domingo, 20 de dezembro de 2020

Itamaraty sem rumo



A política externa brasileira  deve ter por base a expansão de sua influência política junto aos países cuja relevância afetam e favorecem os objetivos nacionais. Outro pilar será a promoção e ampliação dos mercados externos. Agregar valor à nossa pauta comercial, buscar expansão, continuidade e segurança resultam em crescente credibilidade e poder negocial. Ainda, a economia,  fortalecida por crescente cobertura cambial acentua a blindagem e credibilidade face aos parceiros internos e externos.

No entanto, em surpreendente contradição, o governo Bolsonaro, vem escolhendo rumos contrários à estes objetivos.  Tanto o Presidente quanto o Chanceler,  contrariando a opinião dos melhores quadros da  diplomacia, levam o  Brasil a diálogo dissonante com seus melhores clientes. 

Relações estressadas existem, hoje, com a China, nosso maior parceiro comercial, com o novo governo norte americano, o maior parceiro político do Brasil, com a União Europeia, nossa maior fonte de investimentos, e com a Argentina, peça chave no Mercosul, porta de entrada ao mercado Latino Americano. 

Em outras palavra, contrariando nossa história diplomática, põe-se  em risco simultâneo as  relações com as entidades líderes do planeta, graças à uma visão inexplicável emanada de teorias exóticas e confusas de Olavo de Carvalho e seus seguidores, onde, não raro, despontam a família Bolsonaro e seus aderentes. 

À esta visão global estreita, soma-se uma íntima, ainda que terminal,  parceria com o presidente Trump, onde a Nação se apequena ao viver uma relação que mais lembra o subordinado oferecendo-se ao chefe em troca de promessas vazias.  

Nada ganhou o Brasil pelos inúmeros benefícios que ofereceu nestes últimos dois anos ao colosso norte americano. Contrariou-se a tradicional política externa  brasileira, onde prevalecía a norma de reciprocidade no trato comercial e político,  em quadro de respeito mútuo. 

Foram muitas as concessões ao governo americano; a exclusão de visto para cidadãos americanos, a cessão da base em Alcântara, a importação de alimentos isenta de impostos, o afastamento da Organização Mundial do Comércio (em troca não cumprida de apoio junto à OCDE), a autorização da venda da Embraer, jóia tecnológica brasileira, à empresa Boeing (de triste resultado),  encabeçam extensa lista de onde nenhuma compensação fluiu do governo Trump. 

Nem mesmo obteve Bolsonaro a embaixada de Washington para seu filho Eduardo, segundo certas fontes,  negada sotto voce  pela chancelaria americana!

Agravando o quadro,  Brasília deixa-se atrair para uma disputa entre os Estados Unidos e a China, que não é  de seu interêsse. Privilegiar os interesses de Washington se justifica plenamente quando tais interesses sejam compatíveis com àqueles do Brasil, mas não quando os contrária.

Por pressão de Washington, o Brasil mostra-se propenso a não contratar o sistema 5G, assim abrindo mão de salto tecnológico crucial para sua infraestrutura de comunicação sem que obtenha qualquer compensação. A alegação norte americana de haver perigo de espionagem parece infantil, pois as técnicas de espionagem hoje existentes nas grandes potências, Estados Unidos e China incluidos, perfuram a seu bel prazer as barreiras que o Brasil possa levantar. Se ceder às pressões de Washington, o Brasil perderá um momento crucial de vantagem competitiva. 

Acresce que no campo financeiro, os investimentos chineses nestes últimos anos superam aqueles  provenientes da América do Norte. Ainda que incipiente, não deve ser desprezada  a participação no Banco de Desenvolvimento  dos Brics, fonte adicional de recursos para o Brasil.  

Ainda, o Itamaraty não ignora que, a persistir ou  se agravar as relações com a China, o que ora se observa, medidas retaliatórias poderão emergir. Vale observar as hostilidades comerciais ora em curso entre Pequim e Canberra. 

E last but not least tem-se o anedótico episódio onde o embaixador brasileiro  em Washington, Nestor Foster, ao prever a vitória eleitoral de Donald Trump (os votos contrários seriam fraudulentos e inválidos) recomendou ao Ministro Araújo e ao Presidente Bolsonaro  sustar qualquer cumprimento e reconhecimento ao vitorioso Joe Biden!

Somando-se a explícita intimidade com o presidente derrotado à manifesta antipatia que o presidente Bolsonaro dedica ao presidente-eleito norte americano, o Brasil se encontra no nadir de suas relações históricas  com as três mais importantes nações do planeta, os Estados Unidos da América, a União Europeia e a China.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Pandemia e Pandemônia

Ontem, Angela Merkel, Primeira Ministra da Alemanha, não se conteve ao conclamar seus concidadãos a adotar severo comportamento social afim de conter a pandemia. Face a tragédia em curso, revelando sua profunda empatia, não conteve lágrimas. 



Quase simultaneamente, Jair Bolsonaro, com alegre expressão, informa a Nação que "estamos no fim da pandemia. Ganhei!!" Ao fazê-lo, revela seu distanciamento das estatísticas que retratam a crescente ameaça à saúde de seu povo. Leva o assunto na risada, como se nada de grave houvesse.




