A arma e a cultura
Quantas são as razões
para a matança em Sandy Hook? Porque
morreram 27 pessoas, dentre as quais 20 crianças? Quantos massacres
similares ocorreram nos últimos 24 meses? E
quantos no futuro próximo? Estas e muitas outras perguntas nos
assaltam, ao observar como é possível a
recorrência de atos tão brutais, com regularidade surpreendente, cometidos, na
sua esmagadora maioria nos Estados Unidos e por cidadãos da raça branca.
É natural que a
primeira reação se dirija contra a venda quase indiscriminada de armas que se
observa nos Estados Unidos. Parece claro que o acesso a armas automáticas,
sejam elas pistolas ou rifles aumentam exponencialmente a letalidade no seu
uso. De forma bastante simplista, a mera limitação de vendas de armas ao
revolver, contendo apenas 6 balas, e proibindo-se qualquer outro tipo, se
adequaria à Constituição americana, reduzindo exponencialmente o numero de
vitimas em massacres semelhantes. Mas este seria um debate entre políticos e a
National Rifle Association, sendo que o poder econômico da última vem dominando
a vontade dos primeiros.
Parece razoável
concluir-se que, embutida na “gun culture” norte americana, a arma torna-se instrumento
relevante na solução de problemas. Desde os filmes e jogos eletrônicos de cowboys,
passando pelos policiais e terminando nos invasores militares que restabelecem
o “Bem” derrotando o “Mal”, a Arma é elemento central. Não surpreende que
mentes distorcidas e torturadas busquem nela a eliminação de seus fantasmas.
Conquanto o trato da
questão da Segunda Emenda da constituição norte americana, que permite o porte
de arma, seja de enorme relevância, não será ela a solução isolada para estes
casos tão cruéis.
Tão, ou mais
importante do que o controle das armas, é a compreensão do que seja a Sociedade
americana. Ao analisá-la, importante me parece identificar o seu segmento WASP,
que, apesar de incluir o Protestantismo e o Anglo Saxão na sigla, na realidade exerce
seu predomínio por toda a raça branca, independentemente de religião ou origem
nacional. Tendo os WASP dominado a cultura de seus pares brancos e aderentes
posteriores, inculcou-lhes os valores
que ainda marcam os descendentes dos imigrantes europeus que, em enormes ondas
chegaram às costas Americanas.
Subordinando o Humanismo
em prol do Pragmatismo, o vitorioso espírito Yankee privilegiou o Material como
a força motriz de sua civilização. Seu lastro proeminente é a ética do trabalho. Esta implanta o
conceito dos “winners and loosers” que determina o valor do individuo para a
sociedade e pelo sucesso material que alcança. Para os “ganhadores”, tudo, para
os perdedores, os “loosers”, nem mesmo o respeito da família, esta também
submissa à escala de valores dominante.
Esta gradação torna-se
tão mais elevada ou degradante quanto mais una for a comunidade. A pequena
cidade de Newtown, onde situa a escola Sandy Hook, faz parte da confortável
comunidade WASP de Connecticut.
Torna-se provável que as
tensões psicológicas que se acumulam na parte inferior da pirâmide do sucesso
equivalham ao represamento de frustração e raiva. Daí à explosão
violenta é um passo.
Conquanto as outras
raças que compõem o quadro demográfico norte americano compartilham, com
intensidade variável, do culto ao sucesso material, estas se distinguem do
segmento WASP no relacionamento e tolerância emocional que preside a interação
no seu núcleo familiar e social. Tanto a comunidade negra como a “hispânica” se
beneficia dos amortecedores de tensões, como poderia ser chamada a
solidariedade familiar, a facilidade de expressar seus sentimentos e o
confessionário católico.
Assim, parece
relevante e urgente uma profunda análise, pelo governo norte americano, do
perfil social, familiar, econômico, religioso, psíquico e racial das dezenas de
perpetrantes da longa e incontida série de assassinatos em massa que ocorrem
naquele país. A disponibilidade incontida da arma aliada à fragilidade
psíquica, seja ela congênita, seja ela causada por pressões excessivas de seu entorno
desaguam nas tragédias com as quais, infelizmente, já nos acostumamos.
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