sexta-feira, 20 de agosto de 2021

O debacle Afegão


O General Eisenhower já dizia: "Os Estados Unidos não devem se envolver em guerras terrestres na Ásia". O tempo tem dado razão ao velho General/Presidente. Voltando ao passado. os diversos conflitos no Oriente  não resultaram em vitória desde a guerra contra o Japão. Em todos os casos custaram, em vidas e dinheiro, muito além do esperado.

No conflito com os Japoneses, em três anos  41 mil militares americanos morreram e 145.000 foram feridos. Não fosse o uso de duas bombas atômicas, a perda de soldados  americanos teria ido muito além. A campanha na  Coréia resultou em empate após a entrada do Exército Chinês no conflito. No Viet Nam foi uma  derrota americana, com mais de 50.000 GI's mortos e 200.000 feridos. No Iraque, o que parecia ser um "passeio" custou a vida de 4000 soldados e dezenas de milhares feridos, tanto física quanto mentalmente,

Já a guerra no Afeganistão, perto de  3500 americanos morreram e 20.000 resultaram feridos. Já, seus aliados afegãos tiveram  mais de 60.000 mortos. Estima-se 50.000 Talibãs mortos. Além destas baixas humanas, custou aos Estados Unidos  mais de dois trilhões de dólares. 

Tivesse Washington, em 2001, usado uma modesta parcela deste enorme capital lastreando um  esforço diplomático junto às lideranças Talibãs, visando a expulsão, ou até mesmo a prisão de Bin Laden, qual teria sido o resultado?  Por outro lado, ao preferir o recurso ao ultimato, na presunção da eficácia de uma cirúrgica operação militar, deixou o Talibã sem opção política. Por consequência iniciou-se uma guerra que durou vinte anos com um país não longe da Idade da Pedra (excluindo-se os Kalashnikov). 

Por outro lado, não se pode desprezar o fato que o fanatismo esposado pelos Talibãs e a justa indignação dos Estados Unidos tornava difícil, senão impossível, chegar-se a um acordo racional.

E qual terá sido o resultado da mais longa  guerra empreendida pelos Estados Unidos? Se visto pelos olhos norte-americanos, estarão seus interesses naquela região mais protegidos hoje do que em 2001? A resposta parece ser negativa.  Uma análise post conflito sugere forte redução da influência de Washington na região, esta de considerável importância geopolítica. 

A perda de suas bases militares no Afeganistão reduz significativamente sua eficácia militar ao norte do Oceano Índico, abrindo as portas para uma aliança mais eficaz entre a China e o Paquistão, assim impondo à India, que oscila entre a neutralidade e o engajamento como Estados |Unidos, mais um fator de contenção. 

Ainda, se desfaz o obstáculo militar americano à um movimento político-militar da Rússia na direção Sul, influente que é na região dos "Stãos".¹ Aproxima, também, Moscou à Teerã e à Islambade, ambos seus antigos clientes na corrida armamentista e no sentimento antiamericano.

O Irã, além da perda de prestigio americano, ve-se livre da vizinhança de tropas americanas em sua fronteira Leste. Quanto aos perigos que a vitória Talibã lhe traria, este não parece ser excessivo, um vez qua sua população Xiita pouca empatia tem com os Talibã Sunitas. 

O Paquistão se vê livre da ingerência norte-americana  para aprofundar sua influência junto aos Talibãs, lhes permitindo melhor contrariar pretensões da India, sua inimiga, junto ao  governo de Cabul. Inversamente, à India a derrota norte-americana anula um aliado na região, reduzindo as vantagens antes vislumbradas.

A China vê-se entre dois dilemas. A proximidade de sua província do Xinjiang, de população muçulmana, corre o risco de contaminação do radicalismo religioso.. Porém, excluídos os americanos do Afeganistão, suas ações ativas ou passivas de contenção ou ação ganham mais liberdade. Maior cooperação econômica compensará boicotes esperados do campo Ocidental. 

A Rússia exulta com a saída norte-americana, pois livra seu "underbelly"¹ de uma presença incômoda, onde bases americana teriam grande importância estratégica. Por outro lado tal benefício de curto prazo não elimina o  perigo de ter um Islã fundamentalista infiltrando-se nas nações "tampão"¹ que lhe protege ao sul de suas fronteiras.  Porém, na soma algébrica de seus interesses, o saldo parece positivo. 

Mas como ficam os aliados da OTAN, muitos dos quais juntaram-se à empreitada norte-americana. Grã Bretanha, França, Alemanha e outros europeus? Qual o balanço humano, militar, político? Como agirão face à uma ocorrência militar futura  em que suas tropas sejam cooptadas sob o comando norte-americano?   

Resta a pergunta: as brasas que ainda ardem nas relações dos dois beligerantes poderão reacender-se? Até que ponto a instauração de um regime brutal não insuflará a indignação Ocidental? Afinal, o poder aéreo americano pode obliterar o inimigo, inviabilizar a  nação Pashtun. 

O "animus beligerandi" não  parece ter sido extirpado da atitude de Washington, ao vedar a transferências dos 10 bilhões de dólares em  reservas cambiais depositadas em seus bancos a pedido de Cabul? Resta, também, a repatriação dos "hospedes" de Guantanamo, etc...etc...  E como agirão no futuro aqueles estados periféricos que se aliam à grande potência ao risco de serem abandonados à própria sorte?

E assim continua o Xadrez internacional. Uma nova partida está para começar, onde os Estados Unidos perde importante peça uma vez que o Afeganistão também é uma das portas de acesso ao âmago da Euro-Ásia, a maior massa terrestre do planeta Terra. Abre o caminho à China, que através de sua Belt and Road, inicia a conquista do rico corredor que conecta a Europa, a Rússia (um continente per se) o Oriente Médio e a Ásia.

Este corredor terrestre inaugura uma alternativa para a outrora essencial rota marítima, onde as potências Ocidentais (vide Estados Unidos e Grã Bretanha) exerciam o seu domínio e estabelecia o pedágio econômico e militar para o acesso ao Oriente. Não mais, O jogo está mudando.  

(1) Uzbequistão, Quirguistão, Casaquistão, Turquemenistão, Tajiquistão. 










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