"Ganhei"? Ganhou o que? Mais algumas milhares de mortes? O brasileiro assiste, neste momento trágico, um líder nacional que, em seu semblante alegre e despreocupado face às circunstâncias do momento, lembra indícios de sócio-patia. Sugere falta de empatia para com seus concidadãos atemorizados, hospitalizados, recém enterrados, insinua  complexa personalidade cuja compreensão dependa  de observador especializado.

Como se não bastasse, a Pandemonia junta-se à Pandemia. Num dia, em homenagem à ubíqua burocracia brasileira, seriam 60 dias para a liberaçãodas vacinas. No dia seguinte, o mesmo ministro da saúde (só lhe cabe letra minúscula) declara a liberação da vacina nos próximos dias. 

As idas e vindas, a reversão de decisões, as contradições, todas evidenciadas no que trata da vida ou morte de cidadãos brasileiros. Neste momento crucial revela-se o colapso do bom senso e da lógica na administração pública nacional.

De um lado, abnegados médicos, enfermeiros e auxiliares enfrentam, hora após hora, dias após dia, a morte de seus colegas e de pacientes. Do outro lado, a nação observa o jogo das ambições pessoais e eleitoreiras de uns e de outros subjugados pelo amor ao cargo e ao poder, anulando o sacrifício e abnegação destes novos heróis brasileiros.




domingo, 6 de dezembro de 2020

Responsabilidade legal



 Ao longo da pandemia que se alastra pelo país, onde 176.000 já faleceram, o brasileiro tem observado o repetido e insistente descaso do Presidente da República quanto à imperiosa necessidade de conter-se esta mortandade.

Desprezando as afirmações e recomendações de organizações internacionais e nacionais especializadas no trato da saúde pública, afastando os ministros da área específica por discordar de suas orientações profiláticas baseadas em observação e experiência científica, Jair Bolsonaro, privilegiando instinto sobre conhecimento, nega o perigo.   

A Constituição da República deixa  claro que assegurar a segurança interna do país é obrigação presidencial.. Dentre os conceitos que definem tal segurança, desponta, prioritariamente o Direito à Vida de seus cidadãos, e, como corolário, o direito à saúde. No momento atual, dada a extensão das perdas ocorridas e da ameaça sanitária decorrente do Covid 19, torna-se evidente que cabe à autoridade máxima da República envidar os esforços para sua contenção. Não fazê-lo, é crime. 

Tal esforço sanitário é observado pelas demais nações e organizações internacionais, onde o protocolo de distanciamento social e uso de máscaras, além da medicação específica, atinge comportamento consensual. Quando dele se afastam, certos governos são penalizados  com a retomada de altos índices de mortalidade. A"segunda onda" constatada mundo afora decorre de indisciplina sanitária, instando tais governos ao retorno aos procedimentos recomendados por instituições especializadas, tais como a  Organização Mundial da Saúde.    

Na contramão de governos estaduais e municipais, Jair Bolsonaro se manifesta oficialmente, por declarações em rede pública, contrário ao uso de máscara  (coisa de maricas), e defende, ao assim exibir-se em público, sua indiferença pelos perigos da aglomeração social. Desprotegido, dá ao cidadão o mau exemplo da autoridade máxima no país, o exemplo contrário à saúde e à vida. Estímula, assim, a propagação do virus, ameaçando a integridade vital do cidadão brasileiro.

Trata-se de Crime de Responsabilidade conforme consta do Código Penal.

O passo subsequente, para aqueles que prezam a Nação, seus entes próximos e queridos, deveria ser a instauração de denúncia cidadã contra o Presidente da República, por contrariar o Artigo 4 que rege o Crime de Responsabilidade, e, seu inciso 4 reza: "Atentar contra a Segurança Interna do País", onde se inclui a "defesa da Vida do cidadão", a qual só é possível com a preservação da Saúde.

Se guerra houvesse, caberia ao Ministério da Defesa e seus generais orientar a proteção do país.          Se epidemia há, cabe ao ministério da saúde e seus médicos combatê-la. Na derrota militar, substitui-se o general incompetente. Na realidade pandêmica, Bolsonaro substitui o Ministro Mandetta, responsável pelo rumo correto no combate ao vírus,  por um Pazuello incapaz de coordenar a defesa do país. 

Assim, o Ministério da Saúde, na prática, está acéfalo. Tal condição equivale a desproteger, voluntariamente,  a vida do cidadão brasileiro. As declarações de Bolsonaro, onde o Covid 19 não passa de  "uma gripezinha, onde "todo mundo morre, e daí?"e assim sucessivamente,  sugere  uma nítida ausência de empatia com consequências melhor exemplificadas em tratados psicológicos. Sob a ótica dos deveres de um primeiro mandatário é moral e legalmente inaceitável levar o povo brasileiro ao erro, tanto  quanto à atual gravidade sanitária e quanto à menosprezar a  imprescindível  obediência aos protocolos  de proteção. 



                                                             000000


Conforme estabelece o Código Penal brasileiro:

Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

I - A existência da União:

II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;

III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

IV - A segurança interna do país:

V - A probidade na administração;

VI - A lei orçamentária;

VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).


Constitui crime violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 17 da Constituição;

...e mais adiante:

§ 37 - É assegurado a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição dirigida aos Poderes Públicos, contra abusos de autoridades, e promover a responsabilidade delas.


"No entanto, o direito à vida vai além de simplesmente viver: é preciso uma vida digna, acesso a serviços de saúdeeducaçãosegurança e cultura, cabendo ao Estado garantir acesso de qualidade a esses e a outros bens e serviços que venha a prestar."