terça-feira, 27 de julho de 2021

PEC 21 - 2021




A questão aflige a Nação há tempos. Os mais variados, e respeitáveis autores já vêm alertando a opinião pública para os perigos  que decorrem de ter-se Militares da Ativa em governo civil.

É oportuna, portanto, a proposta apresentada pelos partidos verdadeiramente democratas regulando a participação de militares da Ativa no governo. Reservando sua participação à orgãos especificamente ligados às Forças Armadas, a PEC 21, ora em elaboração para apresentação ao plenário do Congresso, as preserva da inconstância, balbúrdia e contradições (e até mesmo atentados à ética) que caracterizam o jogo político na esfera civil.

O General Braga Netto parece ter assumido a missão de mandar recados aos poderes políticos e civis. Segundo o Estadão, teria ele advertido, por meio de interlocutor, que sem voto impresso não haveria eleições. Ainda, chega a esta coluna informação que entidades patronais estariam sendo instadas a promover homenagem ao Exército no dia do soldado. No atual ambiente político, tal "sugestão", caso verdadeira,  parece se revestir de objetivo político. 

Tais fatos de cunho político, se emanados de oficial superior, sugerem um clima de crescente polarização, contrária à estabilidade democrática. Tais iniciativas revelam quão nociva vêm sendo a relevante e crescente contratação de militares ainda a serviço da sua Arma, por desfazer a fronteira que separa Estado de Governo. 

Nestes dias que correm, críticas formuladas pelo cidadão e pela imprensa estão sendo, por alguns, erroneamente  entendidas como manifestações desrespeitosas à imagem do Exército.

Ao identificar-se um funcionário faltoso ou incompetente, se fundamentado, não se visa a "instituição Exército". Caso seja um militar, melhor seria para a imagem da corporação se fosse ele nitidamente desvinculado de suas funções castrenses.  Importante reconhecer que a critica é instrumento necessário para o aperfeiçoamento administrativo, seja na empresa, seja no governo. Criticar não é desrespeitar.

Ora, é inevitável que em amostragem de indivíduos, seja de origem civil, seja militar, uma percentagem de mau desempenho, doloso ou não, é inevitável. Enquanto criticar-se o mau desempenho de funcionário de origem civil é apropriado, também o será no caso de funcionário de origem  militar. Não se trata de denegrir a corporação militar.

O Exército brasileiro ao longo da história brasileira, salvo raros períodos de rompimento constitucional, tem merecido o mais alto respeito da nação, conforme constatado em inúmeras e recentes  pesquisas de opinião pública. Em grande parte, tal visão decorre do fato de serem as Forças Armadas instituições de Estado, desvinculadas do Executivo, este um ente político-partidário.

Portanto, vale o alerta sobre a atual direção que toma o governo Bolsonaro, onde a crescente intimidade com a caserna, com objetivo claramente político, se faz sentir. Confiando na qualidade do Alto Comando, saberá o Exército preservar o respeito que merece junto aos brasileiros?


terça-feira, 20 de julho de 2021

Ventos e tempestades



A extrema concentração de renda e a pauperização de multidões, a proliferação dos oligopólios, o febril aumento nos custos e queda na qualidade  da saúde e da educação, a opacidade do Big Business facilitada pelo declínio das Agências Reguladoras, a crescente cumplicidade do estamento político como elemento predador, a fragilização das estruturas públicas, todas veem contaminando a qualidade dos governos, sobretudo o federal. Não parece  existir o  "level playing field" essencial à coesão social.. 

Constata-se nos Estados  Unidos, o melhor laboratório experimental de teses econômicas, que o sonho do Trickle Down Economy pouco se materializa. Pelo contrario, tanto lá quanto aqui, não só a concentração de renda atinge níveis inéditos, e, acentuando o desvio. A estagnação da renda nos níveis inferiores se mantém quando não deteriora.

E assim, gera-se crescente insatisfação neste ampliado Lumpen. Recorrerá ela à busca de proteção política  na sua crescente marginalização?  Proteção contra os magos  da Economia Liberal, onde o Estado reduzido deve  subordinar-se às forças do Mercado dito livre. Hoje, constata-se que a "receita de Chicago" tem muito à ajustar face às exigências da realidade econômica vigente. 

A extraordinária amplitude do "digital" no mundo econômico e social alarga a brecha que impede  o acesso da grande massa dos despreparados à este novo mundo e acentua a angustia de um futuro cada vez mais duvidoso. Ao exigir crescente e para muitos inatingível qualificação prática e teórica, potencializa-se a insegurança sócio-política  na base da sociedade. Assim forma-se uma relevante e inquietante massa de eleitores desiludidos. 

Até quando os menos favorecidos aceitarão a regra do jogo vigente ou ter-se-á uma crescente corrente no sentido oposto?  Tornar-se-ão suscetíveis às enganosas promessas populistas de um futuro melhor? 

Ampliado pela pandemia, absorvendo parte da  outrora dócil classe média, estimula-se o distanciamento e descompromisso com a democracia. Alimenta-se o conflito entre os que usufruem os benefícios da modernidade e àqueles que ainda estagnam no passado. Em ambiente de insuficiente acesso à educação, é crescente  o fosso que separa os dois estremos sociais. Ao acentuar-se as exigências  profissionais no mercado de trabalho, reduz-se  a solidariedade econômica e cívica.

E, assim, alimenta-se o desejo da volta ao autoritarismo, ao estado todo poderoso. Não faltarão pretendentes para liderar o processo, seja da Direita, para consolidar o atual e imperfeito domínio do topo da pirâmide econômica, seja pela Esquerda, para impor as perigosas e enganosas formulas distributivas.  

Assim, imperativo será o diálogo e o consenso sócio político só possível numa democracia. numa formulação equitativa que atenda uma espécie de "Acid Test", ou seja,  como equilibrar o Patrimônio Econômico da Nação e sua Dívida Social. Ter-se-á, assim, perenidade quanto à estabilidade político-social que induza e  permita o crescimento contínuo, livre de crises.   

É essencial conter-se a confrontação social, hoje potencializada pelo simplismo venenoso das redes sociais, veículos que favorecem a dissenção desprovida  de meditação, análise e tolerância.  

Já Hobbes, nos idos do Século XVII,  propunha que uma Força Suprema, ou o Leviatã, fosse essencial ao ordenamento de uma sociedade face á multitude de forças contraditórias e competitivas que a compõem. O ordenamento pela Força. Sem ela a sociedade perderia seu rumo, sua eficácia e, em última análise, fracassaria na sua missão de prover a estabilidade ao Poder constituído. 

Contudo,  nos Séculos seguintes,  o pensamento político de John Locke e os Iluministas franceses evoluíram do Direito Divino e Absoluto dos reis de então e desenvolveram a lógica democrática, desaguando nos três Poderes constitucionais de Montesquieu. Assim, o Leviatã saiu de moda nos países civilizados. 

Contudo, parece haver um retorno à  tendência totalitária neste mundo tornado ansioso e inseguro pelas incertezas que se acumulam face à revolução cibernética. A luta que hoje nos bastidores políticos se trava não mais é, apenas, entre Direita e Esquerda mas, também, entre a ditadura e a democracia. Já, aos despossuídos pouco importa a ideologia, mas sim o acesso ao bem estar. A manter-se a elite pensante da Nação alheia ao sombrio fosso que se cava entre as classes sociais, situação agravada pelos efeitos devastadores da Pandemia,  a maioria  terminará por impor sua vontade, seja pelo voto seja pela contestação.

















     

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Uma renovada Albion¹


Porque será que uma fragata britânica, faz uma semana, invadiu o espaço as águas territoriais russas, ao Sul da Crimeia? Porque será que deixando o conforto dos mares que lhe são familiares, uma pequena unidade naval resolveu desafiar tiros da marinha e sobre voos do colosso russo?

Talvez seja porque a Grã Bretanha começa a sentir o isolamento europeu que o Brexit lhe trouxe. Habituada, através dos séculos, a ter voz relevante na política continental europeia, segue ela a estratégia, com inegável sucesso, de fomentar a discórdia dentre seus prováveis inimigos no continente. Impede, assim,  a formação de alianças que lhe trariam uma possível derrota, seja política, seja militar. Dividir para dominar.  Ainda hoje, post Brexit, a máxima é válida. Que não se iludam aqueles que a consideram a aguerrida ilha carta fora do baralho. 

Para melhor avaliar esta questão, vale a pena retroceder no tempo e lembrar-se das etapas cumpridas para a criação da União Europeia e  da reticente atuação de Whitehall (2) quando se construía um notável  edifício civilizatório tornando a união dos países europeus m realidade.  

A Célula Mater deste novo edifício  foi criada pela França sob a  presidência de Jean Monnet, tendo  Robert Schuman como seu ministro das Relações Exteriores. Ao mobilizar a Alemanha recém derrotada, criou-se uma inédita união em busca de paz duradoura embasada na criação de permanentes  interesses comuns, no caso a união do potencial siderúrgico das duas nações. Este embrião solidário  expandiu-se, agregando paulatinamente os países vizinhos, levando, em 1957, à formação da União Europeia, após a assinatura do Tratado de Roma.


                                                      Membros iniciais de União Europeia

Somente em janeiro de 1973 o Reino Unido adere à União Europeia.(3)  Assim, tem início a terceira etapa na progressão da UE.

A quarta etapa ocorre a partir da queda do império Soviético em 1992, permitindo a integração das duas Alemanhas , abrindo as portas para a expansão da União Europeia em direção ao Leste europeu, até a fronteira Russa..

Vendo-se em preocupante minoria, e de forma a diluir o poder da França e Alemanha,                        Londres trabalha intensamente  para a adesão dos novos membros.

"Fast Forward" e tem-se hoje a quinta etapa, esta trazida pelo post-Brexit. A reconfiguração da relação Reino Unido e União Europeia promete ser um período de intenso desafio tático e estratégico, econômico e político. O tratado resultante deixa Pérfida  Albion (4) em dupla fragilidade: economicamente perde a preferência tarifária no imenso mercado europeu enquanto no campo político abdica de toda influência direta, antes exercida no Parlamento Europeu. 


                                                          Atual conformação da União Europeia

Tendo em conta este novo quadro político-estratégico, quais seriam os próximos passos para a recomposição da influência britânica no Continente Europeu? Não mais tendo a condição de ação direta, conforme exercia no Parlamento europeu e junto a seus pares,  resta-lhe a influência indireta.

Quanto mais relevante será o interlocutor, maior o preço da aquiescência; por outro lado, sem muito capital político  busca-se parceiros mais modestos. Já na expansão da UE em 2004, rumo ao Leste, o Reino Unido atuou energicamente para a  inclusão  destes países, vislumbrando na sua aproximação politica terreno fértil para manobra, seja para apoio de seus objetivos, seja  para repulsa de intenções alheias.

A surpreendente presença do HMS Defender da Real Marinha Britânica no litoral da Crimeia há poucos dias desafia a plena compreensão. Ou será uma exímia manobra  política? Whitehall, ao fustigar a Rússia nada mais faz senão comprar a simpatia (e talvez a cumplicidade) dos países do Oriente Europeu cujo persistente ódio à Moscou serve de gazua para as intenções.

E para que serviria esta recôndita parceria senão para dar à Grã Bretanha o  "nuisance value", ou o poder de negar ao Conselho da União Europeia aquelas medidas que exigem a aprovação unânime?

Fará uma semana que a Polônia e os países  Bálticos impediram a aprovação de resolução da União Europeia  favorecendo a sua reaproximação com a Rússia, iniciativa promovida pela França e Alemanha. Se aprovada a aproximação com Moscou o Reino Unido se veria face a face com uma União Europeia em temível expansão de poder. 

Na política internacional, vive-se em mundo de espelhos, onde a aparência esconde a realidade;  onde a "indirect approach", não raro, será o mais eficaz.  . 

(1) Branco em Grego, significando a Inglaterra. Vide as brancas falésias de Dover.
(2) Cerne político-administrativo do Inglaterra
(3) Vencendo a oposição de Charles de Gaulle, devido à experiência da França Livre nas relações com a Inglaterra durante a 2a guerra mundial. 
(5) Alcunha concedida por aqueles que nela não confiam.