domingo, 16 de agosto de 2020

A temperatura aumenta

New Middle East railways map released by RAME UIC

Todo acordo que possa desarmar espíritos e atenuar tensões no Oriente Médio será sempre bem vindo pela comunidade internacional. Sob pressão (ou estímulo?) de Bill Clinton, um tratado de Paz foi celebrado entre Israel, de uma lado, e Egito e Jordânia do outro.  De fato, não mais houve guerra entre estas nações.

Hoje, foi a vez de Donald Trump,, artífice de acordo celebrado entre  Israel e os Emirados Árabes. Estes últimos, com o objetivo de atenuar o repúdio da população árabe face à  vilipendiada aproximação, buscou garantir a integridade do estado Palestino contra a anexação de suas terras por Israel.   Tal iniciativa mereceria aplausos desde que, efetivamente, desarmasse este contencioso.

Mas não foi isto que ocorreu; apoiado por Donald Trump, o primeiro ministro de Israel usou tática conhecida. Deixe o interlocutor se aprofundar na negociação e acreditar na aceitação de sua proposta para, nos momentos finais, retroceder. Confrontado com a mudança de posição, o Sheik Mahomad bin Zayed já se encontrava por demais  engajado com o presidente americano; retroceder seria embaraçoso e desmoralizante, criando hostilidade antes não existente. A contragosto aceitou a declaração de Netanyahu de ser o compromisso de respeitar a integridade Palestina apenas temporário, mantendo vivo o germe da discórdia entre os Semitas árabes e judeus.

Porém, perante a imprensa mundial, cercado de seus assessores o Presidente Trump não hesitou em declarar:

“This historic diplomatic breakthrough will advance peace in the Middle East region and is a testament to the bold diplomacy and vision of the three leaders and the courage of the United Arab Emirates and Israel to chart a new path that will unlock the great potential in the region,” ¹

A hipérbole presidencial parece infundada, tendo por objetivo  se auto-valorizar  Faz crer que a região torna-se pacificada quando uma análise isenta demonstra que nada mudou. Assim revela-se um acordo onde as razões de insatisfação prevalecem. A Palestina sob ameaça perene de desaparecer. Não é uma perspectiva pacificadora.

Contudo, o quadro que ora se cria é muito mais grave. Pode estender-se muito além destas fronteiras. Uma visão mais abrangente revela uma nova configuração e perigosa configuração geopolítica, trazendo à tona os ódios confessionais que tanto afligem a região. Uma análise sob o explícito, em busca do implícito, permite estimar-se que o acordo firmado, longe de tratar da questão Palestina visa, de fato, a contenção do Irã no Oriente Médio.

Assim, a razão indica que o acordo ora celebrado terá, em breve, a participação da Arábia Saudita e do Bahrein para, em inédita causa comum, amalgamar-se árabes-sunitas  e judeus. Razoável supor-se que a contensão do Irã pela mudança de seu regime venha a tornar-se prioridade. 

Já, as consequências geopolítica e militar que  derivam deste novo bloco de poder terá, possivelmente,  efeito desestabilizador no Oriente Médio, uma vez que nações antagônicas à estes objetivos venham a se resguardar do novo perigo. Do lado persa e de seu aliados pode-se esperar contramedidas, acentuando a probabilidade de escalada em lances recíprocos.

A concretizar-se tal cenário, outros países serão envolvidos neste contencioso.  A Turquia  não veria com agrado a formação deste novo bloco. Apesar de também ser majoritariamente Sunita, sua visão mais se apoia nos conceitos da Irmandade Muçulmana, movimento menos radical e mais político.  Sua extensa fronteira oriental e meridional com o Irã, Iraque e Síria seria fonte de sério desconforto em caso de acirramento dos ânimos. Hoje, as relações entre Ancara e Teerã são cordiais.

Quanto ao Iraque, país preponderantemente xiita, observa-se importante influência política e paramilitar iraniana disseminada através do país. Isto posto, Bagdá veria com preocupação a formação de tão poderoso bloco Sunita, potencialmente hostil, em suas fronteiras. A possível busca de proteção iraniana, irmãos de fé,  não deveria ser  descartada.

Porém os efeitos de tal conflito não se restringiriam, apenas, ao Oriente Médio. Tanto a Rússia quanto a China têm relevante interesse na atual integridade política do Irã. O primeiro, por situar-se o Irã no seu "under-belly"², fronteiriço aos "...estãos", membros da "área de colaboração" com a Rússia. A proximidade de forças hostis ao Kremlin às fronteiras de suas áreas de influência provavelmente provocaria sério desconforto.

Quanto aos interesses da China, o pleno acesso ao petróleo do Golfo Pérsico em geral, e ao Irã em particular, é essencial à sua sobrevivência, seja pela quantidade importada, seja pela diversificação de fontes de combustível. Qualquer tentativa de mudança de regime em Teerã, se colocado sob tutela norte americana, traria extrema preocupação a Pequim.

Toda atenção é pouca...


1) Entende-se que o um dos lideres homenageados seja ele próprio.
2) Parte vulnerável da Russia (o baixo estômago), composta pelos Afeganistão, Turquemenistão, Quirguistão, etc....

Um comentário:

cedro rosa musica disse...

Excelente! Academia Brasileira de Letras já!!!