado, e pela da recusa da Rússia em submeter-se à expansão da OTAN no limite de suas fronteiras, os Estados Unidos caminham na direção de um contencioso que, se não bem dosado, poderá resultar em conflagração armada.           

A China, país com de um bilhão e meio de habitantes, não tem por opção senão a do desenvolvimento: empobrecer não é opção. Ou o standard de vida de seus habitantes dá um salto quantitativo ou se auto condena à um frágil e espoliada passado e no qual os Estados Unidos está presente. Não será realista supor-se a continuidade da submissão de outrora.

Ao Sul, sua integridade geográfica protegida pela imensidão dos oceanos, lhe permite a segurança contra incursões militares, contendo o risco à dimensão de escaramuças.  Quanto às suas fronteiras ao Norte, graças às boas relações com Moscou, estas não oferecem perigo.  

Porém, uma "linha vermelha", inegociável para Pequim, será  a permanência de Taiwan como "parte da China continental" ainda que sob um governo política e ideologicamente  diferente.   

Já, a  Rússia post Soviética, não mais tendo o antigo poder de conquista além fronteiras face ao duplo handicap que a limita, uma diminuta população (150 milhões) e uma imensidão geográfica a preservar (17,000.000 km²), segue ela a política que poderia chamar-se de Defesa Ativa. Antecipação e audácia são dois fatores prioritários na contenção dos Estados Unidos e da OTAN.

A retomada da Crimeia por Wladimir Putin após a interferência americana na Ucrânia, depondo o presidente pró Russia,  desfez a desastrada doação de Krushchev, cedendo a Crimeia à Ucrânia. Ainda, sua base militar na Síria que controla a aproximação ao Estreito dos Dardanelos, ilustra notável visão estratégica.    

Para o Kremlin, sua maior vulnerabilidade geográfica está nos dois Estados Tampão que hoje protegem, com tempo e espaço, sua fronteira ocidental; a Ucrânia e a  Bielo Rússia.  Assim, Moscou estabelece uma "linha vermelha", cruzá-la levará Moscou à resposta militar.

O elo mais fraco neste mosaico prece ser a União Europeia, que se confronta com uma progressiva perda de unicidade. A deserção da Grã Bretanha pelo Brexit revela um esgarçamento político com o "Continent", passando a compartilhar das prioridades dos "English Speaking People" comandados pelos Estados Unidos. 

Do outro lado do Canal da Mancha, não por acaso, as Chancelarias Alemã e Francesa já planejam a criação do exército Europeu, prenunciando uma alternativa à OTAN no seu atual formato. Um passo inicial na direção da plena autonomia quanto à política externa da UE.

Noutra dimensão, observa-se o gradual e crescente  distanciamento entre o Ocidente Europeu, onde Alemanha e França se destacam, e a Europa Oriental. tendo por protagonistas a Polônia e a Hungria. Diferenças se consolidam tanto no formato político quanto nas prioridades estratégicas. 

Por resultado tem-se uma União Europeia fragilizada na sua coesão política e fustigada pelo crescente conflito de interesse que o maniqueísmo USA-Rússia impõe. Sua estreita vinculação histórica aos Estados Unidos vem, paulatinamente, cedendo aos interesses econômicos que advém da China, onde está seu maior parceiro comercial, e da Rússia, de onde provêm sua maior fonte externa de energia.

Sem manter-se uma plena aliança com a União Europeia, os Estados Unidos terão sua liberdade de ação contida. A  possível neutralização do Velho Continente deixaria desprotegido o flanco norte-americano.

Tempos complicados; basta de Brinkmanship.


                                                            ----------------------------



1) Política feita à beira do precipício.

2) Cultura defensiva extremada por ser vulnerável do ponto de vista territorial (invasões sofridas: Mongol, Lituânia-Polônia, Tártaros,  Austríaca, Sueca, Francesa-Napoleônica, Anglo-Francesa, Alemã) 

1) Aos Democratas coube:  Woodrow Wilson, 1917 (Guerra Mundial I) --  Franklin Roosevelt, em 1941 (Guerra Mundial II). Esta foi a última guerra vitoriosa.

A partir desta data, e excetuando o curto conflito --  Harry Truman em 1950 (Coreia) --  John Kennedy em 1959 (Vietnam do Sul) -- Lyndon Johnson, 1965 (Vietnam do Norte).

Como exceção à regra, ao Republicano George W. Bush coube as guerras gêmeas do Iraque e do Afeganistão.  (1)

A operação punitiva ao Iraque em 1990 (George H. Bush), durou apenas 40 dias. O presidente iraquiano Saddam Hussein permaneceu no poder após o armistício.

Nenhum comentário: