sábado, 22 de dezembro de 2012


A arma e a cultura


Quantas são as razões para a matança em Sandy Hook? Porque  morreram 27 pessoas, dentre as quais 20 crianças? Quantos massacres similares ocorreram nos últimos 24 meses? E  quantos no futuro próximo? Estas e muitas outras perguntas nos assaltam,  ao observar como é possível a recorrência de atos tão brutais, com regularidade surpreendente, cometidos, na sua esmagadora maioria nos Estados Unidos e por cidadãos da raça branca.

É natural que a primeira reação se dirija contra a venda quase indiscriminada de armas que se observa nos Estados Unidos. Parece claro que o acesso a armas automáticas, sejam elas pistolas ou rifles aumentam exponencialmente a letalidade no seu uso. De forma bastante simplista, a mera limitação de vendas de armas ao revolver, contendo apenas 6 balas, e proibindo-se qualquer outro tipo, se adequaria à Constituição americana, reduzindo exponencialmente o numero de vitimas em massacres semelhantes. Mas este seria um debate entre políticos e a National Rifle Association, sendo que o poder econômico da última vem dominando a vontade dos primeiros.

Parece razoável concluir-se que, embutida na “gun culture” norte americana, a arma torna-se instrumento relevante na solução de problemas. Desde os filmes e jogos eletrônicos de cowboys, passando pelos policiais e terminando nos invasores militares que restabelecem o “Bem” derrotando o “Mal”,  a  Arma é elemento central. Não surpreende que mentes distorcidas e torturadas busquem nela a eliminação de seus fantasmas. 

Conquanto o trato da questão da Segunda Emenda da constituição norte americana, que permite o porte de arma, seja de enorme relevância, não será ela a solução isolada para estes casos tão cruéis.

Tão, ou mais importante do que o controle das armas, é a compreensão do que seja a Sociedade americana. Ao analisá-la, importante me parece identificar o seu segmento WASP, que, apesar de incluir o Protestantismo  e o Anglo Saxão na sigla, na realidade exerce seu predomínio por toda a raça branca, independentemente de religião ou origem nacional. Tendo os WASP dominado a cultura de seus pares brancos e aderentes posteriores, inculcou-lhes  os valores que ainda marcam os descendentes dos imigrantes europeus que, em enormes ondas chegaram às costas Americanas.

Subordinando o Humanismo em prol do Pragmatismo, o vitorioso espírito Yankee privilegiou o Material como a força motriz de sua civilização. Seu lastro proeminente  é a ética do trabalho. Esta implanta o conceito dos “winners and loosers” que determina o valor do individuo para a sociedade e pelo sucesso material que alcança. Para os “ganhadores”, tudo, para os perdedores, os “loosers”, nem mesmo o respeito da família, esta também submissa à escala de valores dominante.

Esta gradação torna-se tão mais elevada ou degradante quanto mais una for a comunidade. A pequena cidade de Newtown, onde situa a escola Sandy Hook, faz parte da confortável comunidade WASP de Connecticut.  
Torna-se provável que as tensões psicológicas que se acumulam na parte inferior da pirâmide do sucesso equivalham  ao represamento  de frustração e raiva. Daí à explosão violenta é um passo.

Conquanto as outras raças que compõem o quadro demográfico norte americano compartilham, com intensidade variável, do culto ao sucesso material, estas se distinguem do segmento WASP no relacionamento e tolerância emocional que preside a interação no seu núcleo familiar e social. Tanto a comunidade negra como a “hispânica” se beneficia dos amortecedores de tensões, como poderia ser chamada a solidariedade familiar, a facilidade de expressar seus sentimentos e o confessionário católico.

Assim, parece relevante e urgente uma profunda análise, pelo governo norte americano, do perfil social, familiar, econômico, religioso, psíquico e racial das dezenas de perpetrantes da longa e incontida série de assassinatos em massa que ocorrem naquele país. A disponibilidade incontida da arma aliada à fragilidade psíquica, seja ela congênita, seja ela causada por pressões excessivas de seu entorno desaguam nas tragédias com as quais, infelizmente, já nos acostumamos.

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