Porque será que uma fragata britânica, faz uma semana, invadiu o espaço as águas territoriais russas, ao Sul da Crimeia? Porque será que deixando o conforto dos mares que lhe são familiares, uma pequena unidade naval resolveu desafiar tiros da marinha e sobre voos do colosso russo?
Talvez seja porque a Grã Bretanha começa a sentir o isolamento europeu que o Brexit lhe trouxe. Habituada, através dos séculos, a ter voz relevante na política continental europeia, segue ela a estratégia, com inegável sucesso, de fomentar a discórdia dentre seus prováveis inimigos no continente. Impede, assim, a formação de alianças que lhe trariam uma possível derrota, seja política, seja militar. Dividir para dominar. Ainda hoje, post Brexit, a máxima é válida. Que não se iludam aqueles que a consideram a aguerrida ilha carta fora do baralho.
Para melhor avaliar esta questão, vale a pena retroceder no tempo e lembrar-se das etapas cumpridas para a criação da União Europeia e da reticente atuação de Whitehall (2) quando se construía um notável edifício civilizatório tornando a união dos países europeus m realidade.
A Célula Mater deste novo edifício foi criada pela França sob a presidência de Jean Monnet, tendo Robert Schuman como seu ministro das Relações Exteriores. Ao mobilizar a Alemanha recém derrotada, criou-se uma inédita união em busca de paz duradoura embasada na criação de permanentes interesses comuns, no caso a união do potencial siderúrgico das duas nações. Este embrião solidário expandiu-se, agregando paulatinamente os países vizinhos, levando, em 1957, à formação da União Europeia, após a assinatura do Tratado de Roma.
Membros iniciais de União Europeia
A quarta etapa ocorre a partir da queda do império Soviético em 1992, permitindo a integração das duas Alemanhas , abrindo as portas para a expansão da União Europeia em direção ao Leste europeu, até a fronteira Russa..
Vendo-se em preocupante minoria, e de forma a diluir o poder da França e Alemanha, Londres trabalha intensamente para a adesão dos novos membros.
"Fast Forward" e tem-se hoje a quinta etapa, esta trazida pelo post-Brexit. A reconfiguração da relação Reino Unido e União Europeia promete ser um período de intenso desafio tático e estratégico, econômico e político. O tratado resultante deixa Pérfida Albion (4) em dupla fragilidade: economicamente perde a preferência tarifária no imenso mercado europeu enquanto no campo político abdica de toda influência direta, antes exercida no Parlamento Europeu.
Atual conformação da União Europeia
Tendo em conta este novo quadro político-estratégico, quais seriam os próximos passos para a recomposição da influência britânica no Continente Europeu? Não mais tendo a condição de ação direta, conforme exercia no Parlamento europeu e junto a seus pares, resta-lhe a influência indireta.
Quanto mais relevante será o interlocutor, maior o preço da aquiescência; por outro lado, sem muito capital político busca-se parceiros mais modestos. Já na expansão da UE em 2004, rumo ao Leste, o Reino Unido atuou energicamente para a inclusão destes países, vislumbrando na sua aproximação politica terreno fértil para manobra, seja para apoio de seus objetivos, seja para repulsa de intenções alheias.
A surpreendente presença do HMS Defender da Real Marinha Britânica no litoral da Crimeia há poucos dias desafia a plena compreensão. Ou será uma exímia manobra política? Whitehall, ao fustigar a Rússia nada mais faz senão comprar a simpatia (e talvez a cumplicidade) dos países do Oriente Europeu cujo persistente ódio à Moscou serve de gazua para as intenções.
E para que serviria esta recôndita parceria senão para dar à Grã Bretanha o "nuisance value", ou o poder de negar ao Conselho da União Europeia aquelas medidas que exigem a aprovação unânime?
Fará uma semana que a Polônia e os países Bálticos impediram a aprovação de resolução da União Europeia favorecendo a sua reaproximação com a Rússia, iniciativa promovida pela França e Alemanha. Se aprovada a aproximação com Moscou o Reino Unido se veria face a face com uma União Europeia em temível expansão de poder.
Na política internacional, vive-se em mundo de espelhos, onde a aparência esconde a realidade; onde a "indirect approach", não raro, será o mais eficaz. .
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