segunda-feira, 31 de maio de 2021

E agora?



Um preocupante cenário estaria se desenhando no planeta. A entrada de Joe Biden no palco internacional, dando sequência a animosidade de Trump para com a China, traz no bojo desdobramentos previsíveis. Estes são administráveis. O que mais preocupa, contudo, serão os  imprevisíveis.

O "casus belli" que ora se cria envolve a preponderância econômica e a manutenção, por Washington, de sua hegemonia sobre o planeta. 

Tal domínio teve seu início com a decadência dos impérios que, na era moderna, dominavam as áreas relevantes do mundo, o Britânico, o Francês, o Alemão, o Holandês, o Espanhol e o Português, todos Ocidentais.  

Ao adentrar o Século XX, os Estados Unidos tornam-se um império ao derrotar a Espanha e herdar suas possessões. Teve o benefício geográfico de ser sua metrópole distante dos grandes e poderosos concorrentes, expandindo-se nas Ásia e na América Central/Caribe. Na Ásia, seu domínio girava em torno das Filipinas. Já na America Central estabeleceu um novo formato de tutela, mesclando a permanente imposição econômica com a pontual intervenção militar assim assegurando o domínio político dos países desejados. Ainda, o Panamá, Puerto Rico e Cuba (Platt Agreement) tornaram-se, de fato, colônias, assim fazendo do Caribe um lago americano. 

Em 1918, ao término da Grande Guerra, surge o colosso Americano, emergindo sobre as ainda mornas  cinzas do Império Britânico. O custo do domínio sobre enormes nações, como India, Canadá, Australia, e África do Sul, tão distantes da metrópole, começava a pesar na capacidade financeira e militar de Londres em mantê-las.  

Por sua vez, intervindo  no conflito nas horas finais, com os alemães já sem fôlego, os Estados Unidos colhiam os louros da vitória. Com baixas insignificantes face à enorme mortandade sofrida por seus aliados franceses, britânicos, russos e italianos, exauridos física e economicamente, criava-se uma nova equação de poder.    

Com o parque industrial, a infraestrutura, a mão de obra e as finanças intocados pelo flagelo, pôde os Estados Unidos prover bens e serviços na retomada das economias europeias, fragilizadas pela imensa perda de capital e vida, de seus quadros e da mão de obra. O retorno econômico decorrente desta fase trouxe-lhe extraordinária riqueza.

Duas décadas depois, com o advento da Segunda Guerra Mundial, novamente os Estados Unidos socorrem a Europa e .... a China. Conquistada a vitória com sua  inestimável contribuição, material e humana, os Estados Unidos tornou-se, novamente,  o grande provedor de bens, serviços, e capital para a recuperação das destroçadas nações europeias. Tendo o dólar por moeda de reserva, substituindo a Libra Esterlina,  e provendo com o Plano Marshall a recuperação econômica europeia, criava-se uma era de extraordinário crescimento econômico e pervasiva influência política.

A bipolaridade politico-ideológica  mundial que se seguiu durante quase cinco décadas terminou com a derrota soviética. Mas não sem sustos. Os mísseis russos em Cuba por pouco causam a catástrofe nuclear. Tanto Kennedy quanto Khrushev souberam retroceder, cada qual com uma vantagem obtida. Nos anos derradeiros do conflito ideológico, restabelecido o diálogo, Reagan e Gorbashev derrubavam a Cortina de Ferro sem um tiro sequer.   

Caia a União Soviética, mas erguia-se a China. Caminha-se, agora,  na direção oposta. Confrontado com o excepcional crescimento da economia chinesa e a expansão de sua influência comercial  em todos os quadrantes do Globo, Joe Biden adere à politica de contenção, lembrando os tempos de George Kennan e seu famoso memorando.¹ Torna a confrontação com Pequim a linha mestra de sua política externa.  

Porém, no Século XXI, todos os potenciais beligerantes são alcançáveis pelo moderno arsenal destrutivo. Tanto Pequim quanto Washington podem ser erradicados. Tanto norte-americano quanto chinês poderá ser obliterado. 

E como se configuram os players mais relevantes neste potencial conflito? 

Do lado Norte Americano ter-se-ia o Canada, o Reino Unido, o Japão, a Austrália e, timidamente,  a Coréia do Sul. A adesão da India seria improvável pois teria dois adversários em suas fronteiras, a China ao Norte e, o Paquistão à Noroeste, este sempre em busca de vingança. Já, o Vietnam, ainda que possível,  dificilmente aceitaria arriscar sua existência aliando-se à Washington no projeto de fustigar o "under-belly" do exército chinês.

Quanto à União Europeia, difícil será  avaliar sua reação. O Brexit alijou a Grã Bretanha da solidariedade Europeia. Fragilizou, assim, os laços USA - Continente Europeu. Razoável dúvida haveria sobre um engajamento dos países líderes europeus em guerra incerta contra a China e, possivelmente, contra uma Rússia altamente militarizada. Haveria ruptura na UE?

Ainda, interromper o substancial e crescente  benefício comercial e financeiro que decorre de sua parceria com Pequim desaconselha um conflito. A distância que a separa a UE da China recomendaria paciência e prudência. 

Já a China, excetuando-se a Coréia do Norte,  correria o risco de ficar sozinha. Quanto à Rússia, dificilmente optará por aliar-se militarmente à seu vizinho (adversário histórico), ainda que reconheça a  vantagem em supri-la com armamento, petróleo e outras matérias primas. Contudo, a situação poderia inverter-se caso Washington se exceda  na intensidade das sanções políticas, comerciais e financeiras assim levando Moscou à juntar-se ao vizinho chinês.

Qual seria o risco de evento inesperado provocar esta guerra? Seria crescente. Interpretações erradas, de parte a parte,  pelos serviços de inteligência, por exercícios militares excedendo os limites prudentes, pelo "hacking" de serviços cruciais à segurança nacional, e aliado, como a Coréia do Norte,  agindo por conta própria,  etc... 

Neste quadro de consequências nefastas, a busca de hegemonia não mais é realista. Equivale a patinar em gelo fino.  Cabe à Biden, atenuar o discurso. Buscar na negociação o equilíbrio comercial através de diálogo que respeite o interlocutor. Washington, a manter a busca de novas regras mediante ameaças mercantilistas não mais se justificam no Século XXI pois se coloca como o vilão nesta controvérsia. 

Ênfase em harmonia, sim. Tanto maior é a essencialidade do diálogo, da negociação, da flexibilidade, da adaptabilidade. A persistir os Estados Unidos na tentativa de alterar um processo que parece inevitável, ou seja, o crescimento econômico da China, o planeta será colocado em risco.



sábado, 15 de maio de 2021

Guerra e Paz*




Nenhum conflito internacional vem se prolongando tanto quanto aquele que ocorre nas terras que medeiam o Mediterrâneo e o Rio Jordão. São tantos os meandros que, para entendê-la, convêm relatá-la por Capítulos e com especial atenção para a cronologia dos fatos e atos.


O Capítulo que ora se desenrola poderia ter por título  "O Expurgo de Jerusalem".


Após ser Israel oficialmente designado um "Estado Judeu" ficou claro que  a etnia Semita-Judaica tornava-se constitucionalmente dominante, assim formalizando o princípio do "Apartheid". Determina que o poder político dos nascidos Judeus será preponderante sobre as demais etnias, ora  tornadas subordinadas. Dentre elas inclue-se a Semita-Arabe, composta por Palestinos, igualmente cidadãos do Estado de Israel. 


Historicamente, Jerusalem Oriental é habitada pelos Palestinos, o qual, pela Resolução das Nações Unidas que criou o Estado de Israel, é designado como a futura capital do Estado Palestino a ser criado.


Contudo, segundo o governo de Israel, Jerusalem tornou-se, integralmente,  a capital do Estado Judeu, inviabilizando a solução bipartite. Já lá vão alguns anos, amplia-se a ocupação deste bairro pela etnia Semita Judaica, seja através de aquisição, seja através de intimidação.


E assim, muito resumidamente, chega-se ao presente. Diversas famílias Palestinas estão sendo expulsas de suas casas, a serem cedidas aos Judeus. A Justiça tergiversa. As autoridades policiais querem o cumprimento imediato. Além da discutível validade jurídica, tal despejo despreza o fato de viver-se numa Pandemia, assim tornando aberrante o despejo de cidadãos.


A situação torna-se explosiva; manifestantes árabes protestam, as duas etnias se confrontam; a polícia interfere, violência, centenas de palestinos por ela agredidos, dezenas de mortos. O conflito agrava-se, se desloca para a Mesquita Al Aqsa, invadida pelas forças policiais. O desrespeito à inviolabilidade do local santo, garantida por tratado internacional ( Israel-Jordânia), provoca indignação e revolta.  Outra centena de feridos e outra dezenas de mortos por forças israelenses. 


Adiciona-se, então, outra dimensão ao conflito. A questão torna-se religiosa, para o mundo  Muçulmano, não mais somente política. O protesto antes geograficamente contido, atravessa fronteiras e comunidades e países. 


O conflito se espalha, mobiliza Gaza e a Irmandade Muçulmana. O ódio se propaga, a violência impera.


O Premier Netanyahu vê abrir-se a porta para seu retorno ao poder após duas tentativas frustradas. A questão Palestina é seu melhor cabo eleitoral.  Até que ponto este objetivo estará por traz da intransigência e violência policial sob seu comando, planejando a inevitável reação Palestina?


Tal qual as peças de dominó, como se derrubando peça após peça, chega-se à Peça Hamas. Em Gaza, manifestações civis na fronteira com Israel enfrentam fogo mortal do exército israelense. Confrontação inevitável. Dezenas de mortos palestinos.


Voam os foguetes de uma lado, aviões do outro. Prédios derrubados, centenas de feridos, dezenas de mortos. A esmagadora maioria Palestinos. Dez Israelenses mortos.


"Israel a Perigo" brada a voz de Netanyahu. O jogo político está ganho!  Bibi volta 


Os próximo passos serão na Guerra da Informação. Os Palestinos, que começaram o relato como Vítimas, uma vez submersos pela onda da mídia dominada pelos poderosos, serão transformados em Culpados.


"Façam a Paz!" "Porque guerra?" "Palestinos e Judeus, enterrem as armas!" 


Estas serão as manchetes. Sem perguntar: como podem os Palestinos sobreviver? Sem liberdade, sob tutela armada, prisioneiros em minguante território sob constantes predadores, sem vislumbre de Pátria? 


Como podem subsistir sem protesto? Como podem se curvar e não levantar-se?


E a farsa, com beneplácito internacional, continua, até tornar-se o Holocausto Palestino. A menos que  Israel, pressionado pelas potências, conceda àquele povo as condições de sobrevivência territorial, econômica, e política. 


O passado já demonstrou que a Paz é possível. Poderia ser um novo "Acordo de Oslo" tendo por garantes um grupo de potências internacionais. 


Inadmissível será a continuidade do "status quo".




sexta-feira, 7 de maio de 2021

Militares da Ativa



Sempre houve uma participação militar na política, porém a prudência recomenda que seja ela restrita à  militares da Reserva. Fatores comportamentais e constitucionais assim recomendam. O assunto, se  levado à uma análise mais profunda, revelaria o contra senso de colocar-se em posto chave político pessoa com dupla lealdade. Ser militar não é, simplesmente, pertencer à uma profissão; de fato, é pertencer à um segmento da sociedade cujo engajamento é intrinsicamente ligado à sobrevivência física da  Nação, e às inciativas que decorrem desta missão. 

Enquanto tanto o politico quanto o militar têm por regimento a Constituição, o Militar da ativa é também  submisso ao código de conduta das Forças Armadas que exige obediência (e não concordância) ao Chefe. Transplantar-se tal conceito à relação iminentemente política de Presidente - Ministro cria situação de subordinação formal, estranha ao convívio político.  Ora, um cidadão convidado para um cargo político não deve submeter suas crenças e suas ações à força impositiva da hierarquia. Terá, sempre, o direito de discordar, de argumentar, de sugerir alternativas, nunca tolhido por código de obediência. Em última instância, pode o Ministro recorrer à opção de demitir-se,  assim rejeitando a ordem recebida e recuperando sua autonomia.

O caso que envolveu o Ministro Eduardo Pazuello exemplifica a séria distorção que traz a cooptação de militares da Ativa para cargo público. Este Ministro, ao proferir a frase castrense  "um manda, o outro obedece", revelou sua incapacidade de exercer missão civil, uma vez que anula o direito às suas convicções, necessária ao bem governar.

A  opção por discordar é essencial ao homem que exerça função governamental, pois tal arbítrio torna-se elemento imprescindível na construção democrática de políticas de interesse público. A expressão do livre pensamento é essencial à convergência democrática que, por sua vez, impregna todos os níveis (inferiores e superiores) do estamento político. 

Ainda, a cooptação de militares da Ativa à postos de governo civil gera conflitos de interesse, onde a simbiose de poderes confunde o braço militar e o braço civil, enquanto o primeiro é específico e o segundo, abrangente. No primeiro, acentua-se o interesse coorporativo, enquanto no segundo o interesse é público. No primeiro insinua-se a primazia da força, no segundo a preferência pelo diálogo. No primeiro a força das armas, no segundo, a força das ideias. 

Também, é aconselhável, senão imperioso, que tanto o Comando Militar quanto o Congresso cheguem à  constatação que lugar de militar da Ativa  é nos quartéis ou no campo de batalha, mas nunca em cargos governamentais que  possam vir a subordinar o edifício democrático.  O bom militar será rijo e rígido; o bom político será maleável e flexível. Um não saberá jogar o jogo do outro; assim ensina a história.  

A lamentável ação do General da Ativa, Eduardo Pazuello, no combate ao Virus inimigo, apesar de ser Civil seu cargo de Ministro, traz ao Exército a miasma da derrota. As Forças Armadas são instituições essenciais ao país; assim sendo, devem preservar, a todo custo, o respeito que merece da cidadania. Politizá-lo, ao permitir a convocação de militares da Ativa ao preenchimento de postos políticos é nocivo, tanto à Nação quanto à Instituição Militar.

Até o momento, os depoimentos dos dois ex ministros da Saúde vem deixando o Presidente em maus lençóis. Incapaz de confrontar os erros do Chefe, escudou-se Pazuello na hierarquia militar, culpando-a  pela sua inoperância. Uma vez trazido à prestação de contas, é provável que, ao embaralhar-se em seu depoimento junto à CPI-Covid19, se vaja o general abandonado à própria sorte por seu padrinho Bolsonaro e entregue às feras políticas que, sobre ele, farão sua refeição. 

Ou, o que será bem mais grave, o Exército venha a abraçar a proteção do general faltoso em mal avisado  "esprit de corps